Para entidades de servidores, projeto que veda reajustes como contrapartida a socorro a estados e municípios é inconstitucional
Thiago Resende e Danielle Brant
A exclusão de policiais do dispositivo que congela salários de servidores no pacote de socorro a estados gerou insatisfação em entidades do funcionalismo que representam outras categorias. O caso poderá ir para o STF.
Articulação de uma ala do governo liderada pelo general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, com apoio do centrão e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ampliou a lista de categorias ressalvadas do congelamento salarial estipulado como contrapartida ao socorro da União a estados e municípios.
Pela proposta aprovada no Senado, poderiam receber reajuste na crise servidores da área de saúde e categorias da segurança pública dos estados e municípios, como policiais militares, além das Forças Armadas. A ressalva é que esses profissionais precisam atuar diretamente no combate à Covid-19.
A Câmara ampliou esse benefício a servidores da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Ferroviária Federal, de policiais legislativos, limpeza pública, assistência social, técnicos e peritos criminais, além de agentes socioeducativos.
Essas categorias foram excluídas do congelamento salarial pelos deputados após articulação capitaneada pelo líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO).
O ministro Paulo Guedes (Economia) defende a suspensão dos reajustes a servidores até o fim de 2021, como forma de que esses trabalhadores também sejam afetados pela crise econômica causada pelo novo coronavírus.
Por isso, governadores e prefeitos deverão suspender a concessão de aumentos e, em troca, poderão ter acesso a auxílio financeiro. Mas congressistas têm cedido às pressões de corporações para deixar algumas categorias fora da medida.
O movimento, com apoio de governistas, gerou reação de outras entidades, que veem inconstitucionalidades no projeto. O lobby do funcionalismo é um dos mais poderosos no Congresso.
Para o presidente do Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado), Rudinei Marques, a proposta fere a Constituição.
Na avaliação dele, o Congresso não poderia criar regras salariais para governos regionais. Por isso, a entidade avalia acionar o STF contra o congelamento salarial.
"O Legislativo está entrando em prerrogativas de outros Poderes, o que a Constituição também proíbe. Tem margem ampla para judicializar."
Paulo Lino, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central, critica o congelamento salarial de servidores.
"O argumento do governo de que todo o mundo vai sofrer é só um modo de dizer. Os servidores vão sofrer. Todo serviço público é essencial para o Estado, e não deveria ser o servidor público mais uma vez o punido", afirmou.
Lino ressaltou que o sindicato que representa está analisando potenciais inconstitucionalidades no texto que possam ser contestadas.
A juíza Noemia Porto, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), defendeu que é preciso analisar os termos do congelamento, "inclusive sobre se abarcará indistintamente todas as carreiras ouse, de forma aleatória, algumas serão poupadas e outras não".
Já o presidente do Sindifisco (sindicato de auditores-fiscais da Receita Federal), Kleber Cabral, criticou a exclusão de categorias do texto da Câmara, ressalvando os profissionais de saúde.
"A hora em que começa a abrir exceção, aí você precisa ter lógica na exceção. O que a gente viu é que não tem lógica nenhuma. Eu não consigo compreender por que as Forças Armadas precisam ser excetuadas aí. Qual exatamente é o papel das Forças Armadas no combate à pandemia? Ninguém soube me explicar!'
Já o vice-presidente da FenaPRF (Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais), Dovercino Borges Neto, defende que a categoria seja ressalvada da lista sujeita a congelamento de salários.
"Vamos fazer todo esse trabalho de vigilância no Senado, porque não entendemos por que motivo não seríamos contemplados, já que estamos na linha de frente na atuação contra o Covid-19. Nosso trabalho é iminentemente ostensivo." Neto rejeitou que a categoria tenha sido privilegiada no texto da Câmara. "Estamos na linha de frente."