A manutenção ou não da data de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) em meio à pandemia da Covid-19 gerou intenso debate entre especialistas e o mercado, com vozes defendendo a antecipação de sua vigência e, ao mesmo tempo, o Congresso discutindo o adiamento em seis meses.
"A aplicação imediata da LGPD traria parâmetros e bases legais que permitiriam o tratamento de dados pessoais na tutela na saúde e na tutela da vida", avalia Laura Schertel, professora da UNB e do IDP, e que foi uma das autoras do anteprojeto da Lei de Proteção de Dados. Para a professora, estamos em uma encruzilhada na proteção de dados no país, "porque precisamos dos dados para extrair informações, mas só é possível usá-los com segurança, e de forma confiável, se tivermos uma estrutura, princípios e parâmetros". Clara Iglesias, fellow no Leibniz Institute for Media Research e doutora em Direito Público pela UERJ, concorda: "a LGPD nunca foi tão necessária e nunca esteve tão em risco".
Elas participaram nesta quarta-feira (29/4) do webinar promovido pelo
JOTA para discutir os desafios regulatórios da proteção de dados e a busca de soluções tecnológicas no contexto da crise. O debate também teve a presença do presidente-executivo do SindiTelebrasil, Marcos Ferrari, do ex-diretor da Anvisa e advogado Renato Porto, e de Ricardo Fenelon, ex-diretor da Anac, advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Aeronáutico (IBAER). A mediação foi feita pelo advogado e ex-secretário nacional de Justiça e subchefe para assuntos jurídicos da Presidência da República Beto Vasconcelos, e por Felipe Seligman, sócio-fundador do
JOTA.
Laura Schertel explicou que dados hoje representam uma forma de poder. "A única maneira de contrapor esse poder é termos mais transparência no uso desses dados", disse. "A proteção de dados não é a proibição de dados, muito pelo contrário. A ideia é que tenhamos um fluxo de dados de forma segura, para que a sociedade confie nos aplicativos para ceder mais dados", destacou. "As empresas têm a preocupação de que a LGPD vai gerar um custo em um momento de crise", lembrou. "Mas o custo das empresas e da sociedade é muito maior sem a LGPD, porque temos uma insegurança jurídica muito grande sem esses parâmetros em vigor".
Já o presidente-executivo do SindiTelebrasil, Marcos Ferrari, considera o adiamento da vigência da LGPD uma medida necessária. "Não temos uma autoridade de proteção de dados constituída, a regulamentação não está definida, e ao mesmo tempo falta segurança jurídica em relação à aplicação da lei", destacou. "Sem a autoridade constituída, temos o risco de interpretações sem base técnica", disse. "Não conseguimos ver como podemos ter uma lei sem a autoridade para dar fluidez no dia a dia com as empresas".
Ferrari fez questão de ressaltar que e o rastreamento de deslocamentos a partir das linhas telefônicas gera um dado estatístico não identificado e, por isso, não interfere em dados pessoais.
Para Clara Iglesias, doutora em Direito Público, é preciso fugir de discussões dicotômicas como "pode ou não pode compartilhar dados?" e "essa tecnologia é boa ou ruim?". Segunda ela, esse debate não ajuda em nada. "Nenhuma tecnologia é totalmente boa ou totalmente ruim, mas elas também não são neutras", disse. "A história mostra que a forma como as tecnologias são construídas apresentam vieses. É papel do gestor público garantir que esse viés vai responder ao quadro constitucional e legal".
A pesquisadora entende que no momento há um risco de comprometimento de todo um trabalho de criação de uma cultura de proteção de dados. "Faço a recomendação por uma aplicação mais conservadora, comedida, dos instrumentos regulatórios, favorecendo aqueles que garantam maior certeza e segurança jurídica das normas adotadas".
Na avaliação de Renato Porto, ex-diretor da Anvisa, a pandemia trouxe um ponto fundamental de discussão no Brasil: a velocidade. "É impossível tomar uma decisão de natureza de proteção de dados, ou de avanço da ciência, sem ter uma finalidade", destacou. "Não dá para duvidar que a indústria farmacêutica, por exemplo, não sabe proteger dados, quando todos os medicamentos são desenvolvidos a partir de uma pesquisa clínica, com dados randomizados, em que você não sabe quem é o paciente-controle, quem é o paciente que tomou a droga".
O debate fez parte da série de webinars diários que o JOTA está realizando, durante a pandemia da Covid-19, para discutir os efeitos na política, na economia e nas instituições. Todos os dias, tomadores de decisão e especialistas são convidados a refletir sobre algum aspecto da crise.
Entre os convidados, já participaram do webinar estão o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, o presidente do STF, Dias Toffoli, o ministro Gilmar Mendes, o ministro Luís Roberto Barroso, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), a presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Fausto Pinato (PP-SP), o economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa; além de representantes de instituições como a Frente Nacional de Prefeitos, a Confederação Nacional das Indústrias e a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho.
Érico Oyama - Repórter