São Paulo - Problemas técnicos interromperam o julgamento, em sessão remota, de ação contra a Medida Provisória (MP) 936, na tarde desta quinta-feira (16), no Supremo Tribunal Federal (STF). No único voto, o relator, Ricardo Lewandowski, reafirmou termos de sua decisão provisória e sustentou que os acordos individuais de redução de jornada e salário - quase 2,5 milhões até agora, segundo o governo - são válidos e produzem efeitos imediatos.
O ministro apenas emendou o texto da MP para definir que os sindicatos podem, se quiserem, participar do processo, abrindo negociação coletiva. Depois do voto do relator, a sessão foi interrompida por quase duas horas, até pouco antes das 19h, quando o presidente da Corte, Dias Toffoli, reapareceu e informou que houve uma queda no centro de dados, problema ocorrido "alhures" (em outro lugar). E marcou a continuação do julgamento para esta sexta-feira (17), a partir das 14h, começando com o voto de Alexandre de Moraes.
Lewandowski afirmou que sua decisão liminar "procurou harmonizar a intenção do governo, e temos que reconhecer que foi um intenção benfazeja diante desta terrível crise que nos assola, com as cláusulas pétreas da Constituição, que abrigam direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, que a meu sentir não podem ser deixados de lado em um momento de crise". Pedindo cautela, o ministro disse que a Carta "é a única tábua de salvação que nos permitirá esses momentos difíceis pelo quais passa o país".
Ele afirmou que o governo se esforçou para preservar empregos e empresas, mas observou também que o afastamento dos sindicatos da negociação "contraria a própria lógica subjacente ao direito do trabalho, que parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois pólos da relação laboral". É um momento, segundo Lewandowski, que exige "imaginação e flexibilidade".
O magistrado disse não ignorar que as empresas enfrentam "sérios desafios" para sua sobrevivência. E destacou o princípio do diálogo social tripartite, defendendo pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Ele negou que tivesse fixado prazo para resposta das entidades sindicais, observando que apenas procurou formatar o que chamou de "lacuna" no texto do MP, que em um dos artigos diz que os acordos individuais "deverão ser comunicados pelos empregados ao respectivo sindicato laboral" em até 10 dias corridos. Assim, o juiz determinou que os sindicatos devem ser manifestar a respeito desses acordos.
"Não estou inventando nada", disse o ministro, ao explicar seu acréscimo ao quarto parágrafo do artigo 11 da MP 936. Assim, o sindicato, ao ser comunicado do acordo, pode ou não iniciar um processo de negociação coletiva. "No silêncio dos sindicatos, prevalece o acordo individual." E emendou: "Tenho a convicção de que os sindicatos brasileiros, imbuídos do mais elevado espírito público, certamente invidarão os maiores esforços para que esses acordos entre patrões e empregados cheguem a bom termos, sem prejuízo de quem quer que seja".
Entendimento social
Pela Rede - partido que apresentou a ação direta de inconstitucionalidade, a ADI 6.363 - o advogado Mauro de Azevedo Menezes afirmou que alguns itens da proposta "estabelecem um antagonismo inconveniente" com dispositivos da Constituição. "É preciso exercitar a prudência", pediu. "Os acordos individuais, pela nossa doutrina e pelo Direito Constitucional, são vistos com absoluta desconfiança", acrescentou, defendendo "entendimento entre as partes sociais".
"A sociedade precisa exercitar cooperação, com agentes habilitados e legítimos, como são os sindicatos e as empresas, e também os sindicatos patronais", disse ainda o advogado da Rede "Como é possível uma medida provisória fazer uma escolha que não foi a do constituinte? Caso os acordos individuais prevaleçam, nós estamos fomentando inclusive um conflito mais adiante. É preciso que o sistema constitucional seja preservado."
Em nomes das seis centrais sindicais incluídas na ação (CSB, CTB, CUT, Força Sindical, Nova Central e UGT), o advogado José Eymard Loguercio lembrou que as entidades têm procurado o diálogo com a instituições, em busca de soluções. "Esta é uma questão tipicamente sindical. Nos estados de emergência, a Constituição precisa ser reafirmada. Esse tipo de legislação (MP) levará a um caos pós-pandemia."
Segundo ele, existe necessidade de uma "legalidade extraordinária" durante o período de crise. "Mas essa legalidade precisa estar amparada na Constituição Federal. A pandemia não coloca a Constituição de 88 em suspenso, em quarentena", concluiu, lembrando que as centrais estão desde o início abertas à negociação, respeitado o "pacto civilizatório" da Carta de 1988.
Sem retrocesso social
Pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Pedro Gordilho também evocou a Constituição, afirmando que a proposta do governo viola a autonomia negocial coletiva e "implica em verdadeira ofensa ao princípio que veda o retrocesso social". E a presidenta da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), Alessandra Camarano Martins, lembrou que o país já foi denunciado na Organização Internacional do Trabalho (OIT) por práticas antissindicais. "A presença do Estado é fundamental neste período de pandemia. Mas o Estado social", ponderou,
Do lado patronal, o advogado Rafael Freitas Machado, da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil, disse que o debate precisa considerar os dois lados. "Não existe divergência, neste momento, entre empregado e empregador", afirmou. "Estão todos numa situação caótica, precisando de soluções flexíveis e construtivistas."
Trata-se, segundo ele, de preservar a economia. "Este momento único merece uma solução única também. A MP 936 em momento algum violou a Constituição", disse o advogado, para quem a proposta garantiu "maximização de todos os direitos fundamentais, direito social, direito do empregador, livre iniciativa". Segundo Machado, o acordo coletivo não está sendo dispensado, mas o momento é excepcional. "O momento não é de vulnerabilidade do emprego, é de vulnerabilidade de ambas as partes." Ele foi acompanhado na argumentação pela advogada Fernanda de Menezes Barbosa, que representou a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O advogado-geral da União, André Mendonça, disse que a preocupação foi "preservar os direitos do trabalhador" durante o período de crise. Uma crise, emendou, "cujos reflexos na economia podem impor o fechamento de pequenas, médias e grandes empresas em nosso país, e por consequência a perda do emprego de milhões e milhões de trabalhadores". Ele informou que até o início da tarde já haviam sido firmado 2.473.531 acordos individuais.