O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) encontrou na cloroquina a narrativa para reverter a queda de popularidade nas redes que vinha tendo por causa do discurso binário entre saúde e economia na crise do coronavírus. Desde 8 de abril, há ao menos uma postagem por dia nas páginas do presidente citando o remédio, que está em fase de testes e é usado originalmente no tratamento de malária.
"O presidente Jair Bolsonaro se posiciona desde a pré-campanha em temas que polarizam a sociedade e que têm os efeitos da divisão e coesão", explica Felipe Nunes, que é estrategista digital e cientista político. O consultor de comunicação digital Iago Bolívar complementa: "essa postura mantém o presidente no centro do debate, como o principal tema durante a pandemia, e com a base agindo em favor dele".
Felipe Nunes e Iago Bolívar participaram na tarde dessa quarta-feira (15/4) do webinar do JOTA realizado diariamente com autoridades dos Três Poderes e especialistas para discutir os impactos da crise do coronavírus na política, na economia e nas instituições.
"Estamos vendo agora a continuação da estratégia de 'morde e assopra', da radicalização seguida de moderação, que traz engajamento nas redes", diz Nunes, que é diretor da Quaest Consultoria e Pesquisa. "É um processo contínuo, mas a diferença agora é que o presidente está um pouco mais enfraquecido porque a realidade dos fatos se impõe à narrativa que ele coloca", afirma. "O presidente tem uma base política menor em relação ao começo da pandemia, mas segue com um contingente grande nas redes sociais".
Manter as bases sólidas foi a estratégia adotada por Bolsonaro desde o começo da crise do coronavírus. "O presidente Jair Bolsonaro optou por ativar ainda mais as redes na crise no lugar de uma postura de união, que o colocaria dentro de uma moldura institucional e desmobilizaria suas bases", avalia Bolívar. "Bolsonaro precisa buscar o paroxismo porque não tem outros meios institucionais de ação".
No pronunciamento em rede nacional feito no dia 24 de março, o presidente Jair Bolsonaro se referiu à Covid-19 como uma "gripezinha" e um "resfriadinho", chegando a classificar como histeria as medidas para conter sua disseminação. Uma semana depois, em novo pronunciamento, o mote foi o uso da cloroquina no tratamento da doença.
"No começo, quando se adotou o discurso da escolha entre economia e saúde, a popularidade de Bolsonaro nas redes começou a cair e essa queda foi estancada com a cloroquina", lembra Nunes. "A narrativa da cloroquina trouxe mais coesão à base de Bolsonaro".
Para Iago Bolívar, Bolsonaro viu que podia surfar na onda da cloroquina ao perceber o tamanho da mobilização antes de um pronunciamento do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em que se cogitou o anúncio da cura da Covid-19.
Na ocasião, no dia 19 de março, houve somente o pedido de Trump para que a entidade reguladora de medicamentos nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), acelerasse o processo de aprovação de remédios com potencial de eficácia no tratamento no combate ao coronavírus. Entre eles, a cloroquina. Bolívar diz que "Bolsonaro se apropriou dessa movimentação e a transformou em uma onda maior, com mobilizações constantes nas redes".
As análises - que levam em consideração perfis com comportamento diferente do desvio padrão - da Quaest Consultoria e Pesquisa apontam que os perfis comandados por robôs representam entre 20% e 25% do total da base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro nas redes. "Esses dados são importantes porque muitas vezes os robôs são colocados no discurso político para não se aceitar a força e o tamanho dessa agenda política de valores e costumes que cresceu a partir de 2016".
Nunes avalia que os robôs são importantes para influenciar os algoritmos das redes sociais. "Os algoritmos das redes sociais são hedonistas, mostram ao usuário o que ele gosta mais. E a maneira de deixar esses assuntos que o usuário gosta no ar, é fazer com que os robôs repliquem esses temas", afirma.
Para Iago Bolívar, os robôs "servem para amplificar o engajamento orgânico que apoia o presidente Jair Bolsonaro".
De acordo com Felipe Nunes, essa amplificação ocorre principalmente em duas frentes: "foi por meio da igreja e dos laços familiares que a mensagem bolsonarista ganhou amplificação".
Fora da base de apoio ao governo federal, a mobilização nas redes ocorre de forma menos coordenada e sem o engajamento necessário para ter eco.
"Se a oposição quiser ter visibilidade, precisa montar um gabinete em algum estado e mostrar que pode ser efetiva em ações que se contrapõem ao governo federal", destaca Felipe Nunes.
No caso do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a avaliação do cientista político é a de que o deputado "fala nas redes, mas não interage, tem um discurso muito passivo".
Passividade maior ainda se encontra na postura do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), que não faz nenhum post desde o dia 11 de abril. "A falta de mobilização do ministro nas redes sociais faz com que seu discurso seja desconstruído", diz o consultor de comunicação digital Iago Bolívar. "Não é possível uma liderança política abdicar da construção do discurso na mobilização das redes".
A conversa com Felipe Nunes e Iago Bolívar fez parte da série de webinars diários que o JOTA está realizando, durante a pandemia da Covid-19, para discutir os efeitos na política, na economia e nas instituições. Todos os dias, tomadores de decisão e especialistas são convidados a refletir sobre algum aspecto da crise.
Nesta quinta-feira (16/4) o convidado do webinar do JOTA será o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida. Ele vai falar sobre as projeções de crescimento com a crise, além dos efeitos na economia da transferência de R$ 600 para parte da população e da liberação de saque de uma cota do FGTS. O webinar com o secretário será às 16 horas e terá transmissão pelo nosso canal no
YouTube.
Entre os convidados que já participaram do webinar estão o presidente do STF, Dias Toffoli, o ministro Gilmar Mendes, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, a presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS); o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Fausto Pinato (PP-SP); o economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa; além de representantes de instituições como a Frente Nacional de Prefeitos, a Confederação Nacional das Indústrias e a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho.
Érico Oyama - Repórter