Apesar de ser considerada um dos pontos positivos da Medida Provisória (MP) 927/2020, que estabelece medidas trabalhistas para o enfrentamento à crise da covid-19, a possibilidade de antecipação de feriados, prevista no artigo 13 da MP, traz uma lacuna ao não detalhar quais datas comemorativas podem ser antecipadas.
Com isso, segundo profissionais do Direito do Trabalho, o dispositivo pode gerar uma discussão futura: seria possível, com base na MP, a antecipação de feriados posteriores ao estado de calamidade pública no país? Feriados de 2021, por exemplo, estão abarcados pela medida?
"O que se discute é até que ponto é possível fazer essa antecipação. Posso deixar os trabalhadores sem feriados nos próximos 10 anos?", sintetiza Guilherme Feliciano, juiz trabalhista e ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
A MP, que também regulamenta o teletrabalho e a antecipação de férias por conta do coronavírus, estabelece que um empregador que for obrigado a fechar seu estabelecimento por algumas semanas pode fazer com que os seus funcionários trabalhem nos próximos feriados até que a carga horária correspondente esteja compensada. A norma, porém, faz uma ressalva: o aproveitamento de feriados religiosos só poderá ser feito com a concordância do empregado, e deverá constar em acordo individual escrito.
Com a MP uma empresa pode fechar acordo para que o empregado trabalhe no feriado do dia 7 de setembro, por exemplo, para compensar as horas não trabalhadas anteriormente por causa da pandemia. Com isso, os empregados não trabalham menos por causa da pandemia e, ao mesmo tempo, a empresa não precisa dispensar os trabalhadores por causa da covid-19.
Indefinição sobre datas
Apesar de a MP deixar claro que o acordo com o empregado só pode ser feito durante o estado de calamidade, não há definição sobre as datas dos feriados que podem ser antecipados. Com isso, segundo especialistas, uma empresa poderia, em tese, antecipar um feriado de 2021 ainda durante o estado de calamidade pública, previsto por decreto até o dia 31 de dezembro deste ano.
"A MP foi genérica. O texto fala em antecipação de feriado, mas não se são feriados deste ano. Isso fica aberto. A possibilidade de utilizar a compensação de feriados é somente durante a calamidade pública, mas puxar feriados de outros anos é um tema aberto", afirma o juiz trabalhista Marcos Scalercio.
Para ele, essa falta de esclarecimento dependerá do princípio da razoabilidade e de um "bom senso" das partes durante a negociação do acordo, que é feito de forma individual e sem a participação de sindicatos.
"Poderia ser questionado na Justiça do Trabalho uma hipótese em que o empregado não concorde com o acordo. No mundo real, contudo, o empregado que não aceitar o acordo corre o risco de ser dispensado. Quem quer correr esse risco? É uma situação muito delicada para o trabalhador", afirma o juiz trabalhista.
Ele menciona que é uma situação única no Direito Trabalhista e que também será sensível para as empresas. "As companhias que não precisam desse tipo de artifício podem aproveitar a oportunidade e usar essa saída prevista na MP. Essa medida não pode gerar excesso de benefícios nem para o empregado e nem para o empregador",afirma.
Por outro lado, Scalercio afirma que a antecipação de feriados pode ser útil principalmente para pequenas empresas, sem fôlego de caixa e com maior risco de falência. Para Guilherme Feliciano, juiz trabalhista e ex-presidente da Anamatra, a antecipação de feriados foi uma das "boas ideias" da MP 927.
Segundo Feliciano, não há prejuízo para a empresa. Ao mesmo tempo, o empregado tem uma maior segurança de preservação de emprego. "O que se discute é até que ponto pode fazer essa antecipação. Posso deixar os trabalhadores sem feriados nos próximos 10 anos? No meu entendimento, os limites das antecipações são os limites do estado de calamidade pública", afirma.
Para Marcelo Faria, do TozziniFreire Advogados, o objetivo da MP 927 é a busca da garantia do emprego, da renda do empregado e da sustentabilidade das empresas, além de simplificar procedimentos que em "outros períodos exigiriam maiores formalidades e prazos".
"Nessa equação, a possibilidade de antecipar feriados é positiva, uma vez que resguarda o empregado de uma eventual exposição ao coronavírus, nesse momento em que o distanciamento social é recomendado pelas autoridades", afirma o advogado.
Segundo Faria, ultrapassado o momento de lockdown, a empresa poderá contar com o desempenho do empregado em um eventual momento de retomada regular da atividade econômica, maximizando a quantidade de dias de trabalho. "O empregado, por sua vez, poderá utilizar a antecipação de feriados para a adequação de eventual banco de horas", afirma.