Como o leitor certamente já está ciente - e, principalmente, vivencia - , a emergência de saúde pública sem precedentes que tem desafiado o Brasil e o mundo por conta da pandemia do novo coronavírus (covid-19), vem produzindo resultados catastróficos no campo econômico, exigindo do Governo Federal a adoção de providências no plano das relações empresariais-trabalhistas (art. 22, I, CRFB), especificamente para garantir a manutenção das atividades econômicas empresariais e da renda e do emprego de milhares de brasileiros que tiveram seus meios de sobrevivência drasticamente afetados pela redução da atividade econômica e produtiva.
Inclusive, o diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de 2020, classificou a atual situação internacional como uma pandemia, enquadrando o Covid-19 como hipótese de "emergência de saúde pública internacional de importância internacional", embasando o estado de emergência em curso. Recomendações temporárias da OMS, voltadas a reduzir a propagação do vírus, passaram, portanto, a assumir um papel primordial na formulação de uma estratégia global eficiente para o combate ao Covid-19.
A OIT, recentemente, veiculou orientação na qual reconhece que todas as empresas, independentemente de seu porte, mas particularmente as pequenas e médias empresas, estão enfrentando sérios desafios para sobreviverem, havendo perspectivas reais de declínio significativo nas receitas, insolvência e redução do nível de emprego.
Nesse sentido, o Governo Federal vem editando diversas Medidas Provisórias (MP), para tentar conter o impacto do vírus nas relações econômicas, principalmente no âmbito de trabalho. Não por outra razão foi editada a MP 927, de 22de março de 2020, que reconheceu o estado de calamidade pública e emergência de saúde pública de importância internacional, assentando que, para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas: (i) o teletrabalho; (ii) a antecipação de férias individuais; (iii) a concessão de férias coletivas; (iv) o aproveitamento e a antecipação de feriados; (v) o banco de horas; (vi) a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; (vii) o direcionamento do trabalhador para qualificação; e (viii) o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS.
Importante frisar que, o Governo Federal revogou o artigo 18 da respectiva MP, através da
MP 928, de março de 2020, que tratava da suspensão do contrato de trabalho e direcionamento do empregado para o programa de qualificação profissional. Tal dispositivo suprimia a necessidade de outorga em instrumento coletivo, já que a legislação trabalhista contemplava esta possibilidade, mas dependendo de ajuste em convenção ou acordo coletivo de trabalho, conforme preconiza o art. 476-A da CLT, observada, atualmente, a nova regra do art. 17, I, da MP 936.
O ponto polêmico na MP 927 encontra-se no art. 2º, que limitando a eficácia para enquanto durar o estado de calamidade, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.
O STF, na medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6342, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), contra dispositivos da Medida MP 927, através do Ministro Marco Aurélio, decidiu, monocraticamente, que o Presidente da República, nesta época de crise, poderá atuar, provisoriamente através da edição de MPs, no campo trabalhista e da saúde no trabalho, ficando tal ato submetido ao crivo do Congresso Nacional. Entendeu o Ministro que, o art. 2º da MP 927 não é inconstitucional, já que voltado à preservação do liame empregatício, devendo a liberdade do prestador de serviços, hoje em xeque pelo impacto do vírus, ser preservada quando o próprio sustento sofre risco, desde que não coloque em segundo plano as garantias constitucionais. O Plenário do STF deliberará futuramente sobre a questão.
A Medida Provisória 936, de 01 de abril de 2020, instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispôs sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo decreto legislativo 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, de que trata a lei 13.979, de 06 de fevereiro de 2020.
Os seus objetivos vêm descritos logo no art. 2º, quais sejam: i) preservar o emprego e a renda; ii) viabilizar a atividade econômica, diante da diminuição de atividades e; iii) reduzir o impacto social em razão das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.
As medidas adotadas pela MP 936, criticadas pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA, tratam, em sua essência, acerca da possibilidade de: (i) redução proporcional da jornada de trabalho e de salário; e (ii) suspensão temporária do contrato de trabalho, ambas, a princípio, por acordo individual escrito entre empregado e empregador.