Integrantes do Judiciário, Promotoria e advocacia discutem suspender prazos prescricionais e retomar audiências online.
Flávio Ferreira
são paulo
A suspensão de audiências em razão da pande mia levou integrantes do Judiciário, do Ministério Público e da advocacia a temer prescrições e grandes atrasos nos processos e a trabalhar por novas soluções caso a medida se prolongue por meses.
O receio maior é em relação aos prazos prescricionais nas causas cri mina is q ue têm penas baixas, mas grande repercussão social, como as relativas a violência contra a mulher, e demora excessiva nas ações trabalhistas, que dependem da audiência presencial para serem concluídas.
O Ministério Público de São Paulo elabora proposta de projeto de lei para suspender os prazos prescricionais em situações de calamidade pública.
O assunto trouxe preocupação ao TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que estuda a adaptação de sistema de videoconferência usado para advogados despacharem com os juizes de modo a ser usado em audiências para ouvir testemunhas e aspartes das causas.
Diante da pandemia, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão da cúpula do Judiciário brasileiro, colocou à disposição dos tribunais na semana passada plataforma digital pa ra a realização de audiências.
O CNJ determinou que os tribunais suspendessem audiências presenciais até 30 de abril, mas há o temor de que agravamento da crise leve o órgão estender a medida por meses.
A juíza Tatiane Moreira Lima, que trabalha em vara especializada em violência doméstica em São Paulo, diz que o processo trava quando não é possível realizar audiência. " Tivemos q ue redesignar inúmeras audiências, e o prejuízo já é bastante significativo porque casos que seriam julgados agora estão sendo colocados lá para o fim do ano. Em breve, em muitas varas, começará a agenda para 2021", diz.
Segundo a juíza, "nos casos em que há crimes cujas penas são muito pequenas, como ameaça, numa vara de violência doméstica, há sempre o risco de prescrição".
O juiz Fábio Munhoz Soares, da 17ª Vara Criminal da capital, diz que, se a crise piorar, pode ria ser montada uma plataforma ou sistema com uso da ferramenta de videochamada do WhatsApp em atos do processo comas vítimas, seus advogados e promotores. "Esse seria o quadro para tentar não chegar ao pior cenário possível."
Chefe do Ministério Público estadual de São Paulo, o procurador-geral de Justiça Gianpaolo Smanio é favorável à realização de audiências por videoconferência e diz que a instituição já tem estrutura para realizar o trabalho online.
"Vamos precisar avançar com a tecnologia para fazer as audiências", diz.
Em relação ao risco de prescrições, Smanio diz que o Ministério Público enviou na semana passada proposta de projeto de lei ao deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP) para incluir no artigo 116 do Código Penal a previsão de suspensão dos prazos prescricionais na área penal durante situações de calamidade pública.
Segundo o texto, "é sabido que, nos períodos de calamidade pública de ordem nacional, o Estado deve assegurara proteção dos mais vulneráveis, priorizando medidas de assistência. Essa concentração de esforços deve ser compensada com a suspensão do curso do prazo prescricional, preservando o seu direito de punir".
"Assim agindo, o Parlamento, sem excessos, preserva o direito de o Estado punir lesões e perigos de lesões a bens jurídicos indispensáveis à harmônica convivência humana em momentos de absoluta excepcionalidade", diz o texto.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, o tema está em discussão. Segundo nota enviada à Folha pelo juiz Fernando Antonio Tasso, do gabinete civil do TJ-SR ''estuda-se utilizar meios alternativos de realização dos atos processuais, como as teleaudiências, para que a suspensão seja, ao final, afastada".
Para ele, ''a audiência é ato processual imprescindível, sobretudo nas esferas criminal e infracional. Portanto, sua suspensão por muito tempo prejudica o alcance do ato final do processo que é a sentença".
"A teleaudiència é uma ferramenta que já foi regulamentada pela Corregedoria de Justiça no ano de 2019 e sua utilização em larga escala pode trazer a solução neste momento de excepcional gravidade."
O criminalista Leandro Sarcedo, presidente da comissão de direitos e prerrogativas da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, diz que a classe dos advogados já debate o tema. "Com relação à paralisação, o temor da advocacia é que isso gere efeito dominó nas pautas do Poder Judiciário e leve muito tempo para ser regularizado. Há plataformas digitais que estão sendo desenvolvidas e podem ser usadas neste período", diz.
"Mas nossa preocupação é que a administração da Justiça, principalmente a criminal, não tome esse tempo de exceção como regra, porque o contato pessoal do réu com o juiz é insubstituível", diz Sarcedo.
A juíza do trabalho Patrícia Ramos, da 69ª Vara Trabalhista de São Paulo, diz que há juizes que já usaram o WhatsApp para realizar acordos entre as partes, e soluções como essa podem ser empregadas. "Vamos ter que usara criatividade para que os processos andem."
Ronaldo Callado, juiz da 38ª Vara Trabalhista do Rio de Janeiro, diz que em alguns tipos de casos são dispensáveis as audiências com a presença das partes, advogados e testemunhas, por envolverem assuntos incontroversos. Por exemplo, quando a empresa admite que não pagou nada ao funcionário demitido por não ter condições financeiras.
Para ele, seria necessário encontrar forma legal para autorizar a dispensa de realização de audiência nesses casos.
O advogado trabalhista Dario Abrahão Rabay, sócio do escritório Mattos Filho, diz que até mesmo em condições específicas as audiências presenciais poderiam ser experimentadas. "Há caminhos para tentar fazer audiências presenciais, na medida em que as partes concordem com isso e se houver situação em que você tenha a possibilidade de fazer testes mostrando que a pessoa não está contaminada ou que já está imune, por exemplo", afirma Rabay.
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Entenda a suspensão de prazos judiciais
Qual foi a decisão do CNJ?
O Conselho Nacional de Justiça determinou no dia 19 de março a suspensão de todos os prazos processuais do país e a criação de sistema de plantão judiciário pelo menos até 30 de abril.
O que significa a suspensão dos prazos? Os prazos dos processos judiciais deixam decorrer. Quando os prazos forem retomados, eles voltam a contar de onde pararam.
Os prazos foram zerados?
Não, isso aconteceria caso tivesse sido determinada a interrupção dos prazos, oque não ocorreu.
Por quanto tempo os prazos estão suspensos?
Da data de publicação da resolução, em 19 de março, até 30 de abril. A depender da avaliação nacional diante da pandemia, a medida poderá ser prorrogada.
A decisão vale para processos eletrônicos?
Sim, a suspensão vale tanto para processos físicos como eletrônicos
Os prazos de todos os processos estão suspensos?
Não. Continuam valendo para processos de natureza urgente e que envolvam a preservação de direitos, como concessão de habeas corpus, guarda de menores de idade, prisão domiciliar e invasões de propriedade.
Como se define a natureza urgente de um processo?
A decisão caberá a cada juiz. Segundo a presidente da Anamatra, Noemia Porto, que integrou o comitê, adotou-se um conceito amplo, pois seria muito difícil para oCNJ antever todas as medidas concretas que poderíam ser considerados urgentes. Segundo Renata Gil Videira, presidente da AMB, situações envolvendo a crise do coronavírus poderão ser consideradas de caráter urgente, oque pode incluir desde questões trabalhistas até transporte de pessoas. Ela deu como exemplo a colação de grau antecipada concedida a alunos do sexto ano de medicina no Piauí para que possam participar do edital do programa Mais Médicos.
A que órgãos se aplica a determinação?
A todo o Poder Judiciário.
As únicas exceções são o STF (Supremo Tribunal Federal) e a Justiça Eleitoral, que têm resoluções próprias.
Com a suspensão, os processos ficam parados?
Magistrados e servidores continuarão trabalhando em regime de plantão. 0 que fica paralisado são as datas para que as partescomo defesas ou Ministério Público- recorram de uma decisão ou apresentem uma manifestação, por exemplo. Mas, como os prazos para as partes do processo deixam de contar, a tendência é que os processos parem em algum momento.
Caso um juiz decida, por exemplo, que uma empresa deve indenizar um funcionário, o prazo para que esse pagamento ocorra - salvo se o caso for considerado de natureza urgente- só passa a correr quando os prazos forem retomados. Portanto, enquanto a empresa não realizar o pagamento, este processo ficará parado, apesar da decisão do juiz.
Por que os prazos de processos eletrônicos foram suspensos?
O comitê do CNJ avaliou que, com as medidas tomadas em diferentes estados para evitar deslocamento da população, o próprio contato entre partes e advogados para o devido andamento do processo estaria prejudicado. Inicialmente a posição do presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, era que apenas processos físicos deve riam ter seus prazos suspensos. Após debate entre os presidentes das OABs estaduais, houve entendimento de que seria melhor suspender os prazos de todos os processos. Segundo Noemia Porto, não se sabe se os sistemas teriam condições técnicas de operar normalmente com todos trabalhando remotamente. "Já temos sistemas instáveis, não sabemos como vai ser a manutenção quando todos trabalham remotamente, nunca experimentamos isso antes", disse.
Os prazos de prescrição também estão suspensos?
Os prazos prescricionais, levados em conta para que uma acusação caduque, também ficam suspensos. Mas a resolução não menciona esses prazos especificamente. Para o presidente da Ajufe, Fernando Mendes, que também integrou o comitê, eles não estão suspensos. Já a presidente da AMB, Renata Gil, tem o entendimento de que os prazos de prescrição também estão suspensos.