Empresas devem tomar cuidado com a forma como o acordo é feito e as regras para compensação Crédito: Camila Domingues/ Palácio Piratini
A Medida Provisória (MP) 927/2020, que causou polêmica ao prever a suspensão dos contratos de trabalho, trouxe outra importante alteração na gestão do banco de horas dos funcionários. A norma instituiu que, por meio de negociações individuais, seja estipulada a possibilidade de os funcionários acumularem horas durante períodos de inatividade da companhia, para futura compensação.
Especialistas, porém, recomendam cautela com a MP, que ainda precisa passar pelo Congresso. A forma como o acordo individual com o empregado é feito e as regras para a utilização das horas extras acumuladas, por exemplo, são pontos que exigem atenção.
A MP estabelece que, no caso de interrupção das atividades pelo empregador, a compensação da jornada de trabalho por meio de banco de horas pode ser feita por meio de acordo individual. O mecanismo pode ser utilizado quando a empresa precisa interromper ou reduzir as horas de trabalho e depois prorrogar a jornada do trabalhador para compensar as horas não trabalhadas. Assim, quando a situação é regularizada, o empregador não precisa pagar por horas extras, e os funcionários, por outro lado, não são demitidos e podem ficar afastados do trabalho.
Qualquer setor da economia pode utilizar o banco de horas. Indústria, comércio, serviços. Não há restrição. A compensação funciona quando, por exemplo, uma empresa fica fechada por três semanas devido ao coronavírus. São 132 horas que os trabalhadores em casa estão devendo. Essas horas serão devolvidas para a empresa com o limite de dez horas de trabalho por dia, até que as 132 horas sejam alcançadas, explica Guilherme Feliciano, ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e professor da Universidade de São Paulo (USP).
Outra inovação da MP diz respeito ao prazo para a compensação das horas extras acumuladas após o fim do estado de calamidade pública. Com a alteração o período passou de seis para 18 meses para a compensação do banco de horas a favor ou em desfavor ao empregado, ou seja, tanto para o caso de horas de trabalho devidas quanto acumuladas.
Sem a MP, o acordo individual era permitido para o período de até seis meses. Após esse tempo, seria necessário que as empresas fizessem um acordo coletivo com sindicatos.
Para Nelson Mannrich, sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados, a MP permite que o empregador, principalmente donos de pequenos negócios com grande risco de falência, tome decisões com mais agilidade, evitando que a empresa seja prejudicada. Para ele, a convocação dos sindicatos em um momento de calamidade pública poderia deixar o processo de compensação do banco de horas mais lento.
Vício de consentimento
Para os estudiosos do Direito do Trabalho, o artigo 14 da MP, que prevê a possibilidade de acordo individual para a compensação do banco de horas, pode gerar judicialização. É preciso, segundo eles, que as empresas fiquem atentas à forma como são feitos os acordos e às regras para a compensação posterior pelos funcionários.
Segundo Leone Pereira, advogado trabalhista e professor do Damásio Educacional, os questionamentos podem surgir na Justiça após o período de calamidade pública por ambas as partes envolvidas no acordo de compensação de banco de horas.
Por um lado, o advogado do empregado pode afirmar, por exemplo, que o acordo tinha um vício de consentimento, pois foi feito no cenário de calamidade como única alternativa para garantir o emprego , afirma Pereira.
O empregador, por outro lado, pode dizer que o empregado aceitou o cumprimento da MP, que era a lei do momento no ordenamento jurídico, conclui o advogado. A empresa pode ir à Justiça se, por exemplo, o funcionário negar cumprir as horas extras mesmo com o acordo individual assinado. Para ele, o trecho da Medida Provisória reforça o entendimento da reforma trabalhista, aprovada no mandato de ex-presidente Michel Temer, de que o acordo individual deve ser priorizado.
Já Mannrich acredita que não haveria margem para que a MP fosse contestada no Judiciário. Ele acrescenta que a Constituição Federal obriga o uso do acordo coletivo em redução de salário dos empregados e necessidade de trabalho em turnos ininterruptos
A MP quebra paradigmas que estávamos acostumados. É uma forma de preservar o emprego. É sempre difícil encontrar um equilíbrio entre empregado e empregador. Na minha opinião, não há um problema constitucional, explica o advogado.
Acordos virtuais
Juízes trabalhistas entrevistados pelo JOTA afirmam que as chances de judicialização são grandes. Para Guilherme Feliciano, a reforma trabalhista permitiu, de forma duvidosa, a possibilidade do acordo individual.
A MP vai resgatar a mesma discussão. Já há decisões de juízes que afastam essa possibilidade [de acordo individual]. As garantias fundamentais da Constituição Federal servem em qualquer situação especial, afirma o magistrado.
Para ele, uma solução seria acordos coletivos com sindicatos por meio virtual. Os sindicatos devem ser criativos. Poucos recorrem às assembleias virtuais. É preciso buscar alternativas. Caso o sindicato ou a empresa não queiram negociar dessa maneira, há a Justiça do Trabalho para resolver, explica Feliciano.
O juiz destaca que a compensação do banco de horas, que deve ser feita em até 18 meses, é limitada a duas horas adicionais além do horário normal de trabalho do empregado. Entretanto, a empresa que decidirá como essas horas serão distribuídas ao longo dos 18 meses. Com isso, o empregador pode decidir se o trabalhador vai compensar uma ou duas hora todos os dias, os dias da semana e todos os outros detalhes do banco de horas.
Para André Dorster, juiz do trabalho e professor do Curso ProMagis, a falta de observação das exigências do acordo individual e o desrespeito ao limite de horas extras que podem ser compensadas por dia também podem gerar discussões na Justiça do Trabalho. O acordo individual, por exemplo, precisa ser escrito, afirma.
Alexandre Leoratti