Dos 104 processos de grande interesse da indústria que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, pautou para o primeiro semestre 14 deles. O levantamento foi feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), com base nos processos que a entidade acompanha desde o início do ano passado.
As ações de interesse do setor industrial têm temáticas distintas, mas se concentram basicamente em dois eixos: tributário e trabalhista. Além disso, há outras com menor volume, como discussões ambientais.
No total, são três ações diretas de inconstitucionalidade em que a CNI é a autora, quatro casos em que participa como amicus curiae e outros sete, como observadora, ou seja, em que não é parte, mas acompanha de perto o caso.
Há ações mais locais, como a ADI que trata da cobrança pelo uso de recursos hídricos no Rio de Janeiro ? e que está prevista para ser julgada no plenário virtual dos dias 7 ao dia 13 de fevereiro ? e outra que discute o crédito de ICMS em Mato Grosso.
Há, na lista, também, casos de alcance mais amplo, como a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins ? o processo, considerado o caso tributário da década, tem impacto previsto de R$ 45,8 bilhões em um ano e R$ 229 bilhões em 5 anos, segundo dados da LDO de 2020 ? e as discussões sobre os pilares da reforma trabalhista. Os processos discutem, por exemplo, a validade do acordado sobre o legislado, do trabalho intermitente e do tabelamento do dano moral.
Particularmente, vejo o número de quase 15% como expressivo. Se no segundo semestre isso for replicado, é um dado extraordinário, avalia o superintendente jurídico da CNI, Cássio Borges. Toffoli foi o primeiro presidente a divulgar a pauta do semestre antecipadamente. Antes dele, não havia tal prática e esta é apenas a segunda vez em que o STF dá tal antecedência à previsão de julgamentos do plenário.
Para Borges, ainda, a parte da pauta que interessa à CNI mostra afinidade com o próprio presidente da Corte. A definição da agenda pode indicar uma influência efetiva na pauta. E, por mais que se diga que não, que não há como medir, pelo menos é evidente que a nossa visão de importância se assemelha à do STF, pontuou.
No último ano judiciário, o STF pautou número semelhante de ações, mas ao longo de todo o ano. Em 2019, da lista de 104 ações, 15 foram julgadas. Destas, 12 já transitaram em julgado e três ainda seguem pendentes de conclusão.
A política da CNI é de não entrar em debates que provocam controvérsia entre setores. Para que a entidade ajuíze uma ação ou peça ingresso como amicus curiae, é preciso que tenha sido provocada por uma ou mais federações locais. A proposta de ação precisa ser aprovada pela diretoria colegiada, em que as federações têm assento. Isso significa que as indústrias locais aprovam a atuação no STF. Nas ações em que está como observadora, o trabalho é do jurídico da CNI.
Em alguns casos, há transversalidade de interesses com outros setores da economia, como o do tabelamento do frete, resultado da greve dos caminhoneiros de 2018 em que a CNI é requerente em uma das ações sobre o tema e de interesse também da agricultura, por exemplo. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Associação do Transporte Rodoviário de Cargas do Brasil (ATR Brasil) são as autoras de outras ações que a entidade das indústrias acompanha. Todas apontam desrespeito aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.
Quatro das ações são diretamente ligadas ao Direito do Trabalho ou à reforma trabalhista e mexem com um universo importante de empregadores, trabalhadores, direitos, segurança jurídica: a prevalência do acordado sobre o legislado, a responsabilidade objetiva no acidente de trabalho em atividades de risco, o trabalho intermitente e a tarifação da indenização de dano moral também estão na pauta.
O caso tributário da década, o do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, está na pauta do dia 1° de abril. A CNI vai também contribuir, inclusive conversando com o ministro Toffoli.
Temos também a recomendação que a gente elabore estudos, não só à relatora, mas a todos os gabinetes, em que a gente busque evidenciar que o embargos de declaração não devem ser conhecidos ou providos, sob pena de desvirtuar o próprio julgamento do STF, que é a exclusão do ICMS. Se isso vier a prevalecer, a gente entende que no futuro a exclusão não vai ser efetivamente cumprida porque sempre vai ter parcela sendo computada no cálculo do PIS e Cofins, aponta Cássio Borges.
Ainda que a CNI seja a identidade com representação nacional, as federações locais também mantém acompanhamento próprio. A preocupação da Confederação Nacional da Indústria é a nossa também. Mas algumas que consideramos mais estratégicas ou que temos demanda direta dos filiados aqui de São Paulo, acabamos entrando como amicus, por exemplo, explica a diretora jurídica da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Luciana Freire.
As duas ações mais recentes em que a entidade ingressou com pedido de participação tratam da MP 905, do Contrato Verde e Amarelo. Os pedidos ainda aguardam pelo deferimento. A indústria defende a possibilidade de trabalho aos domingos e vários setores não têm permissão. Isso geraria empregos para a indústria aqui, fomentaria o trabalho para a juventude, argumenta Freire.
No caso do tabelamento do frete, a Fiesp também é amiga da Corte, mas na ação ajuizada pela CNA. Sobre os interesses do agronegócio em consonância com os da indústria, a entidade paulista também está atenta ao caso dos agrotóxicos. A ADI 5553, apresentada pelo PSOL contra a concessão de isenções tributárias aos defensivos agrícolas tem análise prevista para 19 de fevereiro.
Temos muito interesse no processo. O setor é muito representativo na Fiesp, disse a diretora jurídica. A Fiesp ingressou com mais de 15 pedidos de amicus curiae, sendo que 13 já foram aceitos. Dentre eles, estamos na ação que discute a MP da Liberdade Econômica, por exemplo. Entendemos que não há inconstitucionalidade porque temos que defender a liberdade de empreender, a livre iniciativa. Qualquer tipo de iniciativa que limite esse princípio ou que atrapalhe a atividade empresarial, a Fiesp tem que se manifestar.
Ao anunciar que daria divulgação à pauta com antecedência, Toffoli afirmou que buscava dar previsibilidade ao STF e permitir que tanto as partes como a sociedade se organizassem para debater a questão.
O plano da indústria é justamente esse: trabalhar fortemente para agendar as visitas aos gabinetes da Corte, apresentar memoriais aos ministros, produzir levantamentos de repercussão econômica e financeira e preparar sustentações orais para os casos em que atua diretamente.
A previsão de julgamentos organizada pelo presidente dificilmente irá se cumprida por completo, o que já não ocorreu no ano passado. Isto porque alguns julgamentos tomam mais tempo do que a única sessão prevista, enquanto outros se sobrepõem e furam a fila pela urgência do tema.
Confira as ações de interesse da indústria pautadas para o primeiro semestre do STF:
5 de fevereiro
ADPF 109 ? Uso do amianto
Relator: ministro Luiz Edson Fachin
Impacto: Depois do julgamento de 2017, o setor entrou com embargos para entender se a decisão que proibiu o amianto é válida para todo o Brasil ou apenas para os três estados que têm leis próprias. Isso porque o Supremo julgou ações diretas de inconstitucionalidade que questionavam leis locais, mas fez uma declaração incidental afirmando a inconstitucionalidade da lei federal sobre o minério que impunha restrições a ele, mas não o proibia.
6 de fevereiro
RE 759.244 ? Contribuições sociais e Cide: imunidade nas exportações indiretas
Relator: ministro Luiz Edson Fachin
Impacto: Caso o recurso seja provido, a tributação federal de contribuições sociais nas exportações indiretas (intermediadas por tradings companies) será afastada, com possível devolução dos valores recolhidos a depender dos efeitos retroativos ou prospectivos da decisão. O Brasil, um dos maiores produtores de commodities do mundo, tem sua economia fortemente impactada pelas exportações. Nesse sentido, definir o alcance da imunidade nas exportações possibilitará a delimitação da carga tributária incidente nessas operações. A renúncia estimada ano a ano é a seguinte: 2018: R$ 20,90 milhões; 2017: R$ 17,42 milhões; 2016: R$ 14,52 milhões; 2015: R$ 12,10 milhões; 2014: R$ 10,08 milhões; 2013: R$ 8,32 milhões; 2012: R$ 6,64 milhões; 2011: R$ 5,40 milhões.
19 de fevereiro
ADI 5.964 ? Preço mínimo obrigatório para o frete rodoviário
Relator: ministro Luiz Fux
Impacto: Ajuizada em decorrência da greve dos caminhoneiros de 2018, a ação argumenta que o tabelamento estipulado pela MP 832 representa uma intervenção estatal indevida na ordem econômica. Além disso, diz que instituiu cartelização por lei no setor de transporte de cargas e elimina a possibilidade de competição e eficiência de preços. Caso a ADI seja julgada procedente, será afastado o preço mínimo do frete rodoviário ou, pelo menos, a natureza vinculante, de modo que os valores sirvam somente como referencial para o mercado.
20 de fevereiro
RE 598.468 ? Contribuições e IPI: imunidade de exportação aos optantes do Simples
Relator: ministro Luiz Fux
Impacto: Caso o recurso seja provido, fica reconhecido o direito à imunidade da tributação federal de contribuições sociais e IPI nas exportações feitas por micro e pequenas empresas optantes do Simples, com possível devolução dos valores recolhidos.
7 a 13 de fevereiro
ADI 3.336 ? Cobrança pelo uso de recursos hídricos no Rio de Janeiro
Relator: ministro Dias Toffoli
Impacto: A CNI, que ajuizou a ação, pretende que as decisões sobre a cobrança pelo uso de recursos hídricos passem a ser adotadas por órgão colegiado, com a participação da indústria, e não de forma centralizada pela administração pública estadual. Além disso, que os valores das cobranças sejam proporcionais ao setor e às peculiaridades da respectiva bacia hidrográfica. A lei fluminense fixa o mesmo valor para o uso de todos os rios estaduais e para o rio Paraíba do Sul.
12 de março
RE 828.040 ? Responsabilidade objetiva do empregador por acidente de trabalho
Relator: ministro Alexandre de Moraes
Impacto: O STF decidiu que a responsabilidade do empregador por acidentes de trabalho em acidentes de trabalho é objetiva, ou seja, independente de comprovação de culpa, nos termos do artigo 927 do Código Civil. Falta, no entanto, fixar a tese, que pode pender tanto para os trabalhadores como para os empregadores, a depender do texto definido. A construção da tese é, portanto, ponto crítico: se restringe ou amplia o alcance dessa responsabilidade dos empregadores.
18 de março
ADI 4.623 ? Crédito de ICMS em Mato Grosso
Relatora: ministra Cármen Lúcia
Impacto: A CNI impugnou lei estadual questionando a diferença tributária no crédito do ICMS em função da procedência da mercadoria, o que a entidade aponta como inconstitucional. A indústria afirma que a prática adotada pela lei estadual gera cumulatividade do imposto nas aquisições interestaduais, avançando sobre tema cuja competência é de lei complementar federal, que disciplinou a matéria de modo diverso. Caso a ação seja julgada procedente, o Estado não poderá mais vedar o crédito do diferencial de alíquota nas compras interestaduais para o ativo fixo.
26 de março
RE 654.833 ? Prescrição do dano ambiental
Relator: ministro Alexandre de Moraes
Impacto: As recorrentes afirmam que todo dano deve ser passível de prescrição, pois assim se garante maior segurança jurídica no ordenamento jurídico brasileiro. Os danos não passíveis de prescrição seriam exceções à regra geral, expressamente previstos na legislação, não sendo o caso do dano ambiental.
1° de abril
RE 574.706 ? Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS
Relatora: ministra Cármen Lúcia
Impacto: Tido como o julgamento tributário mais importante do STF, vários setores aguardam a decisão que definirá os limites da tese fixada quando do julgamento. A União entrou com embargos de declaração ao considerar como o ICMS a ser excluído da base de cálculo aquele que foi efetivamente pago, no lugar do destacado e tentar mitigar os efeitos da decisão por meio do pedido de modulação, ou seja, para que os ministros estabeleçam um marco temporal para a validade do julgamento. O processo tem impacto previsto de R$ 45,8 bilhões em um ano e R$ 229 bilhões em 5 anos, segundo dados da LDO de 2020.
14 de abril
RE 593.824 ? ICMS: energia elétrica contratada x efetivamente consumida
Relator: ministro Luiz Edson Fachin
Impacto: Energia elétrica é um dos bens mais essenciais à sociedade. Assim, os julgamentos desses temas garantem a mensuração correta da carga tributária desse bem. O processo envolve um supermercado, que pleiteia o direito de apurar créditos do ICMS sobre gastos com energia elétrica na produção de mercadoria própria, como por exemplo no funcionamento de sua padaria. O recurso conta com 13 estados e o Distrito Federal como amici curiae, além da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia). A apreciação do caso pelo Supremo pode trazer um novo entendimento sobre a aplicação dos créditos para o ICMS, uma vez que a recorrente se enquadraria no conceito de industrialização, para fins tributários.
6 de maio
ARE 1.121.633 ? Validade de norma coletiva de trabalho
Relator: ministro Gilmar Mendes
Impacto: Apesar da ação ser anterior à mudança da CLT, o tema é um dos pilares da reforma trabalhista. Estará em discussão a prevalência do negociado sobre o legislado implementada pela reforma trabalhista (Lei nº 13.467/17). Entidades como a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) defendem que o correto seria que ?as convenções e acordos coletivos de trabalho prevaleçam se houver adequada explicitação de vantagens compensatórias a direitos eventualmente transacionados, sem dar margem à consumação de mera renúncia a direitos individuais, ficando resguardados, em qualquer caso, os direitos indisponíveis e o controle jurisdicional das avenças.? O empresariado, por outro lado, defende a validade das normas coletivas legitimamente negociadas como expressão da autonomia da vontade das partes coletivas e desde que não atinjam aqueles direitos assegurados constitucionalmente.
14 de maio
ADI 5.826 ? Trabalho Intermitente
Relator: ministro Luiz Edson Fachin
Impacto: Outro ponto central para a reforma trabalhista é a discussão da validade do trabalho intermitente. Empregadores argumentam que não há nenhuma inconstitucionalidade nessa forma de trabalho: os direitos continuam sendo respeitados. O fato de ter prestação de serviço não continuada em nada infringiria o direito a férias, 13° salário, tudo que é posto na Constituição. Entidades trabalhistas, ao contrário, apontam para risco de perda de direitos, precarização do trabalho, perda de identificação com uma categoria, de qualidade de vida, desformalização das pessoas.
27 de maio
RE 599.316 ? Créditos de bens destinados ao ativo imobilizado
Relator: ministro Marco Aurélio
Impacto: Trata da limitação temporal para o aproveitamento de créditos do PIS e da Cofins de aquisições de máquinas, equipamentos e outros bens incorporados aos ativos imobilizados adquiridos para utilização na produção de bens destinados à venda. Caso o recurso seja provido, os contribuintes perderão o direito ao aproveitamento integral dos créditos do PIS e da Cofins decorrentes das aquisições de bens para o ativo imobilizado das empresas realizadas até abril de 2004.
4 de junho
ADI 5.870 ? Limitação ao valor do dano moral
Relator: ministro Gilmar Mendes
Impacto: Ajuizada pela Anamatra, discute a limitação ao valor de indenização por dano moral decorrente da relação de trabalho a ser fixado pelos juízes trabalhistas. Os empregadores dizem que os dispositivos questionados trazem segurança jurídica ao conferir maior previsibilidade aos resultados de possíveis reclamações trabalhistas, bem como mitigam eventuais abusos por parte dos juízes. As limitações trazidas pela nova regra coíbem a indústria do dano moral, bem como o voluntarismo judicial na fixação de valores indenizatórios. Do lado oposto, o argumento é de que a possibilidade da tarifação dos danos suprime um importante princípio jurídico que é aquele vinculado à perspectiva de reparação integral dos danos sofridos. Além disso, tarifar os danos extrapatrimoniais com base no valor do salário do ofendido implica inegável discriminação com o trabalhador, sobretudo aquele mais simples.