O fim do Ministério do Trabalho, determinado pelo governo Jair Bolsonaro foi recebido com preocupação por advogados, juízes e procuradores. Eles alertavam para problemas como a precarização da fiscalização, o maior desequilíbrio na relação de trabalho e o retrocesso de direitos conquistados ao longo de décadas. Com a reforma da estrutura administrativa promovida logo no primeiro dia de mandato e aprovada pelo Congresso em maio, 2019 foi o primeiro ano sem Ministério do Trabalho desde a criação da pasta em 1930, por Getúlio Vargas.
Na avaliação do governo, integrar o antigo órgão aos ministérios da Economia, da Justiça e da Cidadania foi um avanço que trouxe modernização e articulação de políticas públicas. Mas há quem veja nos resultados de 2019 a confirmação de previsões negativas feitas por especialistas.
Juíza do trabalho critica fim do ministério
Para Noemia Porto, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), com a extinção do Ministério do Trabalho, o governo não tem mais um órgão central responsável por elaborar uma política pública sistematizada de emprego.
“Empregabilidade não é só criar qualquer posto de trabalho, como o do intermitente ou daquele que abre uma PJ (Pessoa Jurídica) para prestar o mesmo serviço com menos direitos. (O governo) tem que pensar em postos de trabalhos inclusivos, qualificados.”
Noemia Porto, presidente da Anamatra
A juíza afirma que o aumento de pessoas com trabalho informal reflete a falta de estrutura no governo para melhorar o mercado de empregos. Segundo o último levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com dados até novembro, a informalidade continua crescendo e bateu novo recorde, somando 38,8 milhões de pessoas. A pesquisa indica também que existem 11,9 milhões de desocupados no Brasil (11,2%).
Aumento da informalidade é global, diz governo Bruno Dalcolmo está à frente da Secretaria de Trabalho, braço da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, que integra o Ministério da Economia. Ele afirma que o aumento da informalidade se deve a uma mudança estrutural do trabalho que não afeta apenas o Brasil.
“É um desafio que se coloca para o mundo inteiro, em especial para uma economia que vem saindo da pior recessão da sua história. É normal que, num momento de recuperação, a economia informal reaja primeiro. Num segundo momento, as empresas reagem, e acredito que estamos neste momento de virada."
Bruno Dalcolmo, secretário de trabalho do Ministério da Economia.
Na avaliação do secretário, o crescimento de empregos com carteira assinada mostra que a reestruturação ministerial não trouxe prejuízo para o mercado de trabalho. No acumulado do ano, o país registrou a criação de 948.344 vagas com carteira até novembro, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério da Economia.
Fim da autonomia ou modernização? Bruno Dalcolmo nega que o fim do antigo ministério tenha retirado autonomia dos órgãos governamentais responsáveis pela política trabalhista. Na opinião do secretário, a integração entre pastas possibilitou a modernização de processos.
Ele afirma que o antigo Ministério do Trabalho havia se tornado um "ministério cartorial", loteado entre partidos, que gastava tempo e dinheiro demais com registros sindicais e profissionais. "Era o último ministério que rodava 100% no papel, da mesma forma como acontecia desde os anos 1980, com mais de 400 mil processos”.
Segundo Dalcolmo, a modernização da pasta avançou muito graças a uma parceria com a Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, que também é parte do Ministério da Economia.
Ele cita como principal resultado a entrega da carteira de trabalho digital, que passou a substituir o antigo documento físico em setembro de 2019. O secretário afirma que, ainda em 2020, o governo vai utilizar plataformas digitais para fiscalizar o recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), analisar pedidos de seguro-desemprego e intermediar contratação de mão de obra.
Menos fiscalização?
Um dos principais receios de especialistas era que o fim do Ministério do Trabalho significasse uma redução na política de fiscalização. No primeiro Orçamento anual elaborado pelo governo Bolsonaro, aprovado no último dia 17, os recursos previstos para este fim caíram 49% em relação ao ano anterior, para R$ 36 milhões. Segundo a juíza Noemia Porto, a crise econômica não pode justificar cortes nesta área. "Uma coisa é a diminuição da máquina, outra é decidir onde se diminui. Reduzir a fiscalização do trabalho escravo, por exemplo, é flertar com a nossa pior condição."
Ela afirma que as tragédias de Mariana e Brumadinho não foram suficientes para que o governo se sensibilizasse para a necessidade de investir mais em fiscalização. "A gente terminou 2019 sem que nenhuma medida fosse tomada para que isso não voltasse a acontecer."
O governo nega que tenha havido redução na fiscalização. Segundo a Secretaria de Trabalho, foram realizadas 205 mil fiscalizações de janeiro a outubro de 2019, mais do que no ano anterior (199 mil) e que 2017 (189 mil). O secretário Bruno Dalcolmo diz também que o modelo de fiscalização está sendo modernizado para priorizar ações preventivas.
Normas de segurança e saúde no trabalho serão revistas
De acordo com Dalcolmo, o governo pretende terminar em 2020 a revisão das normas regulamentadoras (NRs), que estabelecem regras sobre segurança e saúde no trabalho. A NR-24, que trata de condições de higiene e conforto nos locais de trabalho, foi uma das atualizadas. Com a modificação, empresas com até dez funcionários foram autorizadas a ter apenas um banheiro individual, para uso comum de ambos os sexos, desde que respeitada a intimidade. Antes, eram necessários um masculino e um feminino.
Na opinião do advogado trabalhista Fernando Rogério Peluso, sócio do escritório Peluso, Stupp e Guaritá, a revisão das NRs tem sido positiva, porque simplificou regras que eram confusas e atualizou exigências ultrapassadas. A presidente de Anamatra, Noemia Porto, diz que o afrouxamento das normas abre espaço para mais insegurança e precarização do trabalho.
Novas reformas trabalhistas
O secretário de trabalho afirma que a reforma trabalhista promovida no governo de Michel Temer em 2017 foi importante para trazer segurança jurídica e "coibir a judicialização desnecessária e imprópria que era feita por muitos escritórios de advocacia oportunistas". Ele defende que a legislação seja revisada constantemente com modificações pontuais em vez de grandes reformas. Dalcolmo cita como exemplo a Medida Provisória 905/2019, publicada em novembro, que criou o Programa Verde Amarelo.
Na nova modalidade de emprego, voltada para jovens entre 18 e 29 que ingressam no mercado de trabalho, os patrões deixam de pagar contribuição para o INSS e recolhem menos FGTS. Para compensar o que o governo deixa de arrecadar, a proposta é taxar quem recebe seguro-desemprego em pelo menos 7,5% —ideia que enfrenta resistência no Congresso e pode inviabilizar o programa.
Governo quer fazer reforma sindical
De acordo com o secretário, as mudanças na legislação trabalhista são feitas a partir de estudos técnicos que são realizados principalmente nos quatro grupos de estudos temáticos criados em setembro.
Ele afirma que o governo deve concentrar esforços em 2020 para uma reforma sindical. "O Brasil é um dos poucos países do mundo que controla a criação de sindicato. Talvez tenha sido razoável nos anos 1940. Hoje precisamos praticar liberdade sindical plena, para que haja maior representatividade", declarou.
Filipe Andretta
Do Uol, em São Paulo