Ajufe, Anamatra e AMB dizem que regulamentação é desnecessária; norma deve ser votada no CNJ na próxima sessão Crédito Pixabay
Entidades de juízes deflagraram um movimento para pressionar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a adiar a votação, prevista para a próxima semana, de uma resolução que estabelece regras para uso de redes sociais por magistrados.
Na tentativa de impedir ou ao menos atrasar essa resolução, três associações de magistrados se reuniram com o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli e com o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Aloysio Corrêa da Veiga, relator da proposta de resolução do CNJ, nesta quarta-feira (31/7).
A proposta de resolução do CNJ é fruto de um grupo de trabalho instituído por Toffoli em maio, e que começou a tramitar apenas dez dias depois de virem à tona os primeiros vazamentos de conversas entre o ministro da Justiça Sergio Moro, quando ainda era juiz, e o procurador Deltan Dallagnol. Pelo texto da nova norma, aplicativos de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram, também são consideradas redes sociais, devendo o magistrado respeitar as mesmas regras e vedações previstas para redes sociais públicas.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional dos Magistrados (Anamatra) defendem que não há necessidade de nova regulamentação sobre a matéria, pois regras da Constituição e da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) sobre a conduta da magistrados já seriam suficientes. Mas uma proposta intermediária das entidades é de adiar a votação da norma para que possam propor alterações no texto.
O presidente da Ajufe, o juiz Fernando Marcelo Mendes, disse que já existem regras balizando a conduta e expressão de opiniões públicas por juízes, e que a ação do CNJ e das corregedorias estaduais deve ser apenas quando há excessos nas condutas de magistrados, não preventivas.
São dois dispositivos que já dão instrumentos adequados para que as corregedorias e o próprio CNJ atuassem naquelas situações em que houve algum excesso, ou em que não houve o cumprimento pelo magistrado do seu dever da postura do código de ética da magistratura, para que quando houver algum excesso, o magistrado possa ser apenado, afirmou o presidente da Ajufe.
A proposta de resolução sobre uso de redes sociais por magistrados é um projeto de um grupo de trabalho do CNJ sobre o tema. Uma das recomendações é que magistrados evitem ?expressar opiniões ou compartilhar informações? que possam gerar dúvidas sobre a independência e imparcialidade, ou que visem a autopromoção ou mesmo ?evidenciem populismo judiciário ou anseio de corresponder à opinião pública?.
A resolução pede também que os magistrados evitem entrar em embates ou discussões nas redes sociais, inclusive com a imprensa, ?não devendo responder pessoalmente a eventuais ataques recebidos?. As restrições ainda incluem evitar dar opiniões sobre temas jurídicos concretos ou abstratos que, mesmo que eventualmente, possam ser da atribuição ou competência jurisdicional do magistrado.
A proposta começou a ser analisada pelo plenário do CNJ no dia 25 de junho, última sessão do semestre. Na ocasião, foi aprovada pelo ministro Aloysio Corrêa da Veiga, relator, e pelo conselheiro Valdetário Andrade.
A votação foi suspensa e o caso está na pauta da sessão do dia 6 de agosto. Desde que foi remetida ao plenário, entidades de juízes têm se manifestado contra a resolução.
Tanto a Ajufe quanto a AMB e a Anamatra acreditam que apenas a Loman ou um projeto de lei complementar poderia estabelecer limites e restrições para magistrados se manifestarem nas redes. As entidades pediram a Toffoli e ao relator do caso, Corrêa da Veiga, que caso não seja possível barrar a resolução do CNJ, ao menos seja aberto prazo para que as entidades possam opinar sobre cada um dos artigos da proposta de resolução.
O que talvez fosse um caminho intermediário é que nós tivéssemos algum tempo agora para apresentar sugestões concretas a partir do texto que está em votação. Porque uma coisa é você discutir o tema em tese, outra coisa é a proposta de regulamentação é essa, então a partir do texto que está sendo debatido, que fosse dado um prazo para as associações para que pudéssemos fazer propostas ao texto apresentado, fala o presidente da Ajufe. Por enquanto, o caso segue pautado para a semana que vem.
O presidente da Ajufe disse ainda que há um trabalho das próprias entidades de orientar os magistrados sobre como utilizar redes sociais, e que a resolução do CNJ pode trazer limitações além daquelas que já existem no artigo 95 da Constituição e na Loman.
A gente não desconhece que as redes sociais criaram uma nova forma de comunicação, que afeta a magistratura como afeta toda a sociedade. É importante que os magistrados discutam isso, nos cursos de formação, que esse tema seja de alguma maneira tratado, que isso seja debatido. As associações não se negam e vão fazer esse debate internamente no sentido de orientar, de saber usar esse novo instrumento de comunicação, argumenta Mendes.
A AMB já anunciou, há algumas semanas, que caso a resolução seja aprovada, poderá ajuizar ação no Supremo Tribunal Federal pedindo sua revogação.
Notas técnicas
A Ajufe e a Anamatra divulgaram notas técnicas alegando excessos, inconstitucionalidades e cerceamento a liberdade de expressão no texto da norma.
Em nota técnica (leia a íntegra) divulgada nesta quarta-feira, a Ajufe diz que o CNJ usurpa a competência do Congresso ao definir normas de conduta, e que há proibições e um nítido caráter repressor em alguns artigos da proposta de resolução, pois trazem limitações além das existentes na legislação.
A Ajufe diz que a proposta é desproporcional ao classificar aplicativos de mensagens privadas como redes sociais, relevando-se restrição indevida na intimidade e privacidade dos magistrados, o que viola o artigo 5º, inciso X, da Constituição. Alega ainda que fere os princípios constitucionais de liberdade de expressão e de manifestação.
Evidentemente que o projeto de resolução é inconstitucional, pois se trata de uma norma infraconstitucional (e infralegal) que visa tolher direitos fundamentais assegurados constitucionalmente. Os magistrados são cidadãos antes mesmo de serem magistrados, não podendo lhes ser negado um direito fundamental, argumenta a entidade na nota.
A nota ainda critica a resolução porque ela colocaria no mesmo patamar a manifestação de opinião política e a atividade político-partidária ? vedação prevista na Loman. A liberdade de expressão é um direito fundamental, dotado da máxima efetividade; e a vedação à atividade político-partidária é uma restrição, dotada da mínima efetividade. Assim, uma opinião política não pode ser considerada nada além do mero exercício do direito à liberdade de expressão, eis que seria necessário um salto hermenêutico muito grande para caracterizar opinião política com atividade político-partidária.
A entidade de juízes federais também diz que o projeto de Estatuto da Magistratura citado no artigo 93 da Constituição Federal nunca foi apresentado pelo Supremo Tribunal Federal ? que tem a prerrogativa para apresentar esse projeto de lei complementar. Apenas uma emenda constitucional ou a Lei Complementar mencionada no artigo 93 da Constituição Federal poderiam restringir direitos fundamentais de magistrados, desde que, obviamente, não violem o seu núcleo essencial, sob pena de inconstitucionalidade. O projeto de Resolução, ao ser mais restritivo que a Loman, também se mostra ilegal, ante a violação do princípio da reserva legal, explica a nota.
Já a nota da Anamatra (leia a íntegra) também defende ser desnecessária uma regulamentação além do que já existe na Loman e na Constituição, e alega que há cerceamento ao direito de liberdade de expressão, mas vai além ao destacar o papel das redes sociais na vida dos cidadãos, incluindo os magistrados.
Não se pode esquecer que, atualmente, as mídias possuem uma dimensão central em todos os campos da vida social das pessoas (política, esporte, escola e economia, por exemplo), possibilitando que as informações sejam difundidas de maneira rápida e em tempo real. Trata-se de um novo lugar social de que participam e participarão todos os cidadãos. Assim, ao se tentar estabelecer parâmetros contentores de condutas a priori aos magistrados nesse ambiente, pode-se chegar a consequências para essa classe de difícil análise, já que não se consegue mensurar os efeitos decorrentes do distanciamento entre o comportamento social geral e o do magistrado, diz a nota.
A entidade argumenta ainda que a resolução é muito específica, pautada em comportamentos nas redes sociais que existem hoje, podendo ficar defasada rapidamente. Para a Anamatra, o CNJ também erra ao dar um tratamento mais gravoso aos magistrados, violando o princípio da simetria, porque não existem regras de comportamento em mídias sociais aos membros do Ministério Público.
Em sua nota técnica, Anamatra diz que, caso o CNJ entenda pela necessidade da norma, que ela seja alterada no sentido de apenas orientar os magistrados, e não disciplinar suas condutas nas redes sociais, e cita o modelo do Chile como parâmetro a ser seguido. No modelo do Chile, os regramentos são abstratos, servindo apenas como vetor de orientação ao magistrado. São elementos que orientam (e não disciplinam) o magistrado quanto à utilização das mídias sociais, mas, em momento algum, restringem o direito fundamental de liberdade de expressão e pensamento do magistrado, enquanto cidadão, defende a associação.
Hyndara Freitas