Plenário do Congresso Nacional discutirá novas mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
A diminuição do desemprego e a retomada econômica do País são desafios enxergados pelo Planalto como primordiais. O posicionamento do presidente Jair Bolsonaro já vem sendo repetido desde a campanha eleitoral: "menos direitos e mais empregos, mais direitos e menos emprego". Com uma reforma trabalhista sancionada há pouco mais de dois anos, que não foi capaz de promover a retomada do trabalho no Brasil, o governo tem atuado numa "minirreforma" que pegou carona na Medida Provisória 881, apelidada de MP da Liberdade Econômica.
No relatório aprovado em uma comissão mista, entre deputados federais e senadores, no dia 11 de julho, em meio à votação da Reforma da Previdência, a MP inicialmente focada nas garantias de livre mercado, passou a contemplar, entre outras questões, mudanças em 36 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), colocando em pauta, por exemplo, o fim da obrigatoriedade do repouso remunerado semanalmente aos domingos - que passaria a ser obrigatório apenas uma vez a cada quatro semanas, a autorização do trabalho aos domingos e feriados sem remuneração em dobro se houver folga compensatória, o fim da obrigatoriedade do instrumento da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) para empresas com menos de 20 funcionários, e a submissão ao Código Civil - não mais à CLT - de trabalhadores que ganham mais de 30 salários mínimos. Tratando-se de uma MP, a matéria deve ser votada nas duas Casas até o dia 10 de setembro para que não perca validade.
De acordo com Luiz Maia, professor de Economia e Finanças da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), o debate em torno da MP deve ocorrer de forma destrinchada. No que se refere à natureza das medidas, a direção é favorável. "Nosso contrato de trabalho é, de fato, extremamente detalhista, extremamente rígido e isso prejudica, sim, o funcionamento das empresas. É desfavorável ao empresário, possui um viés duro contra a empresa e em favor do empregado", opina. O cenário atual, conforme aponta o professor, faz o empresário "pensar dez vezes antes de contratar", por conta de regras que não existem "em nenhum lugar do mundo".
Na visão do advogado trabalhista Pedro Medeiros, sócio da SMAT Advogados, o escopo da medida é desburocratizar pontos que precisam ser destravados. "Desburocratizar o direito trabalhista permite que os empregadores contratem mais funcionários", afirma. Ele usa o fim da obrigatoriedade da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) como exemplo de algo que desburocratiza, mas não precariza. "Você tem a Delegacia do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, a Justiça do Trabalho, então a obrigatoriedade da empresa criar uma comissão é desnecessária. São regras que em vez de ajudar, dificultam." Alberes Lopes, secretário de Trabalho, Emprego e Qualificação de Pernambuco, diverge. Ele aponta a questão em torno da CIPA como algo que carece de análise no País que é quarto no mundo em número de acidentes de trabalho. O secretário mostra preocupação também com a questão da possibilidade do fim do pagamento de hora extra aos domingos e feriados. "Muitos trabalhadores já incorporaram o domingo no orçamento do mês e vão sofrer um baque se isso for extinto sem transição, com a justificativa de que poderão ter compensação de jornada", pondera.
A juíza Noemia Garcia Porto, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) enxerga que há a transformação da exceção em regra, com a generalização das profissões que podem trabalhar nesses dias. "Não só contraria a constituição, como também a convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho. Todos os dados estatísticos que a gente dispõe mostram que o excesso de disponibilidade ao trabalho é um dos fatores que contribuem para doenças e acidentes ocupacionais."
Falta debate
Alberes Lopes frisa que a MP da Liberdade Econômica tem a capacidade de "estimular o empreendedorismo e a abertura de novos negócios", atuando na redução de burocracias, no entanto, há a ressalva da falta de debate em torno do texto. "A MP diminuiu as exigências para empresas consideradas de baixo risco e a criação de territórios imunes de tributação, mas até o que é de baixo risco também pode ser subjetivo", exemplifica.
"O debate seria mais amplo e democrático se fosse feito através de um Projeto de Lei e dividido por assuntos", acrescenta Lopes, citando a necessidade de ouvir os trabalhadores durante a construção das medidas. O professor Luiz Maia, também questiona o modo como a reforma foi tramitada, acoplada à uma MP. "Não é uma forma de fazer mudança equilibrada, isso já contamina o debate. É preciso evitar o uso excessivo de MP e ainda não tivemos um governo que fizesse isso. No caso dessas mudanças, seria preciso ser gradual, ter projetos pilotos para depois ampliar", relata.
O caminho até a CLT
A juíza Noemia Garcia Porto explica que, inicialmente, a MP da Liberdade Econômica não estava voltada às mudanças na CLT. A Anamatra, inclusive, participou de audiência pública no Senado. "Na ocasião, não vimos nenhum problema em uma norma para ressaltar os princípios da constituição, que de fato prevê a livre iniciativa", relembra. Porém, próximo do recesso parlamentar, em meio à votação da reforma da Previdência, o relatório do deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS) surpreendeu as instituições. "Pulou de 19 dispositivos de mudança para 53, avançando sobre a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Não teve discussão prévia, não teve audiência pública. Trabalhadores, empregadores, centrais sindicais e Ministério Público do Trabalho, ninguém foi ouvido".
No formato atual, que segue para votação do Congresso Nacional, Noemia afirma que ele tropeça na inconstitucionalidade. "Há precedente do STF, no sentido de que durante o processo legislativo de conversão da MP em lei, não se pode inovar o tema da MP. Foi exatamente o que aconteceu. Foram colocados diversos jabutis legislativos". A Anamatra, em conjunto com a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) e a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat), elaborou uma nota técnica em busca do convencimento parlamentar. "Acredito que ainda há esperança que deputados e senadores se debrucem melhor sobre esses aspectos. Aprovada como está, ela desestrutura mais o mercado de trabalho no Brasil. Nós analisamos a MP e não vimos nada benéfico ao trabalhador".
O posicionamento contrário da Justiça Trabalhista gera incerteza jurídica na visão do professor Luiz Maia, fechando o ciclo da realidade drástica para a economia. "Nosso ambiente continua agressivo e, muitas vezes, pouco saudável ao trabalhador. Nossa legislação desestimula o trabalho e as empresas têm um grande risco ao contratar. As mudanças não são amplamente discutidas de forma democrática. A reação é grande e as mudanças podem voltar atrás. Então, estamos na areia movediça. Quando se move, afunda", define.
O custo político
Uma nova reforma em pouco mais de seis meses de governo cobra um preço. De acordo com o professor de Ciência Política da Faculdade Damas Antonio Lucena, no entanto, Bolsonaro tende a aproveitar o começo do mandato para tentar aprová-las, alicerçado por um terço do País, que se mantém fiel. "Como ainda está no primeiro ano de governo, ele tem capital político para gastar. Ou seja, a cobrança virá se ele fizer a reforma trabalhista e o país não retomar crescimento econômico. O elemento fundamental é esse. Se não crescer, vai significar também que a reforma da Previdência foi inócua", afirma. Lucena ressalta ainda que a reforma que "viaja" embutida na MP da Liberdade Econômica não deve contar com a mesma compreensão popular da reforma da Previdência. "No que se refere à previdência, existe um certo convencimento, apesar da impopularidade, de que é necessária para o desenvolvimento. Já a trabalhista, é vista de forma muito negativa desde Temer."
Para o deputado federal Carlos Veras (PT), as reformas não necessariamente terão destinos iguais no plenário. "Não acredito que tudo tenha o mesmo critério. Para aprovar a reforma da Previdência o governo teve que liberar em torno de R$ 40 milhões em emendas parlamentares para garantir a aprovação. Ele não vai conseguir fazer isso a cada proposta impopular que tiver", justifica. Ele ressalta que a "minirreforma trabalhista" dá continuidade a um processo de retirada de direitos do trabalhador. "Isso é precarização da relação de trabalho, não tem nada de modernização". O deputado Danilo Cabral (PSB) garante que os socialistas também vão se opor. Para ele, além de aprofundar a Reforma Trabalhista, as mudanças propostas para CLT estão no mecanismo errado. "É um jabuti. Estão utilizando uma medida provisória com conteúdo diferenciado para fazer valer um debate que não faz parte da medida provisória original".
Atuante na base do governo Bolsonaro, Silvio Costa Filho (PRP) defende que é preciso avançar na pauta da liberdade econômica, seguindo modelo dos países mais desenvolvidos. No entanto, trata com cuidado a necessidade de modificar a CLT. "Eu vou protocolar em 1° de agosto um ofício solicitando a realização de audiência pública para discutirmos ponto a ponto a MP, em especial as questões que se referem à CLT. Entendo que a medida é importante, mas alguns pontos precisam ficar mais claros." Silvio frisou que o texto aprovado na comissão ainda pode ter pontos suprimidos no plenário.