ENTREVISTA
ELIANA CALMON
Frederico Vasconcelos
Eliana Calmon, ex-corregedora nacional de Justiça, diz que o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, age como "um senhor todo-poderoso" ao suspender investigações que tenham usado dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) sem autorização judicial.
"Ele dá uma liminar [decisão provisória] em pleno recesso, não respeita a opinião colegiada e decide que só em novembro o caso vai ser julgado. Isso é muito grave", diz.
Em 2011, um dia antes do recesso, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar e interrompeu inspeções iniciadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a partir de informações do Coaf.
A corregedoria nacional pretendia examinar a evolução patrimonial de magistrados e servidores em 22 tribunais.
Associações de juízes alegaram que houve quebra ilegal de sigilo de mais de 200 mil pessoas, "sem o conhecimento prévio do próprio CNJ e sem autorização judicial".
Lewandowski despachou na ausência de Joaquim Barbosa, para quem foi distribuído um mandado de segurança que ainda tramita no Supremo.
Calmon vê semelhanças nos dois episódios.
"Não houve quebra de sigilo. Quando suspendem, paralisa tudo. É porque não querem investigar e julgar", afirma.
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Como a sra. avalia a decisão do ministro Dias Toffoli? É realmente um retrocesso em nível internacional, inutilizando investigações importantíssimas. Até a Suíça abriu os seus cofres para mostrar o esconderijo, porque o Brasil era uma grande lavanderia. Hoje, o mundo civilizado está muito preocupado com a lavagem de dinheiro.
Toffoli diz que a medida é uma defesa do cidadão, pois, sem controle do Judiciário, qualquer um fica sujeito a vasculhamento na sua intimidade. Agir em prol do cidadão é você apurar quem está lavando dinheiro. A lei de lavagem já está em vigor há mais de 20 anos.
Qual é a importância do Coaf? É um órgão importantíssimo. O Coaf diz onde estão sendo realizadas operações atípicas. Informa aos órgãos de controle do Estado, como o Ministério Público, os tribunais de contas, a polícia. A partir daí, começam as investigações.
A sra. vê semelhança entre a decisão de Toffoli e a interrupção de investigações do CNJ em 2011? Foram decisões monocráticas, em período de recesso. Lá atrás, já se começava a não aplicar a lei. Havia uma agitação muito grande. Alguns ministros e conselheiros nem sabiam o que era o Coaf.
Como a sra. usava esses dados? O Coaf dizia, por exemplo, "existem operações atípicas no Tribunal de Justiça de São Paulo e no de Mato Grosso do Sul". Comecei a investigar a partir das declarações de Imposto de Renda.
O que seria possível identificar? A investigação não começa no Coaf, que apenas sinaliza. Começa depois, embasada nas declarações de Imposto de Renda que somos obrigados a entregar aos tribunais. A partir daí, começamos a apurar o patrimônio a descoberto [bens sem comprovação da origem].
Instaurava-se sindicância, uma investigação na corregedoria, com contraditório. Muitos conseguiram esclarecer a origem, como heranças. Em relação aos que não comprovaram, foram abertos processos administrativos. Alguns desembargadores se aposentaram para não ter sua situação devassada pelo CNJ.
Como o colegiado acompanhou essas apurações? Alegava-se que o Supremo ainda examinava a possibilidade de investigação patrimonial no Judiciário. E que a investigação de juízes era inconstitucional. O conselheiro Bruno Dantas [atual ministro do Tribunal de Contas da União] pediu vista de todos os processos. Acho que terminou tudo arquivado.
A sra. foi acusada de quebrar o sigilo bancário e fiscal de magistrados e servidores. Exatamente. A Associação dos Magistrados do Brasil, a Associação dos Juízes Federais do Brasil e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho entraram com representação criminal contra mim. O então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, mandou arquivar. Não havia a identificação de juízes e servidores que realizaram movimentações atípicas.