Entidades afirmam que flexibilização de normas incluída na MP da Liberdade Econômica fere a Constituição
Thiago Resende
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Brasília - Procuradores e juízes do Trabalho questionam a nova proposta de reforma trabalhista de Jair Bolsonaro e acusam o projeto de ferir a Constituição. A flexibilização das normas trabalhistas, portanto, poderá parar na Justiça.
O governo aproveitou uma medida provisória que já estava no Congresso Nacional para incorporar uma reestruturação em regras trabalhistas. O texto está pronto para análise da Câmara e deve ser votado em agosto.
O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, disse que, se a proposta não for alterada pelos parlamentares, irá questionar na Justiça a flexibilização das normas.
"Vários dispositivos são inconstitucionais. Até a própria forma como está sendo feita, num projeto de conversão [em lei] numa medida provisória, ofende a convenção da OIT [Organização Internacional do Trabalho, para que alterações trabalhistas sejam feitas com amplo debate público]. Até isso pode ser atacado."
Originalmente enviada pelo governo para aliviar leis para pequenos negócios e startups, a medida provisória denominada de MP da Liberdade Econômica foi alterada pelo relator, deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), em acordo com a equipe econômica.
O secretário especial adjunto de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, afirmou nesta quinta-feira (18) que a nova reforma trabalhista busca desburocratizar e "dar mais fôlego ao mercado de trabalho".
Ele também defendeu a estratégia para que o governo aprove a flexibilização das regras pegando carona numa MP - que tem prazo curto para ser debatida no Congresso.
Enquanto o Parlamento estava focado na aprovação, em primeiro turno, da reforma da Previdência, a comissão especial da MP da Liberdade Econômica aprovou a versão de Goergen, que inclui normas trabalhistas mais brandas.
A proposta acaba com a obrigação da Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), formada por funcionários, em empresas ou locais de trabalho com menos de 20 funcionários.
Fleury lembrou que o Brasil ocupa a quarta posição no ranking de países com mais acidentes de trabalho.
Além disso, o projeto permite que trabalho nos domingos e feriados não tenha remuneração extra se houver folga em outro dia da semana.
O texto a ser analisado pela Câmara diminui ainda o poder fiscalizatório dos órgãos de Estado sobre as empresas.
"Ainda não temos os impactos da primeira reforma [aprovada pelo ex-presidente Michel Temer]. Mas, se você for analisar questões pontuais, essa reforma [proposta atual] tem efeitos deletérios imensos sobre direitos sociais, além do elemento aditivo: ela ataca a estrutura dos órgãos", disse o secretário jurídico da Procuradoria-Geral do Trabalho, Márcio Amazonas.
Em alguns casos, o fiscal do trabalho só poderá, de acordo com a proposta, multar a empresa em uma segunda visita. A primeira seria educativa.
Para quem receber mais de 30 salários mínimos (R$ 30 mil), não será aplicada, pelo projeto, a lei trabalhista.
Essas são apenas algumas das medidas que foram incorporadas à MP da Liberdade Econômica.
A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) também alerta para riscos com as flexibilizações nas normas e questiona a legalidade da reforma.
"No aspecto mais amplo, a MP preocupa pela forma da tramitação, que certamente expõe um problema democrático. [...] Há inconstitucionalidade quando, no processo legislativo que discute a conversão da MP em lei, inovase nas alterações propostas", afirmou a presidente da Anamatra, juíza Noemia Porto.
A estratégia usada pelo governo para aprovar a nova reforma trabalhista é semelhante à de Temer, que enviou um projeto enxuto originalmente.
O então relator da proposta, ex-deputado Rogério Marinho, acrescentou novos dispositivos e ampliou a reforma.
Marinho é hoje secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e participou de reuniões com o relator da MP da Liberdade Econômica, Goergen.