A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) denunciou na 108ª Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra (Suiça), que a Reforma Trabalhista brasileira, que entrou em vigor em 11 de novembro de 2017, fere convenções da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário.
A advogada Karlla Patrícia Souza, diretora da Escola Nacional da Advocacia Trabalhista da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat) explicou que o Brasil terá que dar explicações sobre isso à Organização das Nações Unidas (ONU). Ela também fez duras críticas à lei.
Reforma trabalhista completa um ano e juízes questionam eficácia
"A OIT é um dos braços da ONU em matéria do mundo do trabalho. A ONU está com uma agenda propositiva, que se chama Agenda 2030, que inclusive eu participei lá no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, sobre um debate de direitos humanos e cumprimento da agenda. Todo o poder judiciário, por meio do CNJ, está empenhado em cumprir essa agenda 2030. Para chegar em 2030 com um mundo mais transformado, sem trabalho escravo, com trabalho decente, sem discriminação quanto trabalho da mulher", explicou a advogada Karlla Patrícia Souza.
A Anamatra esteve na 108ª Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra. A Comissão de Aplicação de Normas Internacionais do Trabalho decidiu que a Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) fere a Convenção 98 da OIT, que trata da aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação coletiva, da qual o Brasil é signatário.
"A Convenção 98 fala sobre a questão a negociação coletiva, o direito da sindicalização, da filiação a sindicatos. Com a reforma trabalhista, os sindicatos sofreram e estão sofrendo muito esse impacto. Já são 18 meses de reforma trabalhista e os dados indicam a queda no número de convenções e acordos coletivos, a queda no número de trabalhadores sindicalizados. A Reforma Trabalhista trouxe uma expressão, o negociado sobre o legislado. Aquilo que eu negocio direto com o patrão pode se sobrepor a lei, e desta forma pode ficar acordado cláusulas que estão abaixo do mínimo que a lei estabelece", explicou a advogada.
A Anamatra elaborou nota técnica sobre a reforma trabalhista, entregue ao diretor-geral da OIT, Guy Rider, onde faz um balanço dos 18 meses de vigência da Lei 13.467/2017, que fez mais de 200 mudanças em 117 artigos da CLT. Com o entendimento de que a Reforma Trabalhista ofende a Convenção 98, o "caso Brasil" entrou para a lista curta dos 24 casos que foram discutidos durante o evento.
"Esse ano a OIT completa 100 anos. É um ano muito simbólico e é muito importante que o Brasil esteja lá, e está muito bem representado por meio dessas associações, que estão lá para denunciar. A palavra é justamente essa: denunciar. Essas denúncias são chamadas de caso, caso Brasil. Essas denúncias são avaliadas por uma comissão de peritos e eles, depois da análise, vão pedir explicações para o Governo Brasileiro, que vai ter que mostrar dados, vai ter que comprovar mesmo que não está ofendendo convenções internacionais", disse a advogada.
A Constituição da OIT, na redação advinda da reforma de 1946, não estabeleceu quais as sanções que deveriam ser aplicadas aos Estados-membros que descumprirem as obrigações, limitando-se a estipular no seu artigo 33 o seguinte:
"Se um Estado-Membro não se conformar, no prazo prescrito, com as recomendações eventualmente contidas no relatório da Comissão de Inquérito, ou na decisão da Corte Internacional de Justiça, o Conselho de Administração poderá recomendar à Conferência a adoção de qualquer medida que lhe pareça conveniente para assegurar a execução das mesmas recomendações."
Pontos da Reforma Trabalhista também estão sendo analisados pelo Poder Judiciário brasileiro. Foram propostas várias ações diretas de inconstitucionalidade, que ainda serão julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
"A Reforma trouxe alterações e acrescentou no total mais de 200 artigos da CLT. O STF, semanas atrás, respondeu com relação ao trabalho da mulher gestante em local insalubre, que a Reforma Trabalhista dizia que a gestante poderia trabalhar em local insalubre ou perigoso. O STF já disse que não, que essa parte é inconstitucional. A questão de custas e honorários ainda está tramitando também. A questão da contribuição sindical, questão sindicais, também são objetos de ações do STF. São várias ações" afirmou Karlla Souza.
A advogada também fez duras críticas à Reforma Trabalhista. Com a "restrição" do acesso à Justiça, com a condenação de trabalhadores aos pagamentos de custas e honorários, muitos trabalhadores deixaram de entrar com ações na Justiça Trabalhista.
"Veja bem, a advocacia trabalhista sofreu muito o impacto dessa nova lei. Porque um dos principais pontos dessa Reforma foi com relação ao acesso à Justiça. 98% das ações trabalhistas, e isto é um dado, está registrado isso no Conselho Nacional da Justiça do Trabalho, se referem a verbas rescisórias, ou seja, trabalhadores que são dispensados e não recebem, verbas elementares, salários atrasados, fundo de garantia, férias e décimo terceiro" explicou.
Karlla Souza ainda disse que a prometida solução à questão do alto número de desemprego não aconteceu, pelo contrário, houve aumento no número de desempregados e os trabalhadores ficaram mais desprotegidos.
"Trabalhadores estão em uma relação muito mais desprotegida e precária, como por exemplo, nos casos de trabalho intermitente. Outro exemplo: muitas empresas estão exigindo que seus trabalhadores se transformem em pessoa jurídica. Ou seja, você até hoje, durante anos, trabalhou como empregado. A empresa diz assim: 'a partir desse mês você vai ter que abrir uma PJ, uma Pessoa Jurídica'. Você deixa de ter uma proteção, você deixa de ter direitos típicos de um empregado, tipo férias, 13º salário, fundo de garantia, o direito ao seguro desemprego, e passa a ser uma pessoa jurídica, só que na verdade você continua sendo empregado", afirmou.
Outro efeito negativo da justificativa para a Reforma Trabalhista, segundo a advogada, foram as acusações aos advogados trabalhistas. Um dos argumentos para a reforma foi que existiam muitos processos trabalhistas em tramitação, sendo que muitos destes seriam ações sem cabimento, e a reforma viria para simplificar tudo.
"A advocacia trabalhista foi injustamente criminalizada. Foi injustamente acusada de ser uma das causadoras desse volume que alguns consideravam exageradas de ações, e não é verdade. Se houve, se existiu, como ainda existem todas as áreas profissionais que não honram com a ética e que fazem pedidos que não correspondem com a realidade, isso não é da advocacia trabalhista, isso pode acontecer em todas as áreas do Direito. Agora não pode um ramo da advocacia, de direito, ser acusada como nós fomos. Muitos, tanto políticos como órgãos da imprensa, chegaram a acusar a advocacia trabalhista, e não é verdade. Isso é injusto", defendeu a advogada.