Em reação a ataques em redes sociais e críticas de procuradores, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito para apurar ofensas à Corte e a seus integrantes. Entre os alvos da apuração, estão procuradores da força-tarefa da Lava Jato, como o coordenador do grupo em Curitiba, Deltan Dallagnol, e Diogo Castor, e auditores da Receita Federal.
Para justificar o procedimento, que é raro, o presidente da Corte citou "a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações" como calúnia, difamação e injúria.
O inquérito correrá sob sigilo e será conduzido pessoalmente pelo ministro Alexandre de Moraes, que poderá requisitar ao tribunal e a órgãos de investigação o que considerar necessário.
O Supremo não detalhou os casos específicos que serão investigados. O Estado apurou, no entanto, alguns focos.
Um dos pontos departida é detectar se houve crimes ou infrações, por exemplo, na publicação de vídeos por Dallagnol conclamando população a se manifestar sobre o julgamento do Supremo, e no artigo em que Castor acusa a Segunda Turma de promover um "golpe" na operação.
Também deve entrar na mira do Supremo a atuação da Receita Federal, no tocante ao que relatório, revelado pelo Estado, em que o órgão apontou possíveis atos de "corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência por parte do ministro Gilmar Mendes e familiares".
Um terceiro ponto que deve ser investigado é a possibilidade de pagamento em redes sociais para ofensas criminais orquestradas contra a instituição. Alguns ministros enxergam cerco ao STF por "milícias digitais".
O anúncio de Toffoli foi feito durante o julgamento em que o Supremo Tribunal Federal frustrou as expectativas da Força-Tarefa da Lava Jato e decidiu que a justiça eleitoral deve julgar crimes de corrupção e lavagem de dinheiro se houver relação com caixa 2 de campanha. O placar final foi de 6×5.
Gilmar Mendes e Celso de Mello, ao votarem no plenário com a maioria, elogiaram a abertura da investigação. Um ministro comentou, após a sessão, que era uma reação à declaração de guerra feita por procuradores ao tribunal.
A intenção é que sejam adotadas providências concretas com a responsabilização criminal, civil e funcional de infratores.
A decisão partiu do presidente, que não chegou a conversar com todos os ministros antes de tomar a decisão. Um integrante disse ao Estado que não foi consultado. Outro ministro, que havia dialogado com o presidente, disse que a medida foi tomada "a partir da constatação que nem o Ministério da Justiça nem Ministério Público tomaram nenhuma providência concreta".
A raridade no procedimento se dá porque inquéritos só são abertos no Supremo a pedido do Ministério Público Federal (MPF). Há um precedente, da Segunda Turma, que mandou investigar supostos abusos no transporte do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, entre estabelecimentos prisionais. A proposta partiu do ministro Gilmar Mendes.
Na época, a procuradora-geral, Raquel Dodge, bateu de frente com Mendes, classificou o inquérito como ilegal e pediu o arquivamento. Ontem, procurada pela reportagem, não comentou a abertura do novo procedimento anunciada por Toffoli.
O presidente da Associação Nacional de Procuradores, José Roberto Robalinho, disse que é ilegal ó Supremo conduzir um inquérito sem pedido do Ministério Público Federal. Ele lembrou que essa foi a posição da procuradora-geral Raquel Dodge quando a Segunda Turma abriu investigação sobre constrangimento a Sérgio Cabral. Robalinho apontou também que o Supremo não deu nomes aos investigados, mas comentou que, se procuradores da República no Paraná estiverem na mira, o local de investigação é a primeira instância.
"Falando em tese, um procurador da República só pode ser investigado depois de determinação da Procuradora-Geral da República, de acordo com lei complementar. O que ele tinha de fazer é representar à Procuradora-Geral. O ato do ministro Dias Toffoli usurpa a competência da procuradora-geral da República. Se for investigar procurador de primeira instância, o foro dele não é o Supremo, é a primeira instância."
Reações. Durante a sessão do Supremo, o senador Alessandro Vieira (PPS-SE) conseguiu reunir as 27 assinaturas necessárias para protocolar um novo pedido de criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar o "ativismo judicial" em tribunais superiores. Vieira afirmou ao Estado que a decisão do chefe do Poder Judiciário 'soa como uma ameaça'.
"Essa ação do presidente do STF soa como ameaça àqueles que querem fazer a transparência chegar à cúpula do Judiciário. O senador e a senadora da República não tem direito de se amedrontar diante de ameaças", disse à reportagem.
Dentro do ramo do direito, no entanto, a medida recebeu demonstrações de apoio, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
"Ação semelhante parece ter sido orquestrada contra a advocacia nacional, que nos últimos meses se viu alvo de notícias falsas (fake news), denunciações caluniosas e ameaças que buscam atingir a honra das advogadas e dos advogados brasileiros. A Ordem, inclusive, solicitará à Polícia Federal que investigue se esses ataques partiram das mesmas pessoas que agora investem contra o Supremo", disse a OAB, em nota.
Leia a íntegra da portaria:
"O Presidente do Supremo Tribunal Federal, no uso de suas atribuições que lhe confere o regimento interno, considerando que velar pela intangibilidade das prerrogativas do Supremo Tribunal Federal e dos seus membros é atribuição regimental do presidente da Corte; considerando a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi e injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares,
Resolve, nos termos do art 43 e seguintes do Regimento Interno, instaurar inquérito para apuração dos fatos e infrações correspondentes, em toda a sua dimensão.
Designo para a condução do feito o eminente ministro Alexandre de Moraes, que poderá requerer à Presidência a estrutura material e de pessoal necessária para a respectiva condução".(Amanda Pupo e Breno Pires)