Muitas vítimas da barragem da Vale que estourou em Brumadinho podem não ser resgatadas, mas especialistas avisam que isso não deve impedir que seus familiares busquem reparação
Muitas vítimas do tsunami de lama da Vale podem não ser encontradas, mas segundo especialistas -- advogados penalistas e constitucionalistas -, isso não deve impedir que seus familiares busquem uma indenização.
Pela legislação brasileira, no caso de um desaparecimento, sem acidente ou qualquer outra suspeita, a morte só pode ser confirmada após dez anos. Ana Paula Patiño, advogada, professora do IDP-SP, doutora e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP, explica que neste caso é preciso ajuizar um processo de ausência. "Esse processo corre na Vara de Família, é demorado e a morte só é declarada após dez anos do desaparecimento ou, antes disso, se a pessoa já tiver 80 anos e está desaparecida há mais de cinco."
Já em casos como o da tragédia de Minas, que até aqui contabiliza 165 cadáveres, pode ser declarada a morte presumida, esclarece Patiño.
A mineradora, responsável pela barragem de Brumadinho que estourou no dia 26 de janeiro, já afirmou que facilitará os pagamentos. A empresa, inclusive, começou a liberar uma doação, de R$ 100 mil, para os parentes de mortos e desaparecidos.
"Quem vai estabelecer o prazo para as buscas é o Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil. Após este prazo as pessoas que estão desaparecidas, mas provavelmente estavam no local do acidente são declaradas mortas (morte presumida)", afirma a advogada.
Barragem da Vale se rompeu em Brumadinho (MG) no dia 25 de janeiro. FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO
Ela esclarece que esse processo é administrativo, 'como o normal para declaração de óbito, só que sem o corpo da vítima’.
"Isso é muito comum em acidente aéreo. As buscas têm que parar em algum momento, mesmo sem encontrar todos os corpos", diz Ana Paula Patiño.
Em relação às indenizações, o Código Civil traz o artigo 927, que estipula: "Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo."
Mariana Machado Pedroso, especialista em Direito do Trabalho e sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados, faz uma ressalva.
De acordo com a literalidade da norma -- artigos 223 a 223 D da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) --, os familiares das vítimas fatais que trabalhavam na Vale após a reforma trabalhista não poderão mais pretender perante a Justiça do Trabalho qualquer indenização ou pensão.
Bombeiros trabalham no resgate em Brumadinho. Foto: Corpo de Bombeiros/ MG
Isto porque o novo texto legal estabelece, expressamente, serem apenas os empregados e empregadores titulares exclusivos ao direito indenizatório.
Mariana considera que para os empregados sobreviventes da tragédia restaram mais duas questões a serem debatidas.
A primeira seria a limitação da indenização a 50 salários que, inclusive, vem sendo judicialmente discutido pela OAB e também pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra, principal e mais influente entidade da Justiça do Trabalho) junto ao Supremo.
Mariana Machado Pedroso. Foto: Acervo Pessoal
A segunda questão refere-se ao tratamento dispensado, que não será isonômico, contrariando a Constituição Federal, porque ’em que pese todas as pessoas estarem ligadas pelo mesmo evento desastroso, suas indenizações observarão sua posição na empresa que deu causa a isso, privilegiando aqueles que possuíam remunerações maiores’.
Ainda de acordo com a advogada, moradores da cidade que não tinham vínculos com a Vale deverão buscar uma reparação financeira na Justiça comum. "Eles poderão pretender, e de fato receber, indenizações bem maiores. As ações tramitarão na Justiça Comum e estarão reguladas pelo Código Civil, que contrariamente à legislação trabalhista, não traz os mesmos parâmetros e os 'tetos’ indenizatórios", esclarece.
A Vale já afirmou que facilitará os pagamentos. A mineradora, inclusive, começou a liberar uma doação, de R$ 100 mil, para os familiares de mortos e desaparecidos.
Luiz Vassallo, Julia Affonso e Fausto Macedo