A declaração é do Dr. Guilherme Guimarães Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Ele esteve no Cesul, na última sexta-feira, 25, para aula de abertura do curso de pós-graduação em Direito. Na ocasião, ele concedeu entrevista ao JdeB, para esclarecer questões sobre possíveis mudanças na Justiça do Trabalho.
JdeB - Qual é a posição da Anamatra em relação a essa possibilidade de extinção da Justiça do Trabalho?
Essa possibilidade, que na verdade foi uma referência a algo solto, numa entrevista do presidente da República, em uma entrevista, que, ao que tudo indica, ele próprio tratou de esclarecer com o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, a nosso ver não é uma possibilidade nem jurídica, nem fática. Não é jurídica, pela simples razão de que se o poder Executivo pudesse ter a iniciativa de uma proposta de emenda constitucional para, por exemplo, suprimir o inciso 4º do artigo 93 da Constituição, que é justamente o inciso que prevê os tribunais e juízes do trabalho, extinguindo então a Justiça do Trabalho, ele também poderia, em tese, encaminhar uma proposta de emenda constitucional que eliminasse o inciso 1º, que prevê o Supremo Tribunal Federal. Isso demonstra como uma alteração dessa envergadura, na estrutura do poder judiciário, não pode ser feita senão por inciativa do próprio poder Judiciário. Do contrário, estaríamos vendo uma interferência de um poder da República em outro. Nem o Executivo, nem o Legislativo, por sua iniciativa, poderiam suprimir seja a Justiça do Trabalho, Eleitoral ou Militar. Essa estrutura constitucional básica somente poderia ser alterada, a nosso ver, por iniciativa do próprio Supremo Tribunal Federal. Haveria aqui um limite constitucional implícito, do contrário, volto a dizer, poderia haver alteração até mesmo no Supremo. Isso se extrai do artigo 2º da Constituição, que diz que os poderes executivo, legislativo e judiciário são independentes entre si, portanto, essa interferência não pode haver.
E quanto ao ponto de vista fático?
Do ponto de vista fático, a impossibilidade é mais evidente ainda; extinguir pura e simplesmente a Justiça do Trabalho é uma ideia inconcebível. São oito milhões de reclamantes que vão à Justiça do Trabalho anualmente. Onde elas iriam? À justiça comum? Os juízes comuns hoje sequer têm, nas suas provas de admissão, exames de direito e processo do trabalho. Isso interessaria a quem? Qualquer proposta caminharia no sentido de uma unificação, possivelmente, da Justiça do Trabalho com a Justiça Federal, que também é uma justiça da União. Nesse caso, a Justiça do Trabalho é composta por 24 Tribunais Regionais do Trabalho e Justiça Federal por cinco tribunais federais. Como nós incorporaríamos 24 TRTs em cinco TRFs? São mais de 4 mil juízes do trabalho em atividade hoje, mais que o dobro de juízes federais. As dificuldades que teríamos se isso fosse feito, em questões relacionadas à presidência dos tribunais, ao exercício das direções de furo e outras questões, trariam polêmicas pra uma ou duas décadas no Conselho Nacional de Justiça. Problema que certamente o governo não quer. Então, se há uma preocupação com o fato de que a demanda na Justiça do Trabalho está caindo e a capilaridade pode ser melhor aproveitada, o que temos dito é que há um caminho muito mais óbvio e muito mais simples: que se amplie as competências da Justiça do Trabalho para outras matérias que envolvem o trabalho humano e que não estão hoje sob o pálio da competência dos juízes laborais. Por exemplo, as questões envolvendo prestação de serviços, de profissionais liberais, as questões previdenciárias, acidentárias, crimes contra a organização do trabalho. Essas outras questões que hoje não são da competência da Justiça do Trabalho, poderiam vir pra ela. Seria uma maneira de aproveitar melhor essa justiça que é tão capilarizada, sem essas aventuras administrativas como sejam a extinção ou a unificação.
A associação já está se movimentando?
Sim, as associações de advogados trabalhistas, em cooperação com as associações regionais de juízes do trabalho, realizaram, no dia 21 de janeiro, uma série de atos regionais em defesa da Justiça do Trabalho. Aconteceram em mais de 40 cidades, em todas as 24 sedes das TRTs e outras cidades também. Alguns desses atos foram emblemáticos, por exemplo, em Belém do Pará, um ato que envolveu grande parte da própria população. Em São Paulo, ato em que eu participei, a Polícia Militar identificou 4 mil pessoas, incluindo advogados dos trabalhadores e patronais também. Não são atos contra ninguém, mas sim a favor da instituição, especialmente para esclarecer informações equivocadas.
Foi dito que a Justiça do Trabalho só existe no Brasil.
Mentira. A Justiça do Trabalho, em moldes muito semelhantes ao brasileiro, existe na Alemanha, além da Inglaterra, Finlândia e França – no primeiro grau. Todos têm estrutura da Justiça do Trabalho com autonomia na carreira. Jurisdição trabalhista, com algum nível de autonomia, seja procedimental, seja orgânico, seja estrutural, praticamente todo o mundo ocidental tem. Todos os países do Ocidente têm jurisdição trabalhista.
O que mais não corresponde à realidade?
Há muita falácia, como dizer que 98% das ações trabalhistas do mundo estão no Brasil. Não existem sequer estatísticas que façam essa comparação. Agora, as ações trabalhistas no Brasil correspondem a 16% das ações totais no País. Se fosse 98%, das trabalhistas, então toda a demanda de todas as matérias do mundo estariam aqui. Claro que é um dado falso. Esses atos têm servido para fazer esclarecimentos. Dia 28 (ontem) haverá um ato em Campinas, estarei lá, e este ciclo de atos terminará dia 5 de fevereiro, em Brasília, com um ato nacional, envolvendo a Anamatra, OAB, Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas, Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e a Federação Nacional dos Servidores da Justiça da União. Esperamos que tão cedo esta cantilena não volte com estes enganos, com os quais se pretende induzir a população a erro.