CÁSSIA ALMEIDA E GERALDA DOCA
Com a mudança na legislação trabalhista, que entrou em vigor em novembro de 2017, a indenização por danos morais para as famílias dos trabalhadores da Vale e de empresas terceirizadas vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho poderá ficar limitada a até 50 vezes o salário do funcionário da mina, limite para os danos gravíssimos, conforme o artigo 223. Para a indenização por danos materiais, não há limite. E o governo não pretende alterar esse ponto. Como a reforma tem pouco mais de um ano, alguns juizes podem, no entanto, considerar o artigo inconstitucional e afastar o . teto para cálculo da reparação, dizem especialistas.
Ontem à noite, o número de mortos havia subido para 65. Ainda há279 desaparecidos.
O advogado Luiz Marcelo Góis, do escritório Barbosa Mussnich Aragão (BMA), lembra que o governo Michel Temer chegou a editar medida provisória que excluía acidentes de trabalho com morte do limite para indenização por dano moral:
- A MP da reforma excluía a limitação especificamente para acidente com morte e estabelecia que a indenização ficaria limitada a 50 vezes o teto do INSS (R$ 5.839), para evitar a falta de isonomia.
DIFERENÇA ENTRE AS VÍTIMAS
Quando chegou a hora de a MP ser votada na Câmara, um impasse: houve mais de mil emendas. O governo, então, desistiu, e a MP caducou.
O argumento do governo para não mudar as regras é que a derrubada da MP foi parte de um acordo da gestão anterior com o Senado para não atrasar a votação da reforma. Na Justiça trabalhista, os trabalhadores poderão requerer o pagamento das verbas indenizatórias (direitos trabalhistas, como hora extra e FGTS), por exemplo, e por danos morais. Isso também é possível na esfera cível. Quem não tinha relação de emprego com a Vale, como turistas e donos de pousadas, também pode recorrer à Justiça comum.
A nova legislação prevê ainda que o limite para danos morais pode ser dobrado se houver reincidência, desde que o novo evento envolva as mesmas partes. Góis ressalta, porém, que isso dependerá da interpretação do juiz.
No caso, as minas onde houve os acidentes foram diferentes: Mariana e Brumadinho. Mas o juiz pode entender que, como foi o mesmo tipo de evento, com a mesma empresa, o valor da indenização tem de ser dobrado.
Essa limitação nas reparações por danos morais cria uma situação inusitada: as famílias dos trabalhadores da Vale e terceirizados poderíam receber uma indenização inferior à das famílias dos moradores vítimas do soterramento.
- Os familiares dos hóspedes da pousada, por exemplo, terão as indenizações calculadas pelo juiz, de acordo com a dor, já que não há relações de trabalho - afirmou o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury.
Outro ponto é que o artigo 223 calcula a indenização conforme o salário. Ou seja, quem ganha mais receberá mais.
Uma alternativa aos parentes dos trabalhadores é recorrer à Justiça comum. Mas, segundo Góis, é difícil que esta decida julgar ações de acidentes de trabalho:
- A Justiça comum deve encaminhar para a do Trabalho, declarando-se incompetente para julgar os casos.
A advogada trabalhista Juliana Bracks afirma que, apesar de a lei fixar um teto para as indenizações, o valor da reparação moral pode ser até maior, mesmo na Justiça do Trabalho, dependendo da interpretação do juiz. E ressalta:
- Quando se trata de indenização para parentes, chamado dano em ricochete, não se aplicaria o artigo 223 e sim o direito civil, sem teto.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho entrou com ação este mês no Supremo Tribunal Federal, pedindo que os artigos sobre dano moral sejam considerados inconstitucionais.