Declaração de Bolsonaro de acabar com vara especializada provocou reações de entidades; para juiz Marlos Melek, momento não é adequado
Em MP (Medida Provisória) assinada no dia 1º de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro extinguiu o Ministério do Trabalho, e distribuiu suas competências entre as pastas de Economia, Justiça e Cidadania. Em primeira entrevista concedida à imprensa, ao SBT, o presidente falou que também cogita extinguir a Justiça do Trabalho. Tanto a declaração de Bolsonaro sobre a Justiça do Trabalho, quanto a extinção do Ministério do Trabalho provocaram a reação de entidades do setor jurídico.
A Amatra-2 (Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Segunda Região), a maior regional do País englobando São Paulo (capital), região metropolitana e Baixada Santista formada por juízes do trabalho, convocou para o próximo dia 21 ato da categoria "em favor da Justiça do Trabalho". Na última quarta-feira (9), a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), que reúne 80 mil profissionais do Direito, disse em nota que a extinção da Justiça do Trabalho "configuraria violência ao princípio da dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho".
A Frentas (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público), composta por 40 mil juízes, promotores e procuradores em todo o País, criticou
no último domingo (6) "qualquer proposta" de extinção da Justiça do Trabalho ou do Ministério Público do Trabalho. Na sexta-feira (4), o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, afirmou que a magistratura do Trabalho está "aberta ao diálogo democrático, o que sempre exclui, por definição, qualquer alternativa que não seja coletivamente construída". No mesmo dia, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), divulgou nota em que defende o "fortalecimento" da Justiça do Trabalho.
Amarildo Henning/Divulgação
Um dos redatores da reforma trabalhista, Melek acredita que especialização, hoje, é muito importante para o Brasil
A extinção do Ministério do Trabalho também foi questionada. A Fenadv (Federação Nacional dos Advogados) entrou com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) questionando a decisão, mas o pedido foi rejeitado pelo ministro Dias Toffoli, presidente do STF, nesta quarta-feira (9). Na terça-feira (8), o PDT também ingressou no Supremo com uma ação direta de inconstitucionalidade contra dispositivos da primeira MP do governo Bolsonaro.
Em entrevista à FOLHA, o juiz Marlos Augusto Melek, um dos redatores da Reforma Trabalhista, afirma que a extinção do Ministério do Trabalho "vem ao encontro dos anseios da sociedade no sentido da redução do número de ministérios". Já a extinção ou anexação da Justiça do Trabalho não é vista pelo juiz como adequada para esse momento. "Acredito que, hoje, a Justiça do Trabalho tem um grau de especialização importante para dirimir as relações de trabalho no Brasil." Confira na entrevista.
O que o Sr. achou da decisão de extinguir Ministério do Trabalho?
A extinção do Ministério do Trabalho, em que pese o Ministério seja histórico, vem ao encontro com o anseio da sociedade brasileira no sentido da redução do número de ministérios. Se o Presidente da República se elegeu numa margem ampla de votos, tendo como plataforma eleitoral que iria reduzir o número de ministérios, é isso que ele tem que fazer. Vários ministérios foram ligados a outros ou se transformaram em secretarias. É claro que é triste, é sensível e desconfortável a gente ouvir que o Ministério do Trabalho se tornou secretaria. Mas o importante é que o governo tenha capacidade de gerar emprego, de gerenciar ações de trabalho com eficiência. O resultado final que é importante. O fato simbólico da extinção do Ministério ou da sua transformação em secretaria é um detalhe.
Quando o Ministério do Trabalho foi criado, qual era o objetivo? Por que na época se pensou que deveria haver um Ministério?
O mundo muda muito. Quando a própria CLT foi criada em 1943, o que tínhamos uma época pré-industrial, o Brasil estava iniciando a construção das primeiras indústrias, iniciando a construção do seu parque industrial. Naquele momento, naturalmente, o Ministério do Trabalho tinha um papel bastante diferente, de criação da indústria brasileira, do comércio que estava a se expandir. Hoje, a realidade é outra. Temos relações de trabalho mais estáveis, parque industrial instalado, uma legislação social protecionista do trabalhador bastante consolidada, mesmo com a reforma trabalhista, que não retirou nenhum direito do trabalhador.
Acredito que essa transformação que a sociedade vive faz com que ministérios se transformem em secretarias, outros sejam criados, como o Ministério de Ciência e Tecnologia. Nunca tivemos nada associado à aviação civil brasileira, e tivemos a necessidade de criar a Secretaria de Aviação Civil com status de ministério.
O Brasil é mesmo um dos poucos países que tem uma Justiça do Trabalho?
Veja, os países são soberanos. E cada país tem uma organização judiciária, tem uma forma de conduzir a legislação. Por exemplo, nós aqui no Brasil, na América Latina, temos o direito muito similar ao Direito europeu, então somos absolutamente legalistas. Para tudo tem que ter uma lei. Já o Direito anglo-saxão, no Canadá, Estados Unidos e em outros países, é um sistema muito mais jurisprudencial, e a gente renuncia isso. São poucos os países do mundo que possuem Justiça do Trabalho em relação ao total de países que temos no mundo. Mas tem muitos países que têm Justiça do Trabalho. É muito relativo dizer isso (que são poucos os países com Justiça do Trabalho).
Eu já fui Corregedor Nacional de Justiça Auxiliar no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e uma grande discussão que tínhamos naquela época era sobre a vantagem e a desvantagem de termos varas especializadas. Estou fazendo uma análise macro, não estou fazendo uma avaliação só da Justiça do Trabalho, se vale a pena ou não ter uma vara especializada. E a conclusão que nós chegamos na época era que sim, valia a pena o Brasil ter varas especializadas. Dentro desse contexto, hoje vejo que não é o momento do Brasil anexar a Justiça do Trabalho à Justiça Federal ou eliminar a Justiça do Trabalho. Hoje temos varas especializadas, e essa especialização demorou anos para ser construída. Então, eu não acredito que nesse momento histórico seja adequado eliminarmos ou anexarmos a Justiça do Trabalho. Acredito que essa especialização hoje é muito importante para o Brasil.
Por que é importante?
Justamente por ser especializada. A gente como cidadão brasileiro, quando procura a Justiça e é tratada em uma vara especializada, tem mais velocidade, um aproximamento maior da discussão, do que em uma vara genérica. Então, se a Justiça do Trabalho custa muito caro para o Brasil hoje, está em torno de 30 bilhões de reais ao ano, o que eventualmente pode ser feito, e isso cabe às autoridades competentes decidir, é acertar alguma reestruturação da Justiça do Trabalho, uma redistribuição de forças. Tivemos recentemente uma reforma trabalhista e eu entendo que não é adequado tirar essa especialização nesse momento.
Se os casos trabalhistas tramitassem na Justiça comum, isso poderia trazer morosidade aos processos?
Hoje, temos a Justiça do Trabalho 100% digital. Aliás, ela foi pioneira nisso. Por isso sou contrário à extinção ou anexação da Justiça do Trabalho a outra Justiça, porque temos varas especializadas e isso é importante para o País nesse momento histórico. Se vai haver uma reengenharia judicial, o Poder Judiciário tem um planejamento estratégico. Isso a população até desconhece, mas todo ano o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) discute com todos os tribunais do Brasil, que são 97, de todas as áreas, o planejamento estratégico.
Então, esse tipo de tema de reestruturação de qualquer ramo da Justiça do Brasil, ao meu ver, e institucionalmente falando, deve passar por um planejamento estratégico. E até esse momento isso não foi tratado. O que eu posso lhe assegurar é que esse assunto ainda em que pese o Presidente da República tenha dito a respeito, é ainda muito incipiente, não tem nada de concreto, e merece uma discussão, um debate mais profundo, mais técnico.
Quero crer, como juiz, que isso tem que passar por diálogo, e acredito que o governo faça isso com o Supremo Tribunal Federal. O STF, enquanto órgão máximo do poder judiciário, corte suprema, deve ter voz, ter opinião. Num sistema democrático, deve ser ouvido em relação a qualquer alteração que a Justiça do Trabalho possa eventualmente vir a sofrer.
Em sua primeira entrevista à imprensa, o presidente falou de uma proteção excessiva dos trabalhadores. A existência de uma Justiça do Trabalho tem alguma influência sobre isso?
A lei é protecionista. A CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) foi construída com o raciocínio de proteger o trabalhador. Isso é um fato. Acredito que, até a Reforma Trabalhista, que mudou 209 pontos na legislação brasileira há pouco mais de um ano, nós tínhamos mesmo uma relação muito desequilibrada. Já tínhamos uma legislação antiquada, de 1943. Aí vieram emendando ela, e isso foi criando um excesso de proteção, realmente. E o que procurou a reforma trabalhista? Equilibrar mais essa relação. Porque 83% dos empregadores do Brasil tem a até 14 empregados. Isso é um dado do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada do Governo Federal). Se 83%, a imensa maioria dos empregadores, é de pequeno porte, nós precisávamos trazer essa relação trabalhista para um equilíbrio maior. Porque basta olhar para os macro números do Ipea - hoje, um empregador é o trabalhador de ontem. Quem tem até 14 empregados, cinco, três, quatro empregados, é o cara que era trabalhador ontem. E ele não pode, como num passe de mágica, ter um tratamento tão rigoroso a ponto de inviabilizar ou desestimular o empreendedorismo no Brasil. Isso que a Reforma Trabalhista fez. Agora, dizer que hoje ainda há um excesso de proteção, aí peço licença ao nosso Presidente da República para dizer que depois da Reforma Trabalhista esse excesso de proteção reduziu.
Em relação à Justiça do Trabalho, se você colocar questões trabalhistas na Justiça comum estadual, o juiz estadual hoje não tem nenhuma experiência, não tem um grau de eficácia em relação à norma trabalhista. Assim como um juiz do trabalho não tem nenhuma familiaridade com normas, por exemplo, de Poder Público ou Direito de Família. Cada macaco no seu galho, é o grau de especialização. Então, acredito que hoje a Justiça do Trabalho tem um grau de especialização importante para dirimir as relações de trabalho no Brasil. E por isso ela precisa ser mantida nesse momento histórico. E repito, se vai mexer na estrutura, no tamanho dela, na forma, dar mais assunto para a Justiça do Trabalho julgar, aumentar a competência, isso é uma coisa que precisa ser votada no Congresso Nacional, discutida, etc e tal.
O Poder Executivo tem o poder de pedir a extinção da Justiça do Trabalho, caso decida por fazê-lo?
A extinção de qualquer órgão, seja judicial ou não, especialmente quando é judicial, depende de uma emenda constitucional. Então, segundo a nossa Constituição, são legitimados para fazer alterações na Constituição Federal o presidente do Supremo Tribunal Federal, o Presidente da República, a mesa da Câmara, a mesa do Senado, dentre outro. Então, o Presidente da República, sim, tem legitimidade para redacionar uma emenda constitucional, submeter ao Congresso Nacional e, se aprovado inclusive com quórum especial, diferenciado do que seria uma lei comum, uma lei ordinária, como é para mudar a Constituição, que depende de um quórum especifico, tem que passar na Câmara, tem que passar no Senado, e daí então a Emenda Constitucional passa a valer.