Estudo de Bolsonaro de acabar com Justiça do Trabalho gera críticas de juízes e promotores
O presidente Jair Bolsonaro afirmou existir um estudo para acabar com a Justiça do Trabalho, em entrevista ao SBT, na última semana. "Qual o país do mundo que tem (Justiça do Trabalho)? Tem que ser na Justiça Comum (a análise desses processos)", disse.
O novo presidente afirmou que há um excesso de proteção ao trabalhador e defendeu maior flexibilização de direitos trabalhistas.
A ideia gerou críticas entre os magistrados e promotores. A Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), que representa cerca de 40 mil juízes e membros do Ministério Público no país, divulgou nota ontem em que defende a manutenção da Justiça do Trabalho.
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Um ano após a Reforma Trabalhista, contratações informais seguem em alta Um ano após a Reforma Trabalhista, contratações informais seguem em alta A "supressão" ou a "unificação" da Justiça do Trabalho representa "grave violação" à independência dos poderes, diz a Frentas.
Sua extinção, diz, além de ser contrária ao interesse público, violaria a cláusula da independência dos poderes da República prevista pelo artigo 2º da Constituição.
"A Justiça do Trabalho tem previsão textual no art. 92 da Constituição da República, em seus incisos II-A e IV (mesmo artigo que acolhe, no inciso I, o Supremo Tribunal Federal, encabec¸ando o sistema judiciaário brasileiro). Sua supressaão– ou unificacão– por iniciativa do Poder Executivo representará grave violação à cláusula da independência harmônica dos poderes da República (CF, art. 2o) e do sistema republicano de freios e contrapesos", afirma a nota da frente.
A entidade diz ainda que "não é real a recorrente afirmação de que a Justiça do Trabalho existe somente no Brasil". "A Justiça do Trabalho existe, com autonomia estrutural e corpos judiciais próprios, em países como Alemanha, Reino Unido, Suécia, Austra´lia e Franc¸a. Na absoluta maioria dos países há jurisdição trabalhista, ora com autonomia orgânica, ora com autonomia procedimental, ora com ambas", diz.
A nota prossegue. "A Justiça do Trabalho não deve ser ‘medida’ pelo que arrecada ou distribui, mas pela pacificação social que tem promovido ao longo de mais de setenta anos. É notória, a propósito, a sua efetividade: ainda em 2017, o seu Índice de Produtividade Comparada (IPC-Jus), medido pelo Conselho Nacional de Justiça, foi de 90% (noventa por cento) no primeiro grau e de 89% (oitenta e nove por cento) no segundo grau."
'Uma temeridade'
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, considera "uma temeridade" esperar que os juízes comuns possam julgar as ações "da noite para o dia".
Isso porque nos concursos de admissão ao cargo não há sequer avaliação sobre as questões trabalhistas.
Ele entende que se o problema é uma legislação excessivamente protecionista e essa seria a causa da quantidade de processos que existe hoje, como afirmou o presidente, o "equacionamento proposto não condiz com o diagnóstico que foi feito". "Há um claro vício na relação entre causa e consequência. Seria como culpar a janela pela paisagem", diz.
Mudança na Constituição
A pretensão do presidente de transferir os processos trabalhistas para a Justiça Comum não é algo que possa ser executado com facilidade, afirmam especialistas. Primeiro porque dependeria da aprovação no Congresso de uma mudança constitucional, o que demanda quórum qualificado, e depois pela própria dificuldade que haveria em desenhar uma nova estrutura para o Judiciário.
Para que haja mudança, é necessário que uma proposta de emenda à Constituição (PEC) seja aprovada no Congresso. O trâmite se inicia na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e, no plenário, precisa de votação em dois turnos e aprovação de pelo menos 308 de um total de 513 deputados.
Um ritual parecido se repetiria no Senado: comissão especial, votação em dois turnos e concordância de ao menos 60% dos senadores em cada um deles.
*Com agências