Na semana passada, Fux havia dito que benefício cairia assim que o aumento entrasse em vigor
SÃO PAULO - Embora o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), tenha dito há uma semana que juízes não receberão cumulativamente o auxílio-moradia e o reajuste salarial, líderes da categoria rejeitam a ligação entre o fim do benefício ao aumento nas carreiras do Judiciário. Ainda sem sanção do presidente Michel Temer, o aumento de 16,38% no salário dos ministros do Supremo (que incide sobre toda a categoria) foi aprovado pelo Senado há duas semanas. Entidades de classe de juízes e procuradores dizem que o impacto do aumento será menor do que o que vem sendo divulgado.
Fux é o relator de uma ação sobre o auxílio-moradia que corre no Supremo. Semana passada, em entrevista à TV Globo, ele disse que o benefício cairá "tão logo implementada a recomposição" salarial . Nesta segunda-feira, durante reunião em São Paulo, líderes da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) afirmaram que vão respeitar a decisão do Supremo, embora entendam que os dois fatos não têm relação:
- Os dois fatos não são relacionados. O auxílio-moradia está sendo discutido no Supremo Tribunal Federal há muito tempo. Ele entrou na pauta em dezembro do ano passado e nesse meio tempo continuamos a luta pelo nosso reajuste, que vem desde 2015. Fizemos manifestações e entregamos um abaixo-assinado de magistrados à ministra Carmen Lúcia, tratando de reajuste. É o nosso foco - disse José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.
Os magistrados e procuradores disseram reconhecer a situação econômica e fiscal atual do Brasil, mas afirmaram que existe um "preconceito" com o aumento de salário de magistrados, que representa o teto do funcionalismo. Lembraram, para isso, que várias outras categorias do funcionalismo já receberam reajuste válido para este ano, como Defensoria Pública da União, auditores-fiscais do Trabalho e delegados federais. E afirmaram que a ex-presidente do STF, Carmen Lúcia, se equivocou ao ter retirado de pauta a discussão sobre o reajuste de salários por conta do momento de crise no país.
- Com todo o respeito à ex-presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, ela estava equivocada no postergamento do aumento. Não há nenhum aumento de gasto público do ponto de vista macro-econômico, nem impacto nos gastos - disse Robalinho.
Reunidos na sede da Associação Paulista do Ministério Público, juízes promotores e procuradores afirmaram que há muita "desinformação" e "chutes de valores" sobre o reajuste, e negaram que o aumento agora previsto de 16,4% nos salários tenha impacto de bilhões no orçamento público. Segundo eles, desde o último aumento, em 2015, já tiveram perda de poder de compra de 41%, e que o reajuste anual é direito previsto pela Constituição.
- Estudos internos do próprio STF mostram que o impacto seria de R$ 2,7 milhões no Supremo e de R$ 717 milhões em todo o Poder Judiciário. Mas não seria isso a mais no orçamento. Esses valores serão remanejados internamente. Se há sacrifícios, serão feitos internamente, sem prejuízo do serviço - afirmou Guilherme Guimarães Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e coordenador da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas).
Segundo os líderes da Frentas, não haveria "efeito cascata" imediato de aumento em outras categorias de funcionalismo, uma vez que "o aumento não é automático".
- Qualquer reajuste terá que passar pelo Congresso ou Assembleias Legislativas. Não há automaticidade. Agora, poderiam dizer que esse seria um estímulo para que outras carreiras busquem o reajuste. Mas essa é uma questão política que deve ser pensada pelos Parlamentos. Nas carreiras da União, os agentes do Estado já tiveram revisões salariais. Menos na Magistratura e no Ministério Público, por conta dessa cantilena de que haveria um efeito cascata - disse Feliciano.
O coordenador da Frentas afirmou, ainda, que o reajuste é também uma "garantia da independência" no exercício do cargo, que é de dedicação exclusiva (há autorização ainda para docência). E disse não ver razões para um eventual veto de Temer ao reajuste.
- Ele pode vetar, mas teríamos que ver qual seria a justificativa. Se isso acontecer, vamos conversar entre os juízes e membros do MP e decidir o próximo passo. Mas esperamos a sanção, porque não há impedimento do ponto de vista técnico-jurídico nem econômico. Nenhuma revisão no campo do funcionalismo público jamais será popular. Assim como qualquer aumento no campo do salário mínimo será, sim, popular. Mas não é isso que deve definir um veto - afirmou Guilherme Feliciano.
Em relação ao novo governo, os magistrados afirmaram que ainda não houve conversas com a equipe de transição do presidente eleito Jair Bolsonaro. Mas afirmaram "disposição de diálogo" em temas como "combate à corrupção, responsabilidade fiscal e também política remuneratória".