A concentração de renda que o reajuste de 16,38% para magistrados e procuradores da República pode provocar no país, além do aprofundamento da crise político-econômica -- pelo reflexo imediato em outro Poderes --, foram os principais motivos alegados na ação popular movida no fim de semana pelo advogado Carlos Alexandre Klomfahs para tentar impedir que o aumento seja incluído no orçamento de 2019. As razões são endossadas por analistas de contas públicas, que apontam para a necessidade de cortar despesas para reduzir o deficit orçamentário da União e dos estados, mas criticadas por integrantes do Poder Judiciário.
Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2017, Klomfahs aponta que 50% dos brasileiros ganham por mês, em média, 15% a menos que o salário mínimo -- dos quase 100 milhões de trabalhadores ativos, 44 milhões recebem R$ 747,00 por mês. Ou seja, 10% da população concentra 43,3% da renda do país. Essas carreiras que pleiteiam os 16,38% estão entre os 1% que ficam no topo, com renda média de R$ 27.213 por mês, ou 36,1 vezes mais que a metade mais pobre da população.
No entender do economista Pedro Nery, consultor legislativo do Senado, a comparação com a parte mais pobre está correta. "É verdade que algumas carreiras estão há anos sem reajuste e que a correção está prevista na Constituição. Mas a recuperação da economia é lenta e a recessão foi forte. É difícil para um Estado em que a arrecadação caiu reajustar qualquer coisa", pondera. A contaminação do aumento em outros poderes e esferas também faz sentido. "Onde passa boi passa boiada. Além do impacto direto dos 16,38% no Judiciário e no Legislativo, existe uma vinculação não informal entre carreiras: a remuneração de uma é a referência para outra. A pressão por reajustes aumenta e isso é difícil de mensurar", reforçou.
Crise
Nery lembrou que o ritmo de crescimento da arrecadação federal vem caindo. Em janeiro, de acordo com a Receita Federal, subiu 10,12%, em fevereiro, 10,34%, em março, 8,42%, em abril, 8,27%, e, em maio, 7,81%. "O país passa por uma crise. O governo não tem como dar reajuste", diz Nery.
Mas, no entender de Guilherme Feliciano, presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), a iniciativa de Klomfhs foi "infeliz e demagógica". "Não se sabe ainda o custo disso tudo e se o parlamento vai ou não aprovar, com essa ou outra alíquota. Se ele queria acabar com a concentração de renda, havia outros caminhos. Deveria ingressar com uma ação obrigando o governo a taxar dividendos", critica.
Feliciano diz que "é uma incoerência brigar contra os 16,38%, enquanto há quem receba mais de R$ 1 milhão de dividendos e não contribua com um centavo sequer para a União". Ele assinalou também que nenhuma ação pode evitar que o parlamento cumpra sua missão, que é a de analisar a peça orçamentária e o Executivo, mesmo que queira, não pode deixar de enviar o Orçamento de 2019 para o Legislativo. Ângelo Costa, presidente da Associação Nacional do Ministério Público do Trabalho (ANPT), disse que a maior falha na ação popular foram os "argumentos falaciosos". "Os 16,38% dizem respeito à defasagem de vários anos, que supera os 40%. O salário mínimo tem aumento real. Nossos subsídios, não", alega.
Além disso, segundo Ângelo Costa, outro equívoco do advogado foi achar que "um juiz pode se imiscuir na proposta orçamentária, que cabe apenas ao Congresso analisar".
O advogado Carlos Alexandre Klomfahs argumentou que a questão orçamentária diz respeito à opinião pública, que paga 40% da renda ao governo na forma de impostos diretos e indiretos. "Além disso, é importante fomentar a discussão, deixar o debate em aberto, independentemente de um juiz -- categoria que vai se beneficiar com os 16,38% -- aprovar ou não. Na verdade, não estou sozinho. Quatro ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) também votaram contra o aumento, inclusive a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia", justificou Klomfahs.