Entidades que atuam no combate ao trabalho escravo relançaram hoje (23), em Brasília, o chamado Movimento Ação Integrada, instância criada em 2012 que reúne diversas entidades para fortalecer, consolidar e implementar iniciativas conjuntas para prevenir o trabalho análogo ao escravo e oferecer assistência às vítimas do crime.
O movimento foi criado a partir da experiência que a Superintendência do Ministério do Trabalho em Mato Grosso implementou em 2009, que permitiu parcerias entre órgãos públicos e privados que pudessem colaborar para a qualificação das ações de prevenção e combate ao trabalho escravo. O relançamento do movimento acontece durante a Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, que começa hoje e vai até domingo (28) .
Em 2012, com a criação do Movimento Ação Integrada, a experiência mato-grossense passou a ser reproduzida em outras unidades da federação, como Bahia e Rio de Janeiro, onde programas de Ação Integrada foram implementados, respectivamente, em 2013 e 2014. Instituições como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Ministério Público Federal (MPF) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) passaram a somar forças com o movimento que, segundo os organizadores, atualmente está presente em oito estados: Ceará; Maranhão; Pará, Piauí e Tocantins, além de Mato Grosso, Bahia e Rio de Janeiro.
Em 2016, as instituições que já integravam o Movimento Ação Integrada decidiram criar o Instituto Ação Integrada (Inai), uma associação sem fins lucrativos legalmente constituída para articular políticas públicas e iniciativas do setor privado ou da sociedade civil para promover a inclusão socioeconômica de trabalhadores resgatados do trabalho escravo, além de famílias e comunidades vulneráveis. Com o relançamento do programa, hoje, o Inai passará a operacionalizar as parcerias nos estados.
O auditor fiscal do trabalho Valdiney de Arruda, que era superintendente Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso quando o projeto que deu origem ao movimento foi implementado, conta que, até hoje, a lógica do projeto é fazer com que as instituições envolvidas compreendam que a reintegração de trabalhadores resgatados vai além do resgate em si e exige a articulação de políticas públicas para capacitá-los.
Não é algo fácil. É preciso haver uma vontade muito grande de alterar as regras de acesso às políticas públicas de elevação educacional e qualificação profissional que atenda a especificidade do público, disse Arruda à Agência Brasil. Segundo ele, a experiência mato-grossense serve de exemplo e mostra como capacitar e proteger trabalhadores resgatados ou vulneráveis de forma a evitar que sejam aliciados ou iludidos por empregadores que sujeitam as pessoas ao trabalho escravo.
Novas adesões
Para o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Carlos Silva, o relançamento do movimento, com a adesão da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e da Defensoria Pública da União (DPU), fortalece a iniciativa.
É uma forma de respondermos com uma agenda positiva, às várias ameaças que o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo [lançado em 2003] vem sofrendo nos últimos anos, comentou Silva, referindo-se, entre outros aspectos, à polêmica envolvendo a publicação, em novembro de 2017, de uma portaria do Ministério do Trabalho que alterava as regras de fiscalização do trabalho escravo e de divulgação da chamada Lista Suja. Diante das críticas de entidades nacionais e internacionais, o governo publicou uma segunda portaria revendo os pontos mais polêmicos.
Atuando de forma integrada, as entidades conseguem potencializar as atividades e ações realizadas para atender as pessoas vulneráveis ao trabalho escravo, como as iniciativas preventivas que promovam a elevação da escolaridade e a profissionalização dos trabalhadores. Essa é a forma mais eficaz de enfrentamento ao círculo vicioso do trabalho escravo, disse Silva.
Conceito
Presente no relançamento do Movimento Ação Integrada, o presidente da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, Hugo Cavalcanti Melo Filho, disse que parte das frequentes críticas à atuação dos auditores fiscais e dos questionamentos ao conceito de trabalho análogo ao escravo vem de setores interessados na exploração sem limites da força de trabalho alheia.
Se o conceito de trabalho escravo for flexibilizado de forma a permitir que certas práticas sejam toleradas, o país estará assegurando uma possibilidade ainda maior de que os trabalhadores vulneráveis sejam explorados. A sociedade brasileira não pode tolerar isso, disse o magistrado, que integra o Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (FONTET), criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2015.
Lista
Apesar dos elogios à experiência mato-grossense, o estado ocupa o segundo lugar na lista do Observatório Digital do Trabalho Escravo entre unidades da federação onde auditores-fiscais do trabalho mais resgataram trabalhadores, entre 2003 e 2017, atrás apenas do Pará, e à frente de Goiás e Minas Gerais.
Elaborada pelo Ministério Público do Trabalho, a lista do Observatório indica que, entre o lançamento do I Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, em 2003, e abril de 2017, 43.428 trabalhadores foram resgatados. Quase 62% dessas pessoas se identificatam como negras, pardas, mulatas ou mestiças; 95% eram do sexo masculino; 32% eram analfabetos e 40% tinham estudado apenas até o 5º ano do ensino fundamental.
Operações
O Ministério do Trabalho admite que, nos últimos anos, em virtude de cortes orçamentários e do menor número de auditores fiscais, diminuiu o número de operações das Superintendências Regionais do Trabalho para fiscalizar o trabalho análogo a escravidão. O ministério informa, no entanto, que tem remanejado recursos para permitir que equipes do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo realizem uma média de quatro ações mensais, a partir de denúncias que chegam de todo país.
De acordo com a pasta, a quantidade de auditores diminuiu porque não houve concurso público para preencher vagas de servidores que se aposentaram. O Ministério do Trabalho diz que já solicitou autorização para realizar concurso público para preencher 1.190 vagas, mas o pedido ainda não foi analisado.