Empreendedores aguardam desenrolar das novas regras no Congresso e na Justiça
Reforma trabalhista: o que muda para os pequenos empresários Empreendedores aguardam desenrolar das novas regras no Congresso e na Justiça
Escritório do Comunique-se no Rio - Lucíola Villela / Agência O Globo
RIO - A reforma trabalhista vale desde sábado passado, mas agora está no Congresso e ainda pode ser modificada. Na terça-feira, o presidente Michel Temer publicou a medida provisória (MP) com mudanças no texto, como questões ligadas ao trabalho intermitente e às condições para gestantes em locais insalubres, por exemplo. Neste cenário de incerteza, as pequenas e médias empresas estudam os pontos e aguardam o término das decisões para começar a implementar mudanças nos negócios. O questionamento jurídico que alguns pontos podem causar também deixam o empreendedor em compasso de espera.
Aguardar para fazer alterações é a palavra de ordem. O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, considera que há muitos pontos controversos no texto, desde a tramitação:
- Propusemos que a reforma voltasse à Câmara, mas tudo foi aprovado de afogadilho. Algo com tal dimensão, que mexe com direito no trabalho, não poderia ser discutido em apenas quatro meses. Um exemplo é o Novo Código de Processo Civil, que tramitou por cinco anos e ainda teve um tempo de um ano para adaptação. A reforma trabalhista tem muitos vícios e uma série de pontos que geram discussão judicial.
Feliciano lembra que o trabalho intermitente - que permite jornadas descontínuas por apenas algumas horas ou dias na semana - , por exemplo, está sendo discutido no Supremo Tribunal Federal.
- Os pequenos empresários devem aguardar a decisão do Supremo para fazer qualquer contratação ou mudanças no contrato de seus funcionários - aconselha ele, afirmando que a criação de mais empregos, argumento usado para o governo para incluir este tipo de contrato, pode ser uma falácia:
- Em tese, o trabalho intermitente serviria para trazer para a formalidade os informais. No entanto, pode resultar em uma migração de uma modalidade mais protegida para uma menos protegida. No México, por exemplo, foram criadas 1, 2 milhão de novas vagas neste tipo de contrato precário e, por outro lado, foram extintas 1,2 milhão de vagas ordinárias - conta ele.
Fernando Blower, sócio do Meza Bar, analisou a reforma e acompanha o desenrolar jurídico para implementar alguma alteração em seus quadros. No seu tipo de comércio, ele considera que a jornada intermitente seria interessante por conta da movimentação de clientes.
- Em bares, é comum ter uma sazonalidade dentro da semana. Na sexta-feira e no sábado, o fluxo é maior - considera.
- Ana Branco / Agência O Globo
FLEXIBILIZAÇÃO
Outro ponto que chamou atenção do empresário é o que trata das férias fragmentadas, segundo ele um pleito antigo dos funcionários. As férias continuarão a ser de 30 dias de descanso remunerado, que poderão ser divididos em até três períodos, desde que um deles não seja inferior a 14 dias e os demais não inferiores a cinco dias corridos. Era possível dividir o descanso, em casos extraordinários, somente em apenas em duas partes.
- Para uma empresa pequena, com poucos empregados, o fracionamento reduz o impacto da ausência do profissional no dia a dia - considera Blower, que tem 19 funcionários.
Neste aspecto, Everton Generoso, diretor de Negócios do Grupo Insigne-Audiplanus, especialista em contabilidade, considera que o parcelamento das férias será muito importante no planejamento e no cronograma das atividades da empresa. Em sua opinião, as mudanças trazem grande incentivo econômico para o empreendedorismo, que levará à abertura de mais vagas de emprego e de aumento no consumo.
- As micro e pequenas empresas sofrem com alto custo burocrático, litígios e insegurança jurídica. O principal ponto da reforma é flexibilizar os contratos de trabalho, atribuindo as decisões acordadas entre empregador e empregado, individualmente, aos acordos coletivos de cada categoria - considera.
PONTOS NEBULOSOS
Rodrigo Azevedo, CEO e fundador do Grupo Comunique-se (de comunicação e com diversas plataformas em nuvem de marketing de influência), também analisou as regras da reforma. Ele acredita que a nova lei permite clarear alguns itens nebulosos nos contratos de trabalho que pareciam corretos, mas a lei não deixava.
Ele cita, por exemplo, o item que trata da demissão em comum acordo da empresa e do empregado, que agora passa a ser legal. Por esse mecanismo, a multa de 40% do FGTS é reduzida para 20%, e o aviso prévio fica restrito a 15 dias. Além disso, o trabalhador tem acesso a 80% do dinheiro da conta do Fundo, mas perde o direito a receber o seguro-desemprego.
- Era algo muito utilizado no mercado, mas realmente não era justo que o empregado fizesse um acordo com a empresa por querer sair e ainda pudesse usar o seguro-desemprego - avalia ele, que também aguardar as idas e voltas da medida.
A flexibilização também é destacada pela analista do Sebrae/RJ Marcelle Rodrigues como ponto alto da reforma. Em sua opinião, para negócios iniciantes, ter um contrato pré-moldado dificultava o desenvolvimento.
- Toda reforma tem seus impactos. Nesta, a flexibilização dos instrumentos agrega para os pequenos - opina.
Marcelle lembra que dois pontos da reforma são exclusivos para os pequenos e médios negócios: o valor do depósito recursal será reduzido pela metade para as MPEs e a multa para empregado não registrado passa de um salário mínimo para R$ 3 mil - mas as pequenas pagarão menos: R$ 800 por funcionário.
HOME OFFICE GANHA FORÇA
Organização de estímulo ao empreendedorismo, a Endeavor tem percebido as inquietações dos empreendedores sobre a reforma trabalhista. O diretor geral da entidade, Juliano Seabra, diz que todos os dias chegam muitos questionamentos sobre a implementação das regras recentes.
- A Endevor tem uma série de materiais disponíveis em seus sites para ajudar na tomada das decisões. O desafio de implementação nas empresas menores é que empreendedor está sempre girando "vários pratinhos" ao mesmo tempo, ou seja, todo dia é um grande desafio - diz Seabra. O Sebrae também tem um extenso material em seu site para ajudar o pequeno empresário.
Para ele, a reforma cria oportunidades para o empreendedor tornar o negócio mais produtivo, assim como atrair um tipo de funcionário mais qualificado, especialmente com a mudança sobre a terceirização. Isto porque a reforma torna explícita a liberação da contratação de trabalhadores terceirizados para exercer qualquer função na companhia, até mesmo sua atividade-fim, ao criar uma série de regras para isso.
Uma delas é que o texto determina que é necessário esperar no mínimo 18 meses para poder contratar novamente o mesmo empregado, como terceirizado, após a demissão. Outro item é a livre estipulação das regras do contrato de trabalho, o que torna mais fácil a ontratação de executivos, inclusive por empresas de menor porte.
Seabra considera que, na antiga legislação, a única lógica era de que só existia um tipo de empresa.
- E, na prática, isto não verdade. No caso da jornada de trabalho, para algumas empresa, como bares e restaurantes, o trabalho intermitente é interessante. Para outras, como as de tecnologia, o home office é uma boa alternativa - considera ele.
A regulamentação do teletrabalho veio criar regras claras para algo que já é feito por muitas startups e PMEs, especialmente no setor de TI. Estas já têm como característica relações de trabalho mais flexíveis, como horário do expediente e atuação fora do escritório. O home office já era previsto na CLT, mas agora tudo que o empregado usar em casa deverá ser negociado e formalizado por escrito com o patrão, por meio do contrato de trabalho.
O funcionário ainda manterá garantias trabalhistas e previdenciárias, como depósitos de INSS, Fundo de Garantia, 13º salário e férias, mas nada sairá do controle da jornada de trabalho. Assim, não terá direito ao pagamento de horas extras, por exemplo.
A prática é realidade na Câmbio Store desde o início da startup de câmbio. Mais da metade dos 15 funcionários já trabalha de casa e, agora, com as mudanças das regras, a empresa pretende aumentar a equipe, com mais gente neste sistema de trabalho
- A vantagem é conseguir capturar talentos do Brasil inteiro. A maioria deles prefere trabalhar de madrugada por causa do silêncio - - diz Bruno Ferreira, CEO da Câmbio Store.
O monitoramento de horários e tarefas são automatizados.
- O home office é uma questão de adaptação mais do profissional do que da empresa. A cobrança vai ser a mesma do modelo presencial: tem que ter disciplina para fazer entregas em alto nível - considera Bruno