Qualidade dos trabalhos intermitentes, previstos na nova lei, é questionada
BRUNO MIRRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A flexibilização da legislação trabalhista proposta pela reforma que entrou em vigor neste sábado (11) pode ser um meio de modernizar as relações de trabalho e criar novos empregos. Porém, a qualidade dos postos de trabalho e a dinâmica que isso trará ao mercado é alvo de discussão.
Um dos pontos centrais da reforma é a contratação intermitente, nova categoria de posto de trabalho para prestação de serviço que permite o contrato por horas, dias ou meses sem continuidade.
Para os favoráveis à medida, ela pode elevar a produtividade e gerar empregos; já os contrários a consideram um retrocesso que precariza as relações trabalhistas.
"Contrato intermitente significa, para o trabalhador, administrar uma ansiedade sem fim. É viver com orçamento rígido, mas com salário flexível", diz Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese.
Em países que flexibilizaram leis trabalhistas de maneira similar, empregos seguros migraram para inseguros, segundo Clemente, que cita o exemplo da Espanha, onde uma em cada cinco pessoas tem emprego seguro.
No time dos que defendem a reforma trabalhista, Gesner Oliveira, professor da FGV, acha que a nova legislação deve aumentar a produtividade do mercado de trabalho por ampliar o regime de contratação. A nova lei, diz Gesner, vai garantir ao trabalhador informal direitos similares ao trabalhador comum.
"Existe uma enormidade de atividades que fazem parte de uma economia de serviços e que estavam na informalidade. Agora vai ter mais proteção, a pessoa vai receber 13º, o equivalente a férias", declarou Gesner.
O juiz Guilherme Feliciano afirma que para um funcionário de bufê é natural trabalhar com intermitência. "Faz sentido que esse trabalhador se sujeite a um contrato desse tipo. O problema é começar a promover intermitência em atividades permanentes. Corre-se o risco de isso criar uma precarização do trabalho", afirmou.
Marcel Domingos Solimeo, superintendente institucional da Associação Comercial de São Paulo, tem a avaliação de que o país deu um passo para acompanhar o processo de constante metamorfose nas relações do mercado de trabalho.
"Nossa legislação é muito antiga, foi pautada no processo industrial da época. O mundo mudou. Não sabemos que tipo de emprego estará disponível daqui a dez anos. Uma lei que tenta regular e prever tudo não serve."
O QUE MUDA
Além da contratação de funcionários para trabalhos esporádicos com remuneração equivalente ao tempo trabalhado, a lei formaliza uma já conhecida relação trabalhista nacional, o bico.
Entre as garantias previstas pela nova legislação estão o pagamento de benefícios da Previdência e INSS, antes inexistentes, explicou Carlos Eduardo Vianna Cardoso, sócio-coordenador do setor trabalhista do escritório Siqueira Castro Advogados.
Há também condicionantes: a remuneração do trabalhador intermitente não pode ser inferior a um salário mínimo (dividido por horas trabalhadas) nem menor do que a paga a um contratado que exerça a mesma função.
Os contratos intermitentes não têm carga horária mínima, embora mantenham os limites de 44 horas semanais e 220 horas mensais.
Se a parte contratada descumprir o contrato firmado, estará sujeita a multa de 50% da remuneração a ser paga no prazo de 30 dias. Nesse tipo de contratação também está prevista a demissão com ou sem justa causa.
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"A lei não obriga o trabalhador a nada. Não é para o empresário chegar amanhã e decidir que [o empregado] vai trabalhar em home office. O interesse das partes está acima de tudo"
LUCIANA FREIRE
diretora-executiva jurídica da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)
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"A jurisprudência irá se uniformizar com o tempo. Haverá debate, ainda mais para uma lei de tamanha envergadura e feita às pressas. Debate é democrático e deve ser feito"
GUILHERME FELICIANO
presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho)
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"A legislação pode gerar conflitos entre empresas e trabalhadores, o que pode minar a produtividade. É determinante ampliar o espaço para o diálogo"
CLEMENTE GANZ LÚCIO
diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos)
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"Muita gente fala que as mudanças na legislação podem precarizar as condições de emprego, mas não existe nada mais precarizado do que o desemprego"
MARCEL SOLIMEO
diretor do Instituto de Economia Gastão Vidigal, da Associação Comercial de São Paulo
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"No início, vamos ter decisões judiciais em linhas totalmente opostas, até que as decisões sejam pacificadas, e isso acontecerá nos próximos meses e até anos"
CARLOS EDUARDO VIANNA CARDOSO
sócio-coordenador do setor trabalhista do escritório Siqueira Castro Advogados