Quatro entidades e a Procuradoria-Geral da República pedem a impugnação de pontos da nova lei
Matheus Teixeira
A reforma trabalhista, que alterou mais de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho e determinou que o acordado prevalece sobre o legislado, passa a valer neste sábado (11). Não dá para saber, no entanto, se todas as alterações na relação entre patrão e empregado irão se concretizar a longo prazo. Isso porque o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não julgou as cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade que questionam trechos da Lei 13.467, aprovada pelo Congresso Nacional em agosto.
A Procuradoria-Geral da República, por exemplo, apresentou uma ADI no STF contra a nova regra que obriga o pagamento de honorários periciais e advocatícios de sucumbências (quando a parte derrotada deve arcar com os custos da vencedora), mesmo para quem tem direito à Justiça gratuita.
Na ADI 5.766, o então PGR Rodrigo Janot afirma que, “com propósito desregulamentador e declarado objetivo de reduzir o número de demandas perante a Justiça do Trabalho, a legislação avançou sobre garantias processuais e violou direito fundamental dos trabalhadores pobres à gratuidade judiciária”. O relator desta ação é o ministro Luís Roberto Barroso, enquanto as outras quatro são relatadas pelo ministro Luiz Edson Fachin.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores de Segurança Privada (Contrasp) também foi ao Supremo para questionar as mudanças na CLT. Na ADI 5.806, a entidade pede que o trecho da legislação que permite o trabalho intermitente, ou seja, a contratação de funcionário para trabalhar esporadicamente e pagá-lo apenas pelo período em que prestou o serviço, seja revogado.
Na peça, a confederação argumenta que não há margem para dúvidas quanto aos malefícios dessa espécie de contrato de trabalho, sobretudo pelo fato de ser baseada em uma “concepção maldosa e claramente inconstitucional”. Também ressalta o fato de contratado para o trabalho intermitente “não ter qualquer garantia de remuneração e de jornada de trabalho mínimas, não sabendo se trabalhará algo, nem muito mesmo se no final do mês terá qualquer salário”.
Na ADI, a Contrasp também questiona o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, assim como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos (Conttmaf), que protocolou uma ação no STF com o mesmo objetivo. A Conttmaf alega que o Brasil não dispõe de defensoria pública do trabalho e que a lei que trata da prestação de assistência judiciária trabalhista (Lei 5.584/70) ordena que os trabalhadores carentes sejam assistidos pelo sindicato da respectiva categoria.
A confederação lembra que a legislação obriga os sindicatos a assistirem os trabalhadores, inclusive os não associados, sob pena de os diretores do sindicato serem punidos caso recusem o serviço.
A Central das Entidades de Servidores Públicos (CESP) também foi ao STF contra o fim da contribuição sindical. Na visão da CESP, a reforma reduz o sindicalismo brasileiro à inexistência ou à substituição por comissões de representação informal. “Será o retorno da velha dependência dos entes sindicais aos favores dos patrões, como acontecia antes da Constituição de 1937. Os gestores públicos poderão administrar e legislar tranquila e serenamente sem a resistência significativa dos trabalhadores para o equilíbrio das relações laborais”, ressalta.
Para a entidade, a reforma, aprovada de maneira “abrupta e inconstitucional”, fará os sindicatos perderem a capacidade de representação, de assistência e de defesa.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias em Geral e Logística é outra entidade a pleitear no Supremo a revogação do trecho da lei que torna opcional a contribuição sindical. Para a confederação, não faz sentido a Constituição definir que cabe aos sindicatos defender os interesses coletivos das categorias, inclusive em questões judiciais e administrativas, sem que haja uma sustentação financeira para as entidades fazerem isso.
MAGISTRADOS RESISTEM
Além do fato de as ações ainda poderem ser eventualmente julgadas procedentes, não há uma certeza sobre a aplicação da reforma devido à resistência de magistrados trabalhistas. Mês passado, em evento da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, pelo menos 344 juízes e desembargadores, 70 auditores fiscais e 30 procuradores do trabalho aprovaram teses contrárias à reforma. Eles sustentam que vários trechos da nova legislação não serão levados em consideração pela Justiça porque contrariam a Constituição e tratados internacionais.
Em maio, enquanto o Congresso Nacional analisava a reforma, 17 dos 27 ministros do Tribunal Superior do Trabalho entregaram um documento aos líderes do Legislativo em que alegavam que a reforma enfraquece os direitos dos trabalhadores e cria regras restritivas no âmbito do Direito Processual do Trabalho.
A reforma também divide advogados trabalhistas. Fábio Ferraz dos Passos, que atua no TST, afirma que a reforma elimina direitos fundamentais garantidos pela Constituição e que as mudanças na lei não irão gerar mais empregos, como alega o governo federal. “Na minha opinião, a nova legislação veio sobretudo para dificultar o acesso do trabalhar à Justiça do Trabalho. Com isso, de fato pode haver um enxugamento das ações trabalhistas, como se deseja, mas as garantias constitucionais serão deixadas de lado”, afirma.
Ele acredita que a reforma irá limitar o poder normativo da Justiça do Trabalho e o poder jurisprudencial do TST, uma vez que a lei apresenta um rol taxativo de posições que a Justiça tem de tomar em determinadas situações.
O advogado trabalhista James Augusto Siqueira, no entanto, discorda de Passos. Para ele, a mudança é uma “grande evolução” na legislação trabalhista. Além de diminuir a litigiosidade, ele acha que a reforma fortalecerá os sindicatos. “Vai trazer o sindicato para mais perto da empresa, pois a nova lei prevê que em firmas com mais de 200 funcionários os empregados terão direito a formar uma comissão para facilitar o diálogo com o patrão”, explica.
A permissão para contratos intermitentes, segundo ele, irá trazer milhares de trabalhadores para a formalidade. Siqueira também critica o fato de magistrados darem declarações públicas contrárias à reforma. “Ao juiz cabe cumprir a lei”, critica.
TERCEIRIZAÇÃO
No Supremo, outras cinco ações questionam a lei que autoriza a terceirização em atividade-fim — antes só era permitido em atividade-meio. Três ADIs foram apresentadas por confederações de trabalhadores e as outras duas, pelo PT e pelo PCdoB. As ações, que estão sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, alegam que a lei precariza o direito dos trabalhadores, uma vez que a média salarial de terceirizados é mais baixa do que servidores efetivos, entre outras críticas.
As cinco ações alegam a inconstitucionalidade da legislação, que já está valendo, por ofender o princípio da dignidade da pessoa; a consagração dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; a busca pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária; e a prevalência dos direitos humanos.