Por: Marta Sfredo
Embora tenha sido chamada de "mini", a reforma trabalhista altera cem pontos da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. Há vários detalhes que é preciso conhecer para entender seu alcance. Para aprofundar o tema, a coluna pediu ajuda para um especialista que vê mais benefícios do que prejuízos (Flávio Sirangelo) e outro que vê o oposto (Germano Siqueira).
A proposta foi apontar o que é ou não verdade na opinião de cada um. Funciona assim: clique nas sentenças, que representam mitos para os especialistas, e confira a argumentação.
Duas visões sobre mitos e verdades da reforma no trabalho
Flávio Sirangelo
Advogado e ex-presidente do TRT
Haverá jornadas diárias de até 12 horas.
O projeto da reforma não altera as regras da CLT sobre jornada (art. 58): o limite segue de oito horas diárias e as extras, se houver acordo, não podem exceder a duas diárias. Esse limite, assim como as 44 horas de jornada máxima semanal, está na Constituição. A possibilidade de 12 horas seguidas por 36 horas ininterruptas de descanso está prevista em casos excepcionais (art. 59-B) e visa a situações de categorias específicas, que já usam esse sistema por peculiaridades do trabalho, como vigilantes, trabalhadores em enfermagem e portaria, por exemplo.
Perda de direitos com jornada flexível.
A CLT permite contratos em tempo parcial que não excedam a 25 horas semanais. O projeto altera em parte o art. 58-A para permitir até 26 horas semanais, com a possibilidade de no máximo seis horas extras semanais; e de até 30 horas semanais sem horas extras. O projeto iguala as férias nesse regime às dos contratados com prazo determinado e permite conversão de um terço das férias em dinheiro (art. 58-A, parágrafos 6º e 7º).
Não haverá mais férias de 30 dias.
O projeto altera o art. 134 da CLT para permitir que as férias sejam usufruídas em até três períodos, se o empregado concordar. Uma das pausas não poderá ser inferior a 14 dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco cada um. O projeto revoga a proibição de fracionamento das férias aos menores de 18 anos e aos maiores de 50 anos de idade. O projeto proíbe que o início das férias ocorra nos dois dias que antecedem feriado ou dia de repouso semanal remunerado.
O empregado poderá receber só a metade da rescisão.
Nada muda quando a rescisão ocorre por despedida ou pedido de demissão. As verbas trabalhistas serão devidas pela metade só nos casos em que o fim do contrato for decidido em comum acordo entre empregado e empregador (art. 484-A). É o chamado distrato, não previsto na CLT. Nesse caso, aviso prévio e indenização sobre o saldo do FGTS (a multa de 40%), serão pagos pela metade. As demais verbas trabalhistas serão pagas integralmente. O empregado poderá movimentar até 80% do valor do FGTS, sem pedir seguro-desemprego.
Horas in itinere retiram direitos.
Altera o parágrafo 2º do art. 58 da CLT e estabelece que o deslocamento até o trabalho não pode ser considerado tempo à disposição do empregador. Define que mesmo o tempo gasto no transporte gratuito fornecido pela empresa não integra a jornada e não dá direito a pagamento de horas normais ou extras.
Germano Siqueira
Presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho
Vai gerar emprego.
Vai reduzir postos de trabalho. Com aumento na jornada diária, não serão pagas horas extras. Se haverá possibilidade de diminuir o pessoal e aumentar as horas de trabalho por dia, empregos serão cortados. Haverá migração para vagas mais precárias. Isso é mostrado no artigo que prevê jornadas de até 12 horas (para todas as categorias). Um trecho menciona que essa jornada pode ser definida em acordos individuais. Além de inconstitucional, leva à prática de trabalho indevida.
O projeto é moderno.
Não tem nada de moderno. A Agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas) fala em segurança, proteção a direitos sociais. O projeto de reforma trabalhista vai em linha contrária. Define desproteção, redução de direitos. A Constituição Federal aborda, nos primeiros artigos, a valorização social do trabalho. A reforma o desvaloriza.
Não retira direitos do trabalhador.
O projeto retira direitos de cabo a rabo. Não há um artigo específico (para sustentar essa visão), mas é fato. O projeto divide em quem ganha menos de R$ 11 mil e quem recebe mais de R$ 11 mil. Para quem ganha mais de R$ 11 mil, o projeto cria negociação direta com o empregador. Para esse grupo, não vale nem convenção coletiva. Pior, depois do término de contrato, o trabalhador, ao procurar a Justiça Trabalhista para resolver sua demanda, terá de se reportar a um árbitro, uma espécie de judiciário privado. Esse advogado vai dizer se ele terá direitos ou não a receber. Quem indicará esse árbitro será a empresa, não o trabalhador. E a decisão do advogado não poderá ser revista. Essa é uma forma de retirar direitos, sem que o trabalhador possa ir ao Poder Judiciário.
A reforma interessa aos trabalhadores.
Mentira, o projeto é amplamente rejeitado pela sociedade. Houve apoio inicial de duas centrais, a Força Sindical e UGT (União Geral dos Trabalhadores), que se arrependeram. Pesquisa do Datafolha aponta que em torno de dois terços da população são radicalmente contrários ao projeto. Artigos como o trecho sobre a duração das jornadas são um exemplo (de que não interessa a trabalhadores).
A reforma ajuda no crescimento econômico. No longo prazo, o projeto vai empobrecer o mercado consumidor nacional, formado por trabalhadores em faixa salarial razoável, que podem adquirir bens. A reforma trabalhista vai gerar um grupo com poucos recursos financeiros. Varejo e pequenas indústrias sofrerão. A terceirização nas atividades meio e fim ilustra isso. Os terceirizados recebem, em média, 30% a menos.