Precarização dos direitos ou mais empregos? Plenário da Câmara vota 100 alterações na CLT nesta quarta-feira.
Marcella Fernandes Repórter de política, HuffPost Brasil
Após manobra na última semana para garantir a agilidade, o plenário da Câmara dos Deputados vota nesta quarta-feira (26) a reforma trabalhista, que muda cem pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), decreto de 1943.
O governo do presidente Michel Temer tem dois grandes interesses em aprovar as mudanças nas regras trabalhistas. Primeiro porque a reforma é uma das principais bandeiras do peemedebista para recuperar a economia. Segundo porque a votação servirá de termômetro para outra reforma, a previdenciária, a ser votada em maio.
Para seguir para o Senado, o relatório do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) precisa ter apoio da maioria dos deputados presentes. O texto foi aprovado por 27 votos contra 10 na comissão especial do tema nesta terça-feira (24).
Na avaliação de economistas, as mudanças irão aquecer o mercado de trabalho e reduzir os custos dos empregadores. Para procuradores do trabalho, a reforma acaba com direitos dos trabalhadores. Entenda os principais efeitos.
1. Enfraquecimento dos sindicatos
Marinho propôs o fim da contribuição sindical obrigatória. Principal ponto contestado pelos parlamentares, deve ser modificado, por meio de emenda em plenário.
Somado a isso, a reforma estabelece que acordos coletivos valerão mais do que a legislação. A medida enfraquece as organizações sindicais, categoria com pouca força no Brasil. Hoje há 5.190 sindicatos de empregadores e 11.327 sindicatos de trabalhadores, de acordo com o Ministério do Trabalho.
Na avaliação de alguns juristas, as convenções e acordos coletivos do trabalho têm função protetora, ou seja, servem para melhorar a condição do trabalhador, e a reforma muda esse entendimento.
A partir de agora poderão ser negociados o registro de ponto, a compensação do banco de horas, a participação nos lucros das empresas e a redução do intervalo intrajornada, entre outros pontos.
Estão permitidas jornadas de até 12 horas diárias, com limite de 48 horas na semana e 220 horas no mês. A reforma libera ainda a remuneração por produtividade.
Todas aquelas hipóteses de negociado sobre o legislado, vaticinadas para além do que a Constituição expressamente autorizou, servem basicamente para transformar a negociação coletiva em um caminho bem azeitado para a degradação das relações de trabalho e para a flexibilização de direitos sociais típicos.
Nota técnica da ANPT, Anamatra e Sinait
2. Precarização dos direitos trabalhistas
A terceirização irrestrita e o aumento da pejotização resultarão em perdas de direitos trabalhistas, na avaliação da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalhos (ANPT), da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
Em nota técnica, as três entidades sustentam que as propostas da reforma "demonstram a intenção de precarizar o trabalho, aumentando os ganhos do capital a partir da redução de direitos dos trabalhadores".
Para o presidente da ANPT, Ângelo Fabiano Farias da Costa, as mudanças trarão "um retrocesso social inimaginável" e podem gerar condenações do Brasil em organismos internacionais por descumprimento de convenções ratificadas.
Um exemplo é a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece normas para a negociação coletiva.
Essa reforma como foi apresentada pelo relator é o maior ataque aos direitos trabalhistas desde a edição da CLT. O substitutivo avançou negativamente e trouxe muito mais do que a proposta inicial do governo federal, que já era muito ruim.
Ângelo Fabiano Farias da Costa, presidente da ANPT
3. Terceirização irrestrita
Em 22 de março, o plenário da Câmara aprovou o Projeto de Lei (PL) 4.302/1998, de autoria do Executivo, que libera a terceirização para todas as atividades das empresas. Antes, só era permitido para atividades-meio, ou seja, que não são o principal objetivo da empresa, como limpeza, segurança e conservação.
A reforma trabalhista reforça esse entendimento, mas estabelece que os terceirizados serão submetidos às mesmas condições de trabalho dos contratados diretamente.
4. "Pejotização"
O texto prevê uma quarentena de 18 meses para que uma empresa de uma pessoa que antes era funcionária seja contratada pela companhia a que o trabalhador tinha um vínculo anterior.
Isso seria uma barreira à chamada "pejotização", fraude trabalhista quando o funcionário atua, na prática, como se fosse CLT, mas não tem direitos trabalhistas, como hora extra ou férias.
A ANPT alerta, contudo, que a reforma permite que um funcionário demitido seja recontratado se for trabalhador de uma empresa terceirizada. De acordo com a entidade, 80% dos acidentes de trabalho acontece com essa categoria.
O salário do grupo é 24% menor do que o dos empregados formais, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e terceirizados trabalham 3 horas a mais por semana, em média, do que contratados diretamente.
Além do prejuízo para os trabalhadores, esse fenômeno pode resultar em uma queda na arrecadação do governo, uma vez que impostos pagos nas contrações de pessoa jurídica com pessoa física são mais altos dos que os pagos entre empresas.
5. Incerteza do trabalhador
De acordo com a reforma, o trabalhador temporário poderá ser contratado por até 180 dias, e não mais por apenas três meses. Críticos afirma que o cenário prorroga a situação de incerteza do funcionário.
Na modalidade de contratação intermitente, por sua vez, o contrato será por hora e haverá pouca previsibilidade de jornada e de remuneração.
O patrão convocará o serviço com até dias corridos de antecedência. Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado. O líder do PTB, Jovair Arantes (GO) afirmou ao HuffPost Brasil que uma emenda em plenário deve melhorar a previsibilidade para o trabalhador.
Costa alerta que a fragilidade nos vínculos trabalhistas irá reduzir a contribuição formal do trabalhador para a Previdência, o que irá dificultar a aposentadoria integral após as mudanças nessa área também. "Vai aumentar de maneira alarmante os níveis de rotatividade porque os vínculos serão cada vez mais precários", afirmou.
A reforma também vincula indenização por morte no trabalho ao salário recebido pelo funcinário. O texto estabelece o valor de "até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido". Hoje, cabe a juízes estipular o valor de acordo com parâmetros como gravidade do dano e potencial econômico do ofensor e do ofendido.
6. Garantias para o patrão
Por outro lado, as mudanças trabalhistas visam reduzir a insegurança jurídica dos empresários. Uma reclamação frequente é que a Justiça do Trabalho é benéfica ao trabalhador e o risco de pagar um alto valor em um processo inibe contratações.
De acordo com o relator da reforma, a grande rigidez das normas atuais, consideradas numerosas e detalhadas, faz com que o empregador tenha receio de contratar a mão de obra.
Defensores da proposta também argumentam que é uma resposta à modernização das relações de trabalho em todo o mundo.
7. Aquecimento da economia
O alto custo para contratar uma pessoa com carteira assinada é hoje um impeditivo para os patrões. Com a flexibilização das relações trabalhistas, será possível empregar de uma forma menos onerosa ao empregador, o que movimenta a economia.
Há uma expectativa por parte do governo de que a reforma ajude a aumentar o número de empregos. O dado mais recente do IBGE, divulgado em 31 de março, mostra que a taxa de desocupação do país fechou o trimestre móvel de dezembro do ano passado a fevereiro deste ano em 13,2%, recorde tanto da taxa quanto da população desocupada de toda a série histórica iniciada em 2012.
Na avaliação do economista da Universidade de Brasília (UnB) Newton Marques, a reforma é uma forma de o Planalto dar uma resposta rápida ao desemprego e à baixa atividade econômica, principais críticas ao Brasil atual.
É como se fosse colocar gasolina no carro a álcool porque de manhã ele não pega. Precisa de um incentivo inicial para que a atividade econômica comece a dar uma resposta.
8. Aumento da produtividade
O governo Temer aposta que a redução de garantias poderá incentivar a produtividade do trabalhador. "Não vai ter a estabilidade de antes então o trabalhador para ter emprego vai ter que se esforçar mais", afirma Marques.
O economista destaca que o resultado econômico não é garantido e que há riscos de diminuir a arrecadação.
Na avaliação dele, a reforma trabalhista é o ponto central e a previdenciária irá servir para minimizar a perda tributária vinda da flexibilização das relações de trabalho. "Está conjugado. A reforma previdenciária é acessória à trabalhista que vai trazer dificuldades para a sustentação do atual regime previdenciário", afirma.
9. Redução dos salários
Especialistas alertam que o regime de trabalho parcial não dá garantia de salário mínimo. O relatório aumenta de 25 horas semanais para 30 horas semanais a carga dessa categoria. Também admite nessa faixa um regime de até 26 horas por semana, com 6 horas extras semanais.
Como hoje a CLT prevê jornada máxima de 44 horas semanais, a mudança permite a contratação de um funcionário que trabalhe quase 70% desse tempo. Por outro lado, essa categoria pode receber menos do que o salário mínimo, alerta a ANPT.
Países que retiraram direitos sociais observaram uma queda na remuneração. Após uma reforma no México em 2012, houve uma diminuição de 1,2 milhão de empregos em que a remuneração era maior que 2 salários mínimos e um aumento de 1,2 milhão de empregos para quem ganhava entre 1 e 2 salários mínimos.
No mesmo ano, na Espanha, o resultado foi uma maior incidência de desemprego para mulheres, jovens e maiores de 55 anos e uma diminuição dos salários em 54,3%.
10. Justiça sobrecarregada
Defensores da reforma alegam que a Justiça do Trabalho está sobrecarregada. De acordo com a ANPT, contudo, hoje apenas 6,8% dos processos pendentes no judiciário se referem a ações trabalhistas, sendo que a maioria deriva da simples falta de pagamento de direitos básicos dos trabalhadores.
Na avaliação de Costa, a judicialização não irá diminuir. "O Ministério Público vai continuar contestando acordos e convenções que trouxerem prejuízos para o trabalhador. A Constituição não permite piorar", afirmou. Ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) têm o mesmo entendimento.
O procurador ressaltou ainda que, como Marinho acabou com a participação dos sindicatos na homologação da demissão, o processo será feito pelo judiciário, o que pode aumentar ainda mais a demanda no setor.