A Reforma da Previdência (PEC 287/2016), em discussão no Congresso Nacional, que propõe idade mínima de 60 anos para aposentadoria do trabalhador rural e a exigência de 20 anos de contribuição, e também a aprovação da Lei da Terceirização, têm causado preocupação em agricultores. A trabalhadora rural Carliene Oliveira, de 37 anos, que trabalha e mora na Fazenda da Guariroba, na região administrativa da Ceilândia (DF), está pessimista com o futuro. “Hoje, da forma que está colocada a Reforma da Previdência na vida dos povos rurais, nenhum trabalhador ou trabalhadora rural vai conseguir se aposentar”, criticou.
A agricultora afirma que trabalha no cultivo de frutas e hortaliças desde criança com os pais, mas nunca teve carteira assinada. Ela tem três filhos (dois adolescentes e uma criança). O pai, que se aposentou, tem 67 anos, mas a mãe, de 60, ainda não conseguiu obter o benefício.
Carliene é assentada em terreno destinado à reforma agrária. Ela explica que passou 19 anos à espera de terra para produção familiar. “Eu sou de uma família em que meus pais são agricultores desde que nasceram. A nossa vida foi na roça, aprendendo a plantar e a colher”, conta.
A agricultora e a família vivem de agricultura familiar, coletando notas fiscais das vendas de seus produtos para comprovar a contribuição para a previdência. Porém, Carliene acredita que, para ela, por exemplo, nunca será possível ter uma contribuição completa com o teto do salário mínimo, já que recebe cerca de R$ 800 por mês. Ela lembra que, dessa renda, precisa direcionar parte do dinheiro para despesas como comida, educação dos filhos, remédios, dentre outros. “Tenho marido, filhos que precisam de roupa, de um chinelo, de um material escolar. Como eu vou conseguir tirar um valor para pagar a previdência”, questiona.
“Nós, trabalhadoras rurais, nós temos muita dificuldade inclusive na hora da comprovação da nossa atividade”, lamenta. Carliene explica que, em grande parte das vezes, as notas fiscais são emitidas nos nomes dos maridos das trabalhadoras de campo e que isso as prejudica muito na hora de comprovar a sua atuação na área. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais vem auxiliando nessas ocasiões para que as notas sejam emitidas no nome do casal. “Geralmente, essas notas vêm no nome do marido. Isso acaba nos prejudicando”, disse.
Confira entrevista em vídeo com Carliene Oliveira:
Sistema escravista
Para o sociólogo Raphael Matos, a situação é crítica e precisa ser avaliada de maneira histórica. O trabalhador rural, para ele, está sujeito a violências desde a origem do país, onde existiu um sistema de capitanias hereditárias escravista, em que a relação donatário e trabalhador era, quase sempre, uma situação de opressão. “Os trabalhadores rurais tiveram uma conotação de trabalhadores de segunda classe”, contou.
O pesquisador ainda faz uma analogia da Reforma da Previdência com a Lei do Sexagenário, de 1885, onde os escravos com mais de 65 anos seriam libertos. Para ele, essa lei se mostrava mais benéfica para os donos dos escravos que conseguiam um argumento para, de certa forma, se livrar dos trabalhadores mais velhos incapazes de dar um rendimento equivalente ao de um escravo jovem. “Quando ele efetivamente conseguir comprovar esses anos de contribuição, ele já vai estar tão idoso, tão extenuado que ele não vai ter uma condição de vida boa e nem uma qualidade de vida boa, ele já vai estar próximo de falecer”, disse.
Leis em descompasso
Para o especialista em direito trabalhista Paulo Rená, os trabalhadores rurais sempre estiveram sujeitos à desigualdade. Ele afirma que não é diferente quando se trata das reformas trabalhistas, em especial, a reforma da previdência. Rená também explica que houve uma grande evolução no direito trabalhista do país, porém as leis andam em “descompasso” com a sociedade. “Os princípios da constituição, as regras legais e as nossas culturais sociais estão em descompasso”, explicou.
Paulo Rená acrescenta que a terceirização atinge diretamente a vida do trabalhador rural, uma vez que dá uma maior base de segurança para as empresas que contratam e distribuem esses trabalhadores à medida que tira a segurança dos próprios camponeses. “Se pensarmos na terceirização dos serviços prestados pelos próprios trabalhadores responsáveis, por exemplo, pelo plantio e pela colheita de cana de açúcar. Se uma empresa violar os direitos trabalhistas, essas pessoas vão ter que discutir os seus direitos ao mesmo tempo em que vão ter que continuar trabalhando para outra empresa semelhante”, disse.
Piora
Na opinião do vice presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, a PEC caminha no sentido de dificultar que alguns desses trabalhadores passem a recolher contribuições sociais sobre o salário mínimo mensal. Para ele, isso piora a condição atual, pois o agricultor que vive da venda de seus produtos terá mais dificuldade para recolher a sua contribuição para a previdência. “E se ele por acaso não fizer esse recolhimento, ele tem a previdência com alguns benefícios reduzidos”, disse.
“Nos sensibilizamos por isso”, diz Temer
O governo defendeu, em publicação no Blog do Planalto, que as adequações na Reforma da Previdência a partir das discussões no Congresso Nacional vão proteger categorias como a dos trabalhadores rurais. “A questão do trabalhador rural, eu recebi muitas observações ao longo do tempo, e nos sensibilizamos por isso. De igual maneira no benefício de proteção continuada, por exemplo, a questão dos deficientes. (…) Então, eu autorizei o nosso relator a fazer as negociações que fossem necessárias”, afirmou o presidente.