A minirreforma trabalhista do governo gera discussões no país ao propor a prevalência de acordos patrão-empregado sobre a CLT e o aumento do prazo para contratação temporária, entre outras mudanças
De São Paulo - A minirreforma trabalhista proposta pelo governo Temer foi anunciada no final de dezembro passado com a expectativa, na ocasião, de que fosse aprovada em até 60 dias. Mas, de lá para cá, o governo já recuou algumas vezes. Primeiro, mudando o formato da proposta de Medida Provisória (que não precisaria de aprovação prévia do Congresso para entrar em vigor) para Projeto de Lei. Depois, abandonou a ideia de votação em regime de urgência.
Isso porque, apesar de o governo garantir que incluiu no documento apenas as 12 medidas com as quais tanto patrões como empregados concordavam, não parece haver um verdadeiro consenso das partes de que, se aprovadas, elas não implicariam em perdas para o trabalhador e abririam caminho para a geração de empregos.
Logo de cara, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e o Ministério Público do Trabalho se manifestaram contra as medidas propostas, principalmente as relacionadas à prevalência dos acordos coletivos, entre sindicatos trabalhistas e empresas, sobre a legislação (a CLT). O que, para o governo, irá pacificar as negociações entre patrões e empregados, para essas entidades, poderá reduzir os direitos dos trabalhadores.
O que propõe a Minirreforma? Acordos coletivos prevalecerão sobre a legislação para: parcelamento das férias em até três vezes jornada de trabalho, que pode chegar a 12 horas diárias parcelamento do PLR intervalo intrajornada banco de horas regulamentar as horas in itinere (deslocamento para locais de difícil acesso) Aumenta de três para oito meses o contrato de trabalho temporário Trabalho em tempo parcial passará de 25 para até 36 horas semanais Punição por manter empregado sem registro será ampliada Programa de proteção ao emprego será permanente, mas com limite de recursos Eleição de representantes sindicais no local de trabalho
"A nossa grande preocupação com a reforma é que ela atinge frontalmente o princípio constitucional que veda o não retrocesso dos direitos sociais. Entre os grandes equívocos da proposta está a possibilidade de prevalência quase absoluta do negociado, ou seja, do que for contratado entre os sindicatos sobre as balizas mínimas da lei, o que representaria o próprio desmonte de várias das ideias que norteiam o Direito do Trabalho", afirma Germano Siqueira, presidente da Anamatra.
Segundo ele, outra preocupação nessa linha é que sejam adotados modelos de jornada de trabalho flexível, com a redução do intervalo intrajornada e a contabilização de horas extras só a partir de 12 horas de jornada diária em vez de oito, como é hoje.
"Seria um forte indicativo de transferência de renda do trabalho para o capital. E a redução de garantias sociais é uma prática do capitalismo atrasado", diz. "É absolutamente importante que o Brasil, opostamente a essa visão, articule uma discussão de matérias legislativas que sinalizem em direção à prosperidade como um valor humano e não apenas de interesse das empresas. A degradação de direitos sociais não alavancará a economia e, ao contrário, será fonte de infortúnios e do aumento da desigualdade, o que deve ser combatido por todos", argumenta.
O advogado trabalhista Sergio Batalha concorda. "Nunca vi nenhum empresário dizer que vai contratar mais só porque está mais barato. O que aumenta a contratação de pessoas é a necessidade de se produzir mais", defende. "Objetivamente, a ideia da reforma é reduzir os direitos trabalhistas diante de uma perspectiva de criação mais empregos. O que o empregador de fato gostaria, é que pudesse fazer contratos de trabalho com menos direitos ou que pudesse pactuar isso com o sindicado. Só que isso não é dito claramente."
Ele ressalta ainda que a livre negociação com os sindicatos é um problema porque eles não representam, de fato, a maior parte dos trabalhadores. "O sindicato representa a categoria toda dos trabalhadores independentemente da quantidade de associados que tem. Pode ter mil associados e representar 500 mil trabalhadores. Hoje isso não é problema porque as normas coletivas não podem tirar direitos do trabalhador. Apenas acrescentar os não previstos em lei", explica Batalha.
Hélio Zylberstajn, professor do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP) concorda que nenhuma reforma trabalhista cria empregos, mas acredita que pode melhorar o ambiente das relações trabalhistas, a gestão de RH e isso pode afetar positivamente a produtividade. O que torna a economia mais eficiente. "O que cria emprego é o crescimento econômico e isso acontece quando os investimentos voltarem. Com a reforma trabalhista poderemos aproveitar melhor o crescimento da economia", afirma.
Para ele, que também é coordenador do projeto "salariômetro", da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a legislação trabalhista brasileira é paternalista e está superada. Por isso, considera positivo o conceito de prevalência do negociado sobre o legislado. Mas também percebe como necessária uma reforma sindical.
"Somente sindicatos representativos deveriam ter esse poder. E os sindicatos brasileiros, tanto patronais como trabalhistas, não são na maior parte das vezes representativos. Por isso, acho que poderíamos começar as mudanças pela prevalência de acordos coletivos - considerando a metade mais dos trabalhadores - o que forçaria os sindicatos a procurarem se tornar representativos. "Uma reforma sindical é difícil porque os sindicatos são poderosíssimos", conclui.
Sobre se a chance de a minirreforma ser aprovada pelo governo de Michel Temer, a aposta dos entrevistados não é muito alta. "Há muita briga e o governo é fraco, não foi eleito diretamente. À medida que os trabalhadores estão tomando consciência das propostas, estão se posicionando contra", arrisca Batalha.
Em entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura, o ex-ministro do Trabalho e e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Almir Pazzianotto, defendeu, ao contrário, uma reforma que permita às pequenas e microempresas a contratar sem medo. "A legislação precisa validar juridicamente o contrato de rescisão de trabalho, para evitar o que ocorre hoje: o funcionário assina e, em seguida, pode entrar com processo contra a empresa, apesar de, em boa parte dos casos, ter recebido tudo o que lhe é devido". Para Pazzianotto, outras duas medidas importantes são a prevalência do acordado sobre o legislado e o fim do imposto sindical, hoje obrigatório, para filiar um trabalhador a um sindicato, mesmo que ele não queira.
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*Com apoio de Ismael Pfeifer