Contas da Justiça do Trabalho não têm fechado. Após ter sofrido um corte de 29,5% no orçamento destinado ao custeio e um aumento de demanda de 3,5% somente no primeiro trimestre deste ano, a presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT6), sediado no Recife, Gisane Barbosa de Araújo, joga as cartas à mesa e em uma entrevista, que é quase um pedido de socorro, relata comprometimento das estruturas prediais, falta de pessoal, aumento do tempo para julgamento dos processos que chegam ao órgão e, principalmente, receio de que sejam necessárias medidas mais drásticas como o fechamento de unidades. "Acreditamos que houve, sim, um componente político porque nada justifica que outros ramos do Judiciário dessem sua parcela de contribuição, neste momento de crise, menor que o percentual que coube à Justiça do Trabalho" , enfatizou. O percentual dos outros ramos a que se referiu não superou os 20%. O menor corte teria sido na Justiça Eleitoral, que teve reduzido o orçamento em 15%, metade do que coube ao TRT. Ela observa que, no que tange aos investimentos, o que inclui obras e aquisição de mobiliário, o corte chegou aos 90%.
De quanto foi o corte no orçamento do TRT6 este ano e com qual orçamento vocês estão trabalhando agora?
Fomos surpreendidos com esse novo orçamento (R$ 40.126.000,00) em 2016. Nós remetemos o pedido no ano passado com valores suficientes (R$ 56.743.000,00). Estava tramitando no Congresso com os valores solicitados, mas a comissão que trata do orçamento, cujo relator era o deputado Ricardo Barros, fez esse corte (de R$ 16.617.000,00). Já no final de 2015 fomos surpreendidos com a notícia desse corte. Havia até uma expectativa de que houvesse um veto da presidente Dilma Rousseff, mas o texto passou na íntegra. Outros ramos do Poder Judiciário tiveram cortes, assim como o Executivo também teve, mas só que o percentual do corte na Justiça do Trabalho foi bem maior do que o dos outros. A Justiça Eleitoral, a Justiça Militar e outras tiveram corte em percentual diferentes, na faixa dos 15% e 20%. Ouvimos um áudio onde o deputado Ricardo Barros justificava a necessidade de cortes na Justiça do Trabalho, dizendo que a Justiça do Trabalho tinha crescido muito e, no entender dele, era uma justiça que só dava ganho de causa ao empregado, que a legislação trabalhista é muito protetiva e seria um corte para redimensionar a Justiça do Trabalho para menor. Esse áudio foi divulgado entre magistrados.
Mas a demanda do TRT cresceu, certo?
Sim. Esses cortes estão indo na contramão dos fatos. A demanda é crescente. Desde 2010 até o ano passado cresceu 27% e, nos três primeiros meses deste ano, essa demanda já cresceu 3,5% se compararmos com a do ano passado. É um pouco mais de 1% ao mês e, se chegarmos até o final do ano assim, poderemos chegar a mais de 12% de crescimento. Isso, se o crescimento se mantiver linear. Mas nada impede que, de uma hora para outra, aumente ainda mais. Houve uma ação da Anamatra (Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho), cujo relator é o ministro Luiz Fux, que questiona esse corte, esse percentual discriminatório sobre a Justiça do Trabalho. Se é para haver um corte em todo o gasto da União, que ele seja em um percentual equivalente para todos os outros ramos do Judiciário. Nada justifica termos o maior percentual de corte.
Teria como detalhar essa comparação do corte do TRT com o dos demais tribunais?
O corte dos outros ramos foi em torno de 15% a 20%. O nosso foi de 29,5%. Isso na parte de custeio, que é o que movimenta a nossa máquina. Mas na parte de investimentos, o que inclui obras e aquisição de mobiliário, o corte foi de 90%. Tanto que não se pode fazer obra nenhuma mais e não podemos comprar mais nada. A gente não tinha, aqui, obras em andamento, mas tínhamos a intenção de iniciar Fóruns em Igarassu e em Goiana. Em Igarassu, inclusive, já estamos com todas as plantas aprovadas, mas sequer iniciamos porque não veio nenhum recurso. Qualquer pequeno reparo ficou comprometido. Além disso, tem uma preocupação grande com o corte na área de informática, porque hoje, a maioria do trabalho, é via processo eletrônico. Só os processos mais antigos é que ainda são em papel. Desde 2014 todas as ações que ingressam são feitas pelo sistema do Processo Judicial Eletrônico e, para isso, é preciso maquinário atualizado, programas de sustentação, links que deem suporte. A maioria desse custo era centralizada no TST, que arcava com grande parte dessas despesas. O corte na área de informática foi de quase 80%. Tudo foi reduzido para 20% e isso para distribuir para o país inteiro. Essa verba destina-se à compra de computadores, programas, manutenção de rede e segurança. Todos nós vamos sofrer se não tiver a complementação orçamentária.
Que áreas estão sendo mais prejudicadas e como o TRT está fazendo para driblar essa crise?
A parte de manutenção predial, com certeza, já está comprometida. Contratos que a gente tinha de conservação e manutenção dos prédios em todo o estado foram rompidos. Eles atendiam às varas do interior. São 70 varas e dois postos avançados. As varas da capital e da Região Metropolitana ainda têm esse contrato de manutenção, mas no interior foi rompido para economizar. Já é possível ver deterioração nas varas do interior. A gente tem no quadro de servidores uma pequena equipe de eletricista, encanador, marceneiro. Mas é uma equipe pequena, que tem que se deslocar para o interior e isso não é fácil. Antes, a empresa fazia a manutenção preventiva também. Paralelamente, a corregedoria, que cuida dos prazos processuais e de audiência, tinha pensado em, para reduzir os prazos, principalmente nas varas do Recife que estão muito assoberbadas, colocar uma pauta paralela à tarde com alguns juízes extras, mas com a redução do expediente até as 15h30 não está sendo possível fazer isso. Os prazos que já estão alongados tendem a se alongar mais ainda, porque a demanda cresce e estamos sem condições de procurar alternativas. Estamos também sem poder nomear servidores e juízes quando as vagas se dão por aposentadoria ou por falecimento e gera pensão. Para servidores, temos mais de vinte vagas que não podemos preencher porque a maioria decorre de aposentadoria. Isso reflete na ponta porque, a medida que a saída dessas pessoas crescer, a gente não vai conseguir repor. E temos concurso válido tanto para servidor quanto para juiz. Para enfrentar essa realidade, cortamos muita coisa no tribunal. Houve corte de 50% dos estagiários. No setor da imprensa, os contratos de terceirização com fotógrafo e com jornalistas foram suspensos e ficaram somente as pessoas do quadro. Cortamos assinaturas de jornais, ficando apenas um exemplar. Transformamos o jornal semanal impresso em digital e suspendemos a coluna que publicávamos aos domingos nos jornais. Tínhamos seis garçons, ficou somente um. Cortamos copeira, ascensoristas. Os postos de limpeza foram reduzidos e a área de segurança também.
Há risco de unidades serem fechadas?
Vários tribunais têm anunciado a expectativa de paralisação das atividades. Nós pedimos em março um reforço no orçamento, um complemento. Não veio nenhuma resposta ainda e, se não for positiva essa resposta, corremos, sim, o risco de paralisação. Vários tribunais têm anunciado isso para os meses de julho, agosto e setembro. E há também a possibilidade de implantação de outros planos, como funcionar apenas três dias por semana ou reduzir mais o expediente. Mas a redução do expediente só tem reflexo mesmo no custo da energia. É possível dizer, hoje, que, se não vier esse reforço no orçamento, há sim o risco de paralisação no segundo semestre.
E caso se mantenha este cenário apertado e a demanda continue subindo, como o TRT pode dar respostas a essas pessoas que chegam em busca de atendimento?
Se não tivermos recursos que possam complementar os gastos até o final do ano, nós não teremos como garantir a continuidade das atividades. Temos uma frota do tribunal com carros de serviço e carros de representação para os desembargadores. Em relação aos carros dos desembargadores houve uma fixação de cota de combustível mensal. Cada pessoa só tem direito a um tanque de combustível por mês. Passando disso, o desembargador complementa do próprio bolso. Houve também uma implementação de racionalização do uso de veículos no sentido de que, por exemplo, um carro que saia para fazer um serviço na Mata Sul faz um cronograma para que contemple várias unidades daquela região naquele mesmo período, levando qualquer entrega que tenha para ser feita, tudo numa rota só. Tivemos também redução de telefone celular e uso de moden, mas não deu retorno significativo. Todas as frentes que podiam ser atacadas nesse primeiro momento foram atacadas. O tribunal está sobrevivendo com o básico.
Quer dizer que, com o que se tem hoje, o TRT não consegue fechar a equação?
Há o risco de se precarizar a qualidade dos serviços pela falta de pessoal, porque não poderemos nomear pessoas para o lugar dos que forem saindo, gerando uma falta de recursos humanos, que já é carente. A gente tem dois projetos tramitando para criar cargos e eles estão parados porque não há sinalização positiva.
Como está a articulação nacional no sentido de reverter esse quadro?
Os presidentes dos tribunais têm dado entrevistas para levar à sociedade essa dificuldade e essa possibilidade de precarização dos serviços. Também estão se movimentando junto aos parlamentares dos seus estados. Nas reuniões dos presidentes de todos os tribunais, esse tema sempre é tratado. Há mobilização junto ao Conselho Nacional de Justiça e ao Congresso. É uma realidade que está sendo divulgada em vários estados.
Se analisarmos no todo, vemos cortes em vários outros ramos do Judiciário, mas também no Executivo e Legislativo. Acha que, no caso do TRT, as causas são unicamente orçamentárias ou há uma queda de braço entre o Executivo e o Judiciário e um componente político?
Acreditamos que houve, sim, um componente político porque nada justifica que outros ramos do Judiciário dessem sua parcela de contribuição, neste momento de crise, menor que o percentual que coube à Justiça do Trabalho.