Corredores mal iluminados, corte de pessoal, redução das pautas de julgamento. Na data em que é comemorado o dia do juiz do trabalho (26/04), esse é o cenário encontrado nos tribunais Brasil afora. Um magistrado do Pará, por exemplo, perdeu o despacho em que trabalhava porque a luz do fórum foi cortada recentemente.
Quem traça o panorama é o presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira. Para ele, o corte de verbas na Justiça Trabalhista é a principal dificuldade institucional da magistratura e da Justiça trabalhista atualmente, em um momento de aumento do número de ações nesse campo.
“É um prejuízo para a jurisdição, em um momento em que a demanda para a Justiça do Trabalho está aumentando, por conta da crise econômica e de emprego”, diz.
Tocando em um dos temas mais polêmicos na Justiça do Trabalho hoje em dia, Siqueira defende que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) não precisa de grandes alterações, e que mudanças na norma tenderiam a flexibilizar e restringir direitos dos trabalhadores. Para ele, apesar de a CLT datar de 1943, cabe aos juízes do trabalho adequarem o texto a novos contextos sociais.
“O Brasil teve vários momentos de crescimento e era a CLT que estava lá regulando as relações de trabalho”, afirma.
O governo federal passou a tesoura em R$ 844 milhões do Orçamento de 2015 da Justiça trabalhista. A Anamatra questiona o corte no Supremo Tribunal Federal por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.468).
Leia abaixo trechos da entrevista concedida por Siqueira ao JOTA:
Qual a situação do magistrado do trabalho atualmente?
De uma forma geral o juiz do trabalho está vivendo as dificuldades que o juízes estaduais e federais estão vivendo, que é a dificuldade de se relacionar com as instituições para colocar questões como a recomposição [salarial] e a valorização da magistratura. Estamos há algum tempo tentando sensibilizar o Congresso Nacional a respeito da necessidade de preservar o valor constitucional que é a recomposição remuneratória periódica. O Congresso não faria nenhum tipo de favor, apenas, como os trabalhadores em geral, a cada ano verificararia o que houve de inflação, e reajustaria os vencimentos da magistratura. Isso não tem sido observado pelo menos nos últimos dez anos.
Outro ponto é valorizar o tempo de magistratura. Essa é uma questão importante porque a carreira, ainda mais depois da PEC da bengala [que ampliou a idade mínima para aposentadoria compulsória], tende a ficar muito engessada. Há a possibilidade de um juiz que entra agora ficar com o mesmo valor remuneratório dos juízes que já estão há 20 anos na carreira.
Há quanto anos não é feito o reajuste?
No regime dos subsídios, se a gente for olhar desde 2004, esse tema anda de uma forma muito indefinida. A Constituição diz que anualmente deve ter [reajuste], mas não tem. É algo conforme o sabor do vento. Isso gera um acúmulo inflacionário, que acaba gerando uma perda história. Esse reajuste nunca vem para igualar a perda inflacionária.
Este ano vimos muitos cortes de verbas na Justiça Trabalhista. Como isso afetou a atividade jurisdicional e o prório magistrado trabalhista?
Essa é a grande dificuldade institucional para a magistratura e para o próprio Poder Judiciário trabalhista, tanto que a Anamatra ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade [adin 5.468], que talvez com alguma brevidade seja submetida a julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Nós temos dito reiteradamente que o relator [geral do Orçamento da União para 2016], o deputado Ricardo Barros – e o relator historicamente tem uma voz muito definitiva nessas matérias de orçamento – falou que estava determinando os cortes por conta de uma legislação protecionista aos trabalhadores e porque os juízes do trabalho também se comportam de uma forma protecionista.
Eles [juízes] aplicam a lei existente, que veio do parlamento, e, lógico, aplicam a doutrina social que existe aqui e existe no mundo inteiro.
Outra pergunta que eu tenho sempre feito: o parlamento que hoje fez isso com a Justiça do Trabalho poderá, daqui há pouco, fazer isso com a Justiça Eleitoral, por conta de impugnação de campanhas? Com a Federal, porque não gosta do juiz Sérgio Moro? Ou por que não gostou de determinado julgamento em tema homoafetivo ou de qualquer natureza ético-moral, fazendo cortes no orçamento do Supremo Tribunal Federal?
Eu acho que há interferência no Poder Judiciário, e isso fere a independência do Poder. No caso concreto foram cortados 90% dos investimentos da Justiça do Trabalho, que é praticamente matar o projeto moderno e estratégico que é o Processo Judicial Eletrônico.
Cortou-se também 34% de custeio, de forma discriminatória – porque nos demais tribunais o corte de custeio ficou na faixa dos 18% – e os tribunais [trabalhistas] estão vivendo o seguinte: só há verba para funcionar até o mês de setembro ou agosto. Os tribunais estão fazendo atos, pedindo socorro. Não há recursos.
Como os magistrados estão sentindo esses cortes nas atividades diárias?
Eu tenho ido a alguns tribunais e a primeira coisa que se vê são corredores mal iluminados, com luzes apagadas, com o expediente reduzido. Um sério problema é não ter como ficar no fórum até mais tarde, então há a redução do tempo para despachar processos.
Uma vez um juiz, se não me engano do Estado do Pará, estava despachando uma liminar, então houve um corte de luz no fórum, e ele perdeu o despacho. Há a redução também de pauta, o que é um prejuízo para a jurisdição, em um momento em que a demanda para a Justiça do Trabalho está aumentando, por conta da crise econômica e de emprego.
Recentemente o Conselho Federal da Justiça do Trabalho fez um levantamento que demonstra que a União e empresas públicas ocupam as cinco primeiras posições entre os maiores litigantes no Superior Tribunal do Trabalho (TST). Como o senhor vê essa estatística e como é, para o magistrado, atuar nesse panorama?
Os maiores litigantes, de acordo com o CNJ [Conselho Nacional de Justiça] são os setores de serviço e financeiro, com a União em primeiro lugar. O Judiciário é muito utilizado como instrumento de protelação, isso se tornou cultural. Há uma cultura também de não cumprir a legislação.
Quando se fala do setor de serviços há praticamente um estímulo a judicializar demandas, desde o atendimento. Se qualquer um de nós ligar para um atendimento do setor financeiro ou de serviços ele praticamente instrui a levar a demanda para o Poder Judiciário, que acaba sendo o caminho para solucionar essas questões.
Na Justiça do Trabalho o setor financeiro é um dos que mais têm ações, e são demandas de horas extras, pagamento de direitos rescisórios. Nas demandas da Petrobras têm casos de acidente de trabalho, responsabilidade subsidiária. As hipóteses são as mais diversas.
Agora com o agravamento da crise vamos ter um aprofundamento disso, simplesmente por não pagar o que é devido na extinção do contrato.
O senhor acredita que em um momento de crise a Justiça do Trabalho é mais acionada?
Sim, como já ocorreu em outros períodos. O Judiciário trabalhista é muito mais demandado porque as empresas, em dificuldades e sem capital de giro, perdendo a possibilidade de seguir adiante, acabam demitindo, sem a possibilidade de liquidar esse passivo.
É um movimento que já está chegando na Justiça do Trabalho.
Muitos setores da sociedade defendem uma reforma na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O senhor acredita que isso seria necessário?
Não, de forma alguma. Muitos países respeitam a legislação quando ela tem durabilidade. O texto legal pode ser antigo, mas a interpretação é capaz de adequar um texto antigo à nova realidade social. A jurisprudência pode fazer isso.
O que se pretende [com alterações], na verdade, é dar uma flexibilidade na CLT para fragilizar direitos. O que alguns segmentos defendem é isso. Se a CLT pudesse não existir melhor seria para quem defende isso.
O salário brasileiro não é um dos maiores do mundo, muito pelo contrário. Aqui mesmo na América Latina o valor é um dos mais baixos, e se for comparar com a realidade europeia ou dos Estados Unidos vai se constatar que o salário-hora no Brasil é absolutamente irrisório. Dentro do custo do trabalho há outros elementos, como o tributo sobre o salário e o sistema S. Tudo que se paga em torno do trabalho se pode questionar.
O Brasil teve vários momentos de crescimento e era a CLT que estava lá regulando as relações de trabalho. E ninguém falava em mudar. Modificações pontuais têm ocorrido, mas fazer uma faxina na CLT, como se ela estivesse precisando disso, não é necessário.
A CLT regula pontos extremamente necessários, de proteção ao trabalho da mulher, do menor, do trabalho insalubre, férias. Mexer com a CLT, como é um projeto que pode ter curso brevemente, é absolutamente equivocado.
Uma das propostas que sempre aparece é privilegiar o negociado sobre o legislado, permitindo acordos mais amplos entre a empresa e o trabalhador. Como o senhor vê isso?
Se nós tivéssemos uma pluralidade sindical, até que dava para começar a conversar a esse respeito, mas nós não temos. Os acordos coletivos são um mínimo, não o máximo, e eles não servem para mexer com a lei. Se temos um acordo coletivo, necessariamente o acordo coletivo seguinte deve ampliar direitos.
Essa proposição, conforme ela tem sido discutida, trabalha com a ideia de que o acordo coletivo pode ser menos que a lei, pode estar em um patamar inferior. Não podemos aceitar isso de forma alguma, porque o acordo coletivo deve avançar em direitos, isso está nos artigos 7º e 114 da Constituição.
Quando nós olhamos para o que está no Congresso Nacional vemos um projeto chamado Simples Trabalhista [PL 450/15], que prevê fracionamento de 13º salário, redução de FGTS, divisão de férias. Há uma demanda muito grande- e isso poderia ser trazido para o âmbito de acordos coletivos – que fragiliza os direitos sociais, e essa não é a vocação do direito do trabalho.
A ideia quando se fala de negociado sobre legislado é enfraquecer as linhas mestras do direito do trabalho, e isso não é algo que possa ser defendido.
Justiça trabalhista julga menos e reduz luz em meio a crescimento de demissões
Publicado 10 horas atrás
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