O corte de cerca de 30% nas verbas de custeio da Justiça do Trabalho - estabelecido pelo Congresso Nacional no fim do ano passado - está levando os Tribunais Regionais do Trabalho (TRT´s) a duras medidas de contenção. Pelo menos dez unidades já anunciaram alterações nos horários de atendimento ao público e rompimento de contratos com funcionários terceirizados, o que inclui limpeza e vigilância.
A situação é considerada crítica pelo presidente do Colégio dos Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do país, desembargador Lorival Ferreira dos Santos. Tanto que uma reunião extraordinária, com os representantes das 24 unidades do país, será realizada na primeira semana de fevereiro para tratar do tema. Os TRT´s devem levar o caso aos Ministérios da Fazenda e do Planejamento.
"Estamos tentando buscar soluções, mas as medidas já tomadas não cobrem metade dos cortes", afirma o desembargador, que também preside o TRT da 15ª Região, em Campinas, o segundo maior do país.
Lorival Ferreira dos Santos diz ainda que apesar do esforço para que não haja impacto no andamento dos processos, não há como negar que isso possa acontecer.
Maior tribunal do país, o da 2ª Região, com sede na capital paulista, sofreu cortes de cerca de R$ 70 milhões em despesas correntes e de R$ 13 milhões em investimentos. Para se adaptar ao novo orçamento, serão reduzidas pela metade as despesas com capacitação de funcionários. Também serão limitados os valores de diárias e de pagamento de auxílio-creche, corte de 10,36% na coparticipação do órgão no plano de saúde de magistrados e servidores. Além disso, a Corte estuda reduzir o expediente.
A redução do horário de atendimento ao público já foi definida por pelo menos cinco tribunais regionais. No da Paraíba (13ª Região) o expediente será das 7h 30 às 14h30 a partir do dia 1º de fevereiro - atualmente o público é atendido das 7h às 17h. Na Corte também há orientação para que os funcionários liguem o ar-condicionado somente 30 minutos depois do início do expediente e desliguem meia hora antes do término da jornada. Já as luzes das áreas de circulação e dos banheiros serão desligadas a partir das 15h.
Em Goiás (18ª Região), o atendimento ao público já foi reduzido em duas horas. Houve cortes também em 50% dos contratos dos estagiários, 50% dos serviços de vigilância e 10% da limpeza. "Eu nunca vi situação tão grave em toda a minha carreira", afirma o presidente do Tribunal Regional, desembargador Aldon Taglialegna.
No Rio Grande do Norte (21ª Região) o novo expediente, das 7h às 16h, já está em vigor - antes funcionava das 7h às 19h. O tribunal também reduzirá despesas com contratos de estagiários e serviços de limpeza. Rondônia e Acre (14ª Região) também alteraram o horário de abertura ao público. Desde o dia 11 funciona das 7h 30 às 14h30. Antes, o atendimento era das 8h às 18h.
No Rio de Janeiro (1ª Região), em Campinas (15ª Região) e em Mato Grosso do Sul (24ª Região) foram feitas alterações, mas não houve redução do horário de atendimento. O RJ passará a atender, a partir do dia 28 de janeiro, das 9h30 às 16h30. Atualmente o horário de atendimento é das 10h às 17h. Em Mato Grosso do Sul a alteração vale já partir de hoje. O expediente será das 11h às 17h e a Corte deve anunciar cortes nas despesas ainda nesta semana. Em Campinas, o novo expediente entra em vigor em 15 de fevereiro, será das 11h às 17h.
Os três tribunais afirmam que a mudança é necessária para diminuir as despesas com energia elétrica - nesses horários a taxa cobrada por kw/h é mais baixa. Campinas também editou medidas para a contenção do uso de água, telefonia, serviços postais e aquisição de material de consumo. Os contratos de prestação de serviços de vigilância, limpeza, condução de veículos serão reduzidos em 25%.
Já o Rio de Janeiro também estabeleceu novos limites para a concessão de diárias e adicional de deslocamento a magistrados e servidores. Reduziu ainda despesas com aquisições e material de consumo e está estudando mais cortes.
"Mesmo com todas as medidas adotadas pelos tribunais para redução de gastos, o orçamento disponível não é suficiente para atender, até o final do exercício, todos os compromissos assumidos através de contratos. Será necessária a suplementação de recursos", afirma a presidente do TRT do Rio de Janeiro, desembargadora Maria das Graças Paranhos.
Os três tribunais afirmam que a mudança é necessária para diminuir as despesas com energia elétrica - nesses horários a taxa cobrada por kw/h é mais baixa. Campinas também editou medidas para a contenção do uso de água, telefonia, serviços postais e aquisição de material de consumo. Os contratos de prestação de serviços de vigilância, limpeza, condução de veículos serão reduzidos em 25%.
Para se adaptar ao orçamento, reduzido em R$ 19,2 milhões, o TRT de Santa Catarina (12ª Região) optou por diminuir o teto das diárias e limitar o número de dias do mês em que servidores e magistrados podem recebê-las. E mais cortes estão previstos. Por meio de nota, a assessoria de imprensa informou que "as áreas técnicas vêm se reunindo diariamente com o objetivo de estabelecer uma série de medidas para adequar o orçamento".
No Pará (8ª Região), haverá bloqueio dos computadores a partir das 16h. A medida visa forçar a saída dos funcionários no horário. Também haverá redução dos valores das diárias de magistrados e servidores, cortes em gratificações e cursos de capacitação. Está sendo estudada ainda a redução dos contratos de serviços de limpeza e vigilância e no número e valores de bolsas de estágio.
Os tribunais regionais do Rio Grande do Sul (4ª Região), do Distrito Federal e Tocantins (10ª Região), Sergipe (20ª Região) e Pernambuco (6ª Região) informaram ao Valor que ainda estudam quais medidas serão tomadas para a adequação ao orçamento. Os anúncios em todos os casos devem ser feitos nos próximos dias.
Justificativa para corte é atuação ´danosa´ da Justiça do Trabalho
Joice Bacelo | De São Paulo
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) estuda ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os cortes no orçamento - que chegaram a quase 30% para as verbas de custeio e 90% aos recursos de investimentos. Para a entidade, houve desvio de finalidade na atividade legislativa.
A interpretação da associação tem como base o relatório do deputado Ricardo Barros (PP-PR), relator-geral do orçamento da União para 2016. Isso porque em seu parecer, o deputado justifica a necessidade de cortes - sugeridos inicialmente que fossem de 50% para as verbas de custeio - em razão da forma de atuação da Justiça do Trabalho.
No documento, o parlamentar defende que "as regras atuais estimulam a judicialização dos conflitos trabalhistas, na medida em que são extremamente condescendentes com o trabalhador". O deputado afirma ainda que a situação "é danosa às empresas e ao nosso desenvolvimento econômico".
"Nesse sentido, estamos propondo o cancelamentos de despesas de maneira substancial, como forma de estimular uma reflexão sobre a necessidade e urgência de tais mudanças", completou o deputado relator do orçamento.
De acordo com o presidente da Anamatra, Germano Siqueira, a maneira como os cortes foram definidos pelo Congresso é gravíssima do ponto de vista democrático. "Discutir a legislação é um papel do legislador, mas impor isso ao Poder judiciário por meio do corte orçamentário é inadmissível", afirma.
O presidente da Anamatra destaca ainda para o risco de decisões como essa. Segundo Siqueira, abre-se precedentes que poderão atingir outros ramos do poder Judiciário. "Imagine, em um ano eleitoral, por exemplo, o relator dizer que não gostou das impugnações do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e por isso decidiu cortar o orçamento. Não dá para cortar verba porque não gosta da maneira como a Justiça atua. É uma interferência direta em outro poder".
A Justiça do Trabalho foi a que sofreu os maiores cortes orçamentários dentre as demais modalidades do país. Nas Justiças Federal, Eleitoral, Militar e nos tribunais superiores - Supremo, e Superior Tribunal de Justiça (STJ) - as reduções foram de até 20% em relação a 2015.
Contexto
O Projeto de Lei Orçamentária prevê repasse de R$ 17,8 bilhões à Justiça do Trabalho em 2016. Esse valor, em sua totalidade, é um pouco mais alto do que o repassado no ano anterior: R$ 16,6 bilhões.
Desembargadores do trabalho afirmam que a quantia está mais alta por causa das atualizações de vencimentos e previdência de magistrados e servidores. Segundo o último levantamento do Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), essa parcela consome 93,5% da totalidade que é repassada. E esses valores não podem ser cortados pelo Congresso.
Não estão incluídos nesse pacote, no entanto, as verbas de custeio - que abrangem despesas com energia elétrica, água, telefonia, capacitação, programas de estágios e os contratos terceirizados (limpeza e vigilância) - e os recursos destinados a investimentos (para a aquisição de materiais e equipamentos e execução de obras).
Os cortes foram feitos exatamente nesses dois itens. As reduções foram, de cerca de 30% às verbas de custeio e 90% aos recursos de investimentos.