Os problemas que assolam o sindicalismo no Brasil foram tema de uma série de reportagens publicada pelo GLOBO nesta semana. O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira, comentou as questões apontadas. Para ele, a baixa representatividade nos sindicatos contribui para a permanência de dirigentes no poder por décadas. Além disso, a modesta taxa de filiação por conta do individualismo e da falta de garantia de emprego impedem "relações solidárias e coletivas". Confira:
Como o senhor vê dirigentes ficando décadas à frente de seus sindicatos?
Realmente há casos de presidentes que ficam por décadas no comandando de um sindicato. É necessário ver o que está por trás disso. Trata-se essencialmente de um debate sobre democracia interna de sindicatos que passam por problemas dessa ordem, indicando também um grave problema de representatividade, na medida em que cabe essencialmente aos associados definirem os rumos de sua própria entidade e tomarem parte nas suas decisões coletivas, principalmente para renovação periódica dos quadros diretivos. Em uma situação em que os filiados não se envolvem e aparentemente não se incomodam com uma situação evidentemente anormal, é sinal de que os vínculos democráticos, de legitimação e representatividade, estão desfeitos. É também importante lembrar que a Constituição não admite de intervenção do Estado na organização sindical, não podendo haver atuação do Ministério Público ou do Judiciário, salvo para preservar direitos violados, inclusive para assegurar a representatividade dos trabalhadores.
São necessárias mudanças nas leis sindicais?
Para superar essa questão é importante ter claro que cabe apenas ao sindicato definir seu processo eleitoral, na medida da autonomia sindical assegurada na Constituição, desde que não se estabeleçam regras discriminatórias, desproporcionais ou que impeçam disputas. O que temos que discutir talvez seja outra questão que é a unicidade sindical (regra que estabelece que só pode haver um sindicato por categoria profissional em uma determinada área geográfica). O modelo da unicidade sindical enfraquece a representação dos trabalhadores ao invés de fortalecer. Falar sobre reforma sindical e sobre as formas de financiamento das entidades passa por essa discussão. Isso talvez contribuísse para aprimorar o nosso modelo, embora não haja consenso entre os Sindicatos e Centrais, que contam com taxa modesta de filiação.
Isso só ocorre no Brasil?
Não. A baixa filiação não é um problema só no Brasil. Nos Estados Unidos tem havido uma crescente queda no número de sindicalizados nos últimos anos em padrão diferente, por exemplo, de países como Suécia e Dinamarca. As dificuldades principais, penso eu, estão na falta da garantia de emprego e no individualismo que predomina nas relações sociais contemporâneas, o que impede a construção de relações solidárias e coletivas.
Como o senhor vê o debate sobre a possibilidade de se criar contribuições assistenciais compulsórias a toda uma categoria?
As fontes de custeio autônomas são que podem ser definidas pelos próprios sindicatos e têm a finalidade de viabilizar suas ações em prol dos associados. Na verdade, a contribuição confederativa , por exemplo, que pode ser instituída em assembleia , vincula apenas os associados e não a categoria como um todo. Do mesmo modo a mensalidade sindical. As contribuições estabelecidas em acordos ou convenções coletivas asseguram direito de oposição. De todo modo, há um debate importante sobre a gestão idônea dos recursos sindicais - que parece ser a regra - e é dever das direções sindicais, a ser fiscalizado primeiramente pelos filiados. Caso haja desvios, seja em sindicatos de trabalhadores ou patronais, pode também atuar o Ministério Público. Na verdade, a questão de fundo é a democratização das relações internas dos sindicatos, que permita aos próprios associados intervir em situações desse tipo.
Há muita impunidade nestes crimes que ocorrem em sindicatos?
Há notícias, realmente, de alguns desvios e crimes, como você, que tem como pano de fundo as relações sindicais, embora não se possa tomar a exceção por regra. Mas eu não digo que haja impunidade. Eventual demora no julgamento dessas causas, quando há, resulta da legislação processual anacrônica, que permite uma série de recursos, propiciando uma demora judicial que favorece a sensação de impunidade. Muitas vezes uma decisão leva de 5, 8 anos. Este não é um problema restrito às questões sindicais ou à Justiça do Trabalho.