O novo projeto da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) está sendo discutido no Supremo Tribunal Federal (STF) e já gera uma série de polêmicas envolvendo o conteúdo da minuta do projeto elaborada pelo presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski. O projeto, esperado há anos pela magistratura brasileira, traz uma série de alterações que aumenta os benefícios e o poder dos magistrados, além de estabelecer novos parâmetros para a atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e para a punição de juízes envolvidos em casos de corrupção.
De um lado, as entidades formadas por magistrados defendem que as mudanças preveem a valorização da categoria. Por outro lado, há quem avalie que o projeto está desconectado da realidade econômica do país e que a nova Loman tem um objetivo corporativista.
O papel do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) diante do Poder Judiciário foi um dos pontos abordados no projeto da nova Loman, em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). Um dos aspectos que gera inquietação é a limitação do poder do Conselho, criado para, entre outras funções, exercer controle externo do Judiciário.
Entre as questões que causam divergências está a concessão de benefícios aos magistrados. O novo projeto prevê, entre outros pontos, ajuda de custo para mudanças, auxílio-moradia, auxílio-creche e auxílio-educação para dependentes, auxílio-plano de saúde e reembolso por despesas médicas e odontológicas não cobertas pelo plano de saúde (Veja a lista completa no infográfico).
"Atualmente a magistratura não tem a valorização devida. Uma questão para nós que é muito clara é o adicional por tempo de serviço, que já deveria ter sido instituído novamente e não foi ainda", diz o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) Germano Siqueira. Para ele, um ponto positivo do projeto é encontrar um equilíbrio entre a carreira da magistratura e o Ministério Público.
"Evidentemente, aos olhos da sociedade, a magistratura pode ser bem remunerada, mas existem outras carreiras no sistema jurídico que não têm as restrições que a magistratura possui e, ao mesmo tempo, têm vencimentos assemelhados", diz coordenador da Justiça Estadual da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Gervásio dos Santos.
Em nota, a OAB-PR afirmou que ainda vai estudar a minuta do projeto, mas o presidente Juliano Breda acredita que os benefícios são abusivos. "Desde já é possível constatar uma série de auxílios e benefícios absolutamente abusivos, desproporcionais e incompatíveis com a situação econômica do país", disse Breda na nota.
Impactos
"Nós não podemos imaginar um acréscimo no gasto com a remuneração da magistratura brasileira que pode chegar a 200%", diz o presidente do Conselho Fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Flávio Pansieri. Para ele, a aprovação da Loman geraria um impacto financeiro aos cofres públicos muito grande. "O que talvez seja absolutamente desconectado com a realidade econômica que o país vive", alerta.
Siqueira rebate a afirmação de que o novo projeto traria impactos financeiros aos cofres públicos nessa proporção. "Esses impactos são muito diferentes e ocorrem em tempos distintos", diz o presidente da Anamatra. "O Judiciário tem um limite de orçamento. O projeto não seria enviado ao Congresso fora dos limites fiscais", defende.
O presidente da Anamatra, por outro lado, também diz que a entidade vai discutir a questão dos benefícios para evitar que os magistrados aposentados não sejam prejudicados, já que recebem apenas o subsídio, sem os auxílios. "Nós temos uma preocupação forte com a paridade no sentido de que há muitas verbas de caráter indenizatório que acabam de algum modo sacrificando esse valor forte para nós que é a paridade", diz.
"A minha opinião é que a nova Loman talvez não esteja conectada com o momento histórico Republicano que vivemos", opina Pansieri. "Ela tem muito mais um objetivo e parece ter muito mais uma finalidade de reposicionamento econômico e reenquadramento do plano de carreira da magistratura do que efetivamente uma Loman que venha a trazer um aprimoramento do poder Judiciário brasileiro", avalia o professor. "[O magistrado] deve ter um subsídio condizente com o que ele merece e com o que o estado brasileiro possa pagar", finaliza.
Proposta da nova Loman coloca em dúvida alcance da atuação do CNJ
Desde já é possível constatar uma série de auxílios e benefícios absolutamente abusivos, desproporcionais e incompatíveis com a situação econômica do paísJuliano Breda, presidente da OAB-PR
Evidentemente, aos olhos da sociedade, a magistratura pode ser bem remunerada, mas existem outras carreiras no sistema jurídico que não têm as restrições que a magistratura possui e ao mesmo tempo tem vencimentos assemelhados
Gervásio dos Santos, coordenador da AMB
O papel do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) diante do Poder Judiciário foi um dos pontos abordados no projeto da nova Loman, em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). Um dos aspectos que gera inquietação é a limitação do poder do Conselho, criado para, entre outras funções, exercer controle externo do Judiciário.
No capítulo que dedica ao CNJ, o ministro Ricardo Lewandowski propõe que os magistrados só poderão ser interrogados por conselheiros de instância igual ou superior. "A proposta de reformulação do CNJ me parece que reduz o tamanho e a importância do conselho", avalia o professor Flávio Pansieri.
Segundo o professor, a estrutura administrativa do CNJ não coloca nenhum conselheiro em posição inferior aos magistrados, já que o Conselho está abaixo apenas do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no nível hierárquico do Poder Judiciário.
"Nós sempre defendemos o papel importante do CNJ e não concordamos e nem concordaremos em momento algum com o enfraquecimento do Conselho", diz o presidente da Anamatra Germano Siqueira.
"Me parece que o que a proposta faz é delimitar o papel do CNJ", avalia o coordenador da Justiça Estadual da AMB, Gervásio dos Santos. "Um ponto que pode ser ajustado é a possibilidade de a magistratura participar, ainda que indiretamente, do processo de escolha dos membros do conselho do CNJ", opina.
O Conselho
Em nota, o CNJ informou apenas que "não comenta sobre mudanças de conteúdo legal sobre o Judiciário, porque o tema, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF), extrapola a competência do Conselho".
Outro ponto que gera polêmica na nova Loman é a punição para juízes que sejam flagrados em casos de corrupção. Muitos criticam o fato de que a maior punição administrativa a que um magistrado está sujeito é a aposentadoria compulsória. Nesse caso, o juiz aposentado recebe uma aposentadoria proporcional ao tempo trabalhado.
"É uma construção lógica que tem em vista que o juiz não fique na primeira instância imaginando que se ele decidir algo que seja controverso ele pode receber no outro dia uma notificação com o risco de perder o cargo", defende Siqueira.
O coordenador da Justiça Estadual da AMB afirma que os juízes corruptos podem perder o cargo, desde que finalizado o processo judicial referente à conduta do magistrado. "Há um grande equívoco quando se diz que a pena máxima à magistratura é a aposentadoria compulsória", esclarece Santos.
"Não podemos ter a magistratura livre na sua atuação. Precisamos ter uma magistratura forte, com altivez, imparcial. Uma magistratura que esteja à altura da sociedade em que ela vive. Com direitos e deveres na mesma proporção, sem que se crie uma casta privilegiada", avalia Pansieri.