Juízes estão cansados e estressados
A adoção de metas e a implantação do processo eletrônico no Judiciário têm gerado mais do que stress e cansaço a juízes e servidores. Segundo pesquisas recentes, o aumento de trabalho tem repercutido negativamente na saúde física e mental desses profissionais.
De acordo com censo do Poder Judiciário, os juízes trabalham em média mais de 9 horas por dia. Outra pesquisa, da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, mostra que 33,2% dos juízes ouvidos estiveram em licença médica entre 2010 e 2011. Desse total, 41,5% apresentaram diagnóstico de depressão e 53,5% alegam dificuldades para dormir.
A reclamação sobre o excesso de trabalho também tem crescido na Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), diz a vice-presidente Hadja Rayanne Holanda de Alencar. Para ela, a carga dos magistrados está realmente pesada. São 6 mil processos por juiz. "Os juízes que não cumprem as metas estão sendo penalisados. E, mesmo com o aumento de produtividade, ainda são cerca de 95 milhões de ações no país".
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A imposição de metas e a implantação do processo eletrônico no Judiciário têm gerado mais do que estresse e cansaço em juízes e servidores. Segundo pesquisas recentes, o aumento de trabalho tem repercutido na saúde física e mental desses profissionais.
Hoje, os juízes trabalham em média mais de nove horas por dia e mesmo assim não conseguem dar conta do volume de trabalho, de acordo com o censo do Poder Judiciário, realizado no segundo semestre de 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com 10.796 magistrados.
A carga horária tem sido ainda mais pesada na Justiça Trabalhista, conforme levantamento da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), realizado em 2011 com 706 juízes. Pelo estudo, 45% dos magistrados vão dormir depois da meia-noite e 17,9% se levantam antes das 5 horas por causa do trabalho. Além disso, 64,3 % trabalham nas férias e 70,4% nos fins de semana mesmo estando muito cansados.
O excesso de jornada, segundo a pesquisa, tem desencadeado problemas de saúde à categoria. O estudo da Anamatramostra que 33,2% dos juízes ouvidos estiveram de licença médica no último ano (entre 2010 e 2011). Do total, 41,5% alegam ter diagnóstico médico de depressão e 53,5% afirmam que dormem mal. Desses, 17,5% dos magistrados faziam uso de medicamentos para depressão e ansiedade, um número maior do que de médicos e agentes comunitários de saúde em Belo Horizonte.
Para o presidente da Anamatra, Paulo Luiz Schmidt, os dados são alarmantes em relação aos males causados por estresse e o desenvolvimento de doenças ocupacionais e que devem ter piorado ainda mais nos últimos anos com a intensificação da implantação do processo eletrônico. "Há ainda um grau de tendência ao suicídio altíssimo entre juízes em geral", diz. Com base nisso, a entidade deve pleitear no Conselho Nacional de Justiça(CNJ) uma espécie de "flexibilização" das metas para o ano que vem, que leve em consideração a preservação da saúde.
A Anamatra já apresentou uma proposta aos Tribunais Regionais do Trabalho(TRTs) para a criação de uma meta de redução dos fatores de estresse ocupacional e de risco à saúde de magistrados. No dia 24 de setembro, porém, durante a reunião preparatória para o 8º Encontro Nacional do Poder Judiciário - que será dia 10 e 11 de novembro em Florianópolis (SC) e deliberará sobre as novas metas para o Poder Judiciário - a maioria dos representantes dos TRTs foi contrária à proposta.
Após isso, a Anamatra divulgou nota afirmando que pretende levar mesmo assim a questão ao CNJ e proporá a discussão em assembleias regionais para debater o tema. Segundo a nota assinada pelo presidente da Anamatra, "é incompreensível que o mesmo segmento Judiciário que opera a proteção da dignidade no trabalho à cidadania, inclusive no que diz respeito à saúde e segurança, não tenha a mesma preocupação com os seus próprios magistrados. Só a lógica da produtividade desenfreada, infelizmente estimulada pelo CNJ, sem respeito aos limites humanos pode explicar insensatez de tal envergadura."
A reclamação sobre o excesso de trabalho também tem crescido na Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), segundo a vice-presidente de prerrogativas da entidade, Hadja Rayanne Holanda de Alencar. "As doenças desencadeadas por estresse têm se acentuado significativamente", afirma. Para ela, a carga do magistrado está realmente pesada. São seis mil processos por juiz, de acordo com o CNJ. "Os juízes que não cumprem as metas estão sendo penalizados por isso. E mesmo com o aumento de produtividade, ainda são cerca de 95 milhões de ações no país."
Para o presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), César Bochenek, o surgimento de doenças ocupacionas tem sido muito comum entre juízes e servidores após a implantação do processo eletrônico porque todos acabam ficando muitas horas na frente do computador. De acordo com ele, isso tem prejudicado a visão e gerado lesões por esforço repetitivo, pelo uso do mouse. "Enfim, eu mesmo sou exemplo disso. Já tive tendinite e há dois anos fiz cirurgia para corrigir uma hérnia de disco."
Bochenek, que atua como desembargador do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, no Rio Grande do Sul, afirma que o tribunal já tomou algumas providências para prevenir esses problemas. Entre elas, a instalação de um programa no computador que trava de tempos e em tempos para que o juiz ou servidor se lembre de dar uma pausa no trabalho. Houve também a instalação, segundo o magistrado, de equipamentos ergonômicos, pensando na saúde dos que atuam por lá. "Acredito que outros tribunais tenham tomado medidas semelhantes", diz.
Procurado pelo Valor, o CNJ não retornou até o fechamento da reportagem.
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Processo eletrônico é uma das causas do problema
Os servidores da Justiça também alegam estar adoecendo por excesso de trabalho. Dos 1.097 servidores da Justiça Federal do Rio de Janeiro entrevistados neste ano pelo Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no Estado do Rio de Janeiro (Sisejufe), 61% afirmaram que tiveram aumento na quantidade de trabalho de três anos para cá.
Do total, 74% dos servidores afirmaram que sua atividade sempre ou quase sempre exige movimentos repetitivos e 71% disseram estar em posições desconfortáveis no ambiente de trabalho. Em consequência disso, 59% alegaram ter feito algum tratamento de saúde no último ano.
Esse mesmo levantamento, aplicado em 2011 a 6.273 servidores da Justiça do Rio Grande do Sul, também já apontava que 58,6% percebiam um aumento no volume de trabalho após o processo eletrônico. O impacto podia ser sentido na saúde desses servidores: 61,5% tinham passado por tratamento de saúde no último ano e 24,7% fizeram tratamento psicológico. Além disso, 31,8% apresentaram alguma alteração que pode ser considerada indício de distúrbio psiquiátrico. O levantamento foi realizado pelo Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal (Sintrajufe) no Rio Grande do Sul.
De acordo com Mara Weber, coordenadora-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fejajufe), que reúne os sindicatos de servidores, há casos de pessoas que, na transição do processo em papel para o eletrônico, desenvolveram distúrbios psíquicos menores. "Não somos contra a implantação de novas tecnologias, mas contra a forma como isso tem sido estruturado no Poder Judiciário", diz. Para ela, essa transformação não foi precedida de nenhum estudo ergonômico. "É uma experiência completamente nova, sem precedentes no mundo."
Com o processo eletrônico, os advogados agora podem dar entrada no processo em qualquer hora do dia. Automaticamente, o relator do processo é designado e toda a movimentação processual passa a ser mais rápida e os servidores não conseguem dar conta dessa demanda, segundo Mara. "Os tempos compreendidos como mortos não existem mais. No exato instante em que o advogado protocola a entrada do processo, ele já está na vara federal", afirma. Para ela, "a ferramenta com certeza ajuda a agilizar, mas o ser humano não é uma máquina que trabalha 24 horas por dia".