Maíra Magro O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse ontem que não há hipótese "absolutamente nenhuma" de o MP concordar com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, que impede o Ministério Público de fazer investigações criminais - mesmo com ajustes no texto. "A proposta é insana mesmo. Num país com as mazelas do Brasil, com o nível de corrupção do Brasil, querer limitar as investigações do Ministério Público, ou da Receita Federal, da Controladoria-Geral da União, da Previdência, seria igualmente insano", disse Gurgel.
O procurador foi ontem ao Congresso, acompanhado dos chefes de Ministérios Públicos de dez países ibero-americanos, para entregar aos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), uma nota técnica contra a PEC. Henrique Alves marcou a votação do texto pelo plenário da Câmara para 26 de junho.
"O que se procurou evidenciar é que a PEC 37 não é mais um assunto nacional, é um assunto que preocupa internacionalmente", disse Gurgel. "O crime organizado desconhece fronteiras, portanto se o Ministério Público de um determinado país é enfraquecido, a própria persecução penal na região se enfraquece globalmente."
Procuradores-gerais de 19 países da América Latina, além de Portugal e Espanha, participaram ontem de seminário organizado pela Associação Ibero-americana de Ministérios Públicos (Aiamp) em Brasília, para manifestar apoio ao MP brasileiro contra a PEC 37 - que a instituição batizou de "PEC da Impunidade". Na hora do almoço, dez procuradores-gerais acompanharam Gurgel nas reuniões no Congresso.
O procurador-geral da Costa Rica, Jorge Chavarría Guzmán, secretário-geral da Aiamp, manifestou respeito à soberania do Brasil mas se disse preocupado com a possibilidade de a PEC 37 ser copiada por outros países.
A procuradora-geral de Portugal, Joana Marques Vidal, disse que o Ministério Público daquele país "quer demonstrar seu apoio ao MP brasileiro, porque considera que os poderes de investigação da instituição são essenciais na luta contra a criminalidade."
Antes do encontro, Gurgel disse ver "uma grande dificuldade" no grupo de trabalho criado por Henrique Alves, em abril, para encontrar uma alternativa à PEC 37. Representantes da polícia e do MP não conseguem chegar a um consenso, o que levou à prorrogação das reuniões do grupo até o fim de junho.
Para Gurgel, "não há muito como negociar em termos das atribuições do MP". "Vejo com dificuldade o que enfim negociar quando se está falando de interesses absolutamente indisponíveis", disse o procurador.
Ele rejeitou a alternativa de que o MP só possa investigar crimes em que a polícia tenha atuado de forma omissa, hipótese cogitada durante as discussões do grupo de trabalho. "Isso seria insuficiente, porque haverá muitos casos em que não estaria caracterizada propriamente uma omissão da polícia, e sim sua incapacidade de proceder uma investigação."
Gurgel concordou, porém, com a ideia de equiparar as regras de investigação do MP às do inquérito policial. "O MP jamais pretendeu investigar sem limites, sem parâmetros. A investigação conduzida pelo MP deverá necessariamente oferecer as mesmas garantias que a investigação policial. Vou mais além, certamente ela oferecerá garantias bem maiores que a polícia pode oferecer", disse Gurgel.
Ontem, as associações dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) divulgaram nota contra a PEC 37. "Retirar do Ministério Público o poder de investigar ou complementar investigações da polícia, quando isso se mostrar necessário - especialmente nos crimes cometidos por autoridades, pela criminalidade organizada, relativos ao trabalho escravo ou infantil ou por integrantes da própria polícia -, enfraquece o Estado de Direito e a segurança pública", diz o texto.
Já o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fechou posição favorável à PEC 37.