A disputa pelo imposto sindical leva entidades a inflar números de associados e um mesmo sindicalista a presidir até oito sindicatos.
Também provoca um conflito entre as centrais pela definição de quais delas podem receber uma parcela da verba anual milionária.
Criada no governo Vargas, a contribuição equivale a um dia de salário e é descontada de forma compulsória de todos os trabalhadores com carteira assinada (sócios ou não do sindicato). A mordida chegou a R$ 1,88 bilhão no ano passado --10% desse valor é repassado às centrais.
Para receber o imposto, as centrais têm de comprovar que representam ao menos 7% dos trabalhadores sindicalizados, segundo a lei nº 11.648, que as reconheceu em 2008 no governo Lula.
Para definir que centrais cumprem essa regra neste ano, o grupo de aferição formado por sindicalistas, técnicos do Dieese e Ministério do Trabalho decidiu coletar dados sobre sindicalizados que constam exclusivamente em atas de apuração de eleições nos sindicatos, com comprovação de votantes.
Por esse critério, cinco entidades teriam direito aos recursos. Mas a CGTB, que, pelas contas do grupo, atingiria 2,98%, entrou com recurso pedindo que sejam aceitos os documentos de atualização parcial da diretoria e apresentou atas de 33 sindicatos filiados, o que elevaria sua representatividade para 7,66%.
As demais centrais protestaram. A decisão está com o ministro, que deve publicar portaria nesta semana.
MULTIPLICAÇÃO
Cinco integrantes do grupo de aferição dos documentos relataram à Folha irregularidades em parte das atas. Há casos de sindicatos que passaram de 2.000 para 20 mil sócios em dois meses.
Um dos sindicatos que constam na lista da central para comprovar sua representatividade --o de trabalhadores na movimentação de mercadorias em geral de Rio Verde (GO)-- é presidido por Djalma Domingos dos Santos.
O sindicalista aparece como presidente de mais sete sindicatos, em cinco Estados: TO, MT, DF, MA e BA. Todos constam como ativos no cadastro de entidades sindicais do ministério (CNES).
Procurada, a CGTB informa não ter conhecimento do caso e afirma que trabalha com entidades que são reconhecidas pelo MTE.
Santos é investigado pelo Ministério Público do Trabalho em Goiás desde 2010, por supostas fraudes em intermediação de mão de obra.
Ele afirma que não recebe imposto sindical, apenas uma "taxa paga pelas empresas".
Responsável pela arrecadação da contribuição de todos os sindicatos, a Caixa informa estar impedida de divulgar valores repassados.
Para o secretário de Relações do Trabalho, Manoel Messias, não há como verificar fraudes "se a entidade entrega atas registradas em cartório". "Não se pode generalizar esses casos. Há muita gente séria no movimento sindical", afirma.
Para advogados, juízes e sindicalistas, as regras que permitem a criação de sindicatos no país precisam ser debatidas para evitar que casos como os relatados na disputa pelo imposto sindical se tornem regra.
"Presidir um sindicato significa estar à disposição de trabalhadores em uma sede fixa, no chão da fábrica. A lógica do sindicato é estar ligado a uma base territorial, como prevê o sistema", diz Renato Henry Sant'Anna, presidente da Anamatra (associação de juízes trabalhistas).
O advogado Luis Carlos Moro explica que a lei não impede expressamente uma pessoa de presidir vários sindicatos, mas o caso é "um indício de violação do princípio democrático, inaceitável".
A questão também reacende o debate da reforma sindical, avalia Vagner Freitas, presidente da CUT: "É preciso discutir financiamento, a representação no local de trabalho e sindicatos que passam de pai para filho".
"Casos assim desmoralizam o sindicalismo. É uma aberração", diz Wagner Gomes, presidente da CTB.
Para Paulo Pereira da Silva, da Força Sindical, os próprios dirigentes, ao constatarem irregularidades, deveriam revelá-las ao Ministério Público. Segundo José Maria de Almeida, do Conlutas, os sindicatos deveriam existir sem o imposto sindical.
Há 40 anos dedicada exclusivamente a vender acessórios para carros em Pelotas (RS), a Nacionais Autopeças nunca foi sindicato, mas possui um código dado pelo governo apenas a esses órgãos.
A empresa faz parte de lista de 34 entidades identificadas pelo próprio Ministério do Trabalho que, sem ser agremiações sindicais, possuem a sequência numérica dada pela Caixa, com autorização da pasta, para receber diretamente na conta-corrente valores da contribuição sindical.
Na lista estão mecânica pesada, casa lotérica, creche, lanchonete, casa de material de construção, assessoria imobiliária, condomínio residencial e até mesmo um "churrasquito".
O levantamento foi feito junto à Receita, a partir dos CNPJs das entidades que têm o código, mas não se recadastraram no ministério.
Edson da Rosa, dono da autopeças, confirma o nome registrado na Receita e o CNPJ da empresa que aparecem na lista de entidades colocadas sob suspeita pelo próprio ministério, autor da lista.
No entanto, afirma que nunca solicitou o código sindical e não recebeu recursos da contribuição. "Não somos sindicato, nunca fomos. Desde 1972 vendemos peças e acessórios para carros."
A Folhalocalizou outras empresas que negam ser sindicato ou não souberam informar se estão habilitadas para receber a contribuição.
Messias admite a possibilidade de falhas no controle interno do próprio ministério e diz que o governo intensificou a fiscalização desde o segundo semestre de 2012.
O MTE pediu à Caixa o cancelamento dos 34 códigos e deu prazo para que outras 827 entidades se regularizarem.
"Não temos controle da arrecadação, que fica na Caixa", disse Messias. O banco disse que, por causa do sigilo bancário, não pode informar se entidades receberam contribuição sindical.
Militante há 35 anos no movimento sindical, Djalma Domingos dos Santos afirma ter sido procurado por trabalhadores de outras regiões, além de Rio Verde (GO), para "ajudar a organizar as bases".
No primeiro contato com a Folha, na quarta-feira, pediu um tempo para informar quantas entidades presidia. "Preciso olhar no cadastro."
Na sexta-feira, informou por e-mail que comitivas de outras regiões pediram que ele participasse das assembleias de organização.
"Na ânsia de querer ser útil e ver fortalecida a categoria, assumi compromisso com vários sindicatos, aceitando presidi-los, dentre os quais muitos ainda em fase de regularização junto à Receita Federal, ao Ministério do Trabalho, às prefeituras e a outros órgãos, haja vista estarem inativos ou desativados. Aceitei esse desafio por convencimento, por ter disposição e não haver nenhum impedimento na legislação."
Santos informou que sua filha preside o sindicato da categoria em Pernambuco e que o filho o auxilia como diretor em outros dois.
"Seu Djalma assumiu o sindicato do Tocantins, quando o seu Lázaro [Lazaro Garcia Fernandes] faleceu", disse uma funcionária que não quis se identificar, de uma empresa de informática que funciona no endereço fornecido com o do sindicato dos trabalhadores de movimentação de carga do Estado de Tocantins.
Os sindicatos presididos por Santos são filiados à CGTB. "Todos os sindicatos filiados à central têm carta sindical. Ter carta é ter o reconhecimento do Ministério do Trabalho", diz o presidente da CGTB, Ubiraci Dantas de Oliveira.