Para Britto, leis estaduais não ferem regra nacional que autoriza amianto.
Marco Aurélio Mello entendeu que estado não pode legislar sobre o tema.
Os relatores de duas ações no Supremo Tribunal Federal (STF) que questionam a proibição do amianto no Rio Grande do Sul e em São Paulo divergiram nesta quarta-feira (31) sobre a legalidade das leis estaduais que baniram o produto. O amianto é usado para a fabricação de caixas d´água e telhas.
O presidente do Supremo, ministro Carlos Ayres Britto, que relatou ação sobre o Rio Grande do Sul, considerou válidas as leis estaduais. Marco Aurélio Mello, relator de processo sobre São Paulo, votou pela inconstitucionalidade das normas dos estados.
As duas ações alegavam que os estados não poderiam proibir o amianto, uma vez que há lei federal que autoriza, com restrições, o uso do produto no país. Após os votos dos relatores, a sessão do Supremo foi encerrada sem os votos dos demais ministros, e a decisão final sobre o uso do amianto nos dois estados foi adiada.
Em razão da viagem do relator do processo do mensalão no STF, ministro Joaquim Barbosa, o Supremo fez uma sessão nesta quarta para analisar outros temas - o julgamento do mensalão já dura três meses. A análise das ações sobre o amianto levou mais de seis horas da sessão desta quarta.
Para Britto, o estado pode criar uma regra diferente da lei nacional em benefício dos direitos fundamentais.
A lei estadual aqui impugnada ao proibir comercialização de produtos à base de amianto, em verdade, cumpre muito mais a Constituição no plano da proteção da saúde, e evita risco à saúde da população em geral e dos trabalhadores. A legislação estadual é que está mais próxima da Constituição em termos de direitos fundamentais, disse.
O presidente do Supremo citou que, quando jovem, via em Sergipe casas com telhados de amianto. Aquilo era uma sauna, uma estufa, fábrica de adoecimento. E eu dizia para mim mesmo quando o sol bate nesses telhados de amianto não sei se ele está batendo ou apanhando.
Se há tanta dúvida, tanto estudo que aponta risco de lesão, in dubio pro societate" Francisco Sanseverino, subprocurador-geral da República
Já para Marco Aurélio Mello, os estados não têm competência para legislar sobre o tema, de responsabilidade federal. Ele afirmou que a proibição em alguns estados pode representar insegurança jurídica e estimular conflitos entre unidades da federação.
A proibição do comércio pode ensejar um novo capítulo da guerra federativa. O Supremo deve agir de modo a evitar que venha a balia outro capítulo da guerra federativa em razão de tributos, afirmou o ministro em sua argumentação.
Penso que, se proibido este produto, a porta ficará aberta para se proibir 'n' coisas e talvez devêssemos retornar à épocas das cavernas" Marco Aurélio Mello, ministro do STF
Ministério Público O subprocurador-geral da República Francisco Sanseverino, que falou representando a Procuradoria Geral da República, opinou pela manutenção das leis estaduais. Se há tanta dúvida, tanto estudo que aponta risco de lesão, in dubio pro societate, disse, citando o princípio de que na dúvida, a sociedade deve ser beneficiada.
Ayres Britto concordou e argumentou que os estados podem editar uma lei suplementar à lei federal para preservar bens jurídicos, como saúde e meio ambiente.
Marco Aurélio Mello criticou a argumentação da Procuradoria, de que a sociedade deve ser favorecida. Deve se afastar prevalência da norma mais favorável ao meio ambiente, saúde e consumidor. O critério não pode ser acolhido porque representa inequívoca inversão do trabalho legislativo.
O ministro disse que proibir o amianto é "retornar à época das cavernas. "Penso que, se proibido este produto, a porta ficará aberta para se proibir 'n' coisas e talvez devêssemos retornar à épocas das cavernas."
Lei federal autoriza amianto A lei federal que autoriza o uso do amianto do tipo crisotila no país é a 9.055/1995. Havia outra ação na pauta do Supremo que questionava a lei nacional, mas esse processo não chegou a ser julgado porque não havia quórum mínimo de oito ministros o tribunal está sem um magistrado aguardando a chegada de Teori Zavascki e não estavam presentes os ministros Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa.
Como Dias Toffoli se declarou impedido por ter atuado como advogado-geral da União no processo sobre a lei federal, o presidente do Supremo, Ayres Britto, decidiu analisar só as regras estaduais, uma vez que sobre elas Toffoli poderia votar.
A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Associação Nacional Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), autoras da ação contra a lei federal, disseram que o amianto é lesivo à saúde humana, mesmo em parâmetros controlados e pediram a inconstitucionalidade da lei.
As outras duas ações sobre as leis estaduais de São Paulo e do Rio Grande do Sul são de autoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI). A entidade afirma que os estados afrontaram a lei nacional.
Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) questiona a lei do Rio Grande do Sul 11643/2011, que prevê proibição da produção e comercialização de itens à base de amianto no Rio Grande do Sul. Outra questiona a lei de São Paulo 12684/2007, que proíbe qualquer uso de amianto no estado.
O Supremo realizou no fim de agosto uma audiência pública para ouvir diversos especialistas sobre o uso do produto. Na discussão, integrantes de diferentes ministérios do governo federal divergiram sobre os prós e contras do amianto.
Pró-amianto
O advogado Marcelo Ribeiro, que defendeu a CNTI no plenário do Supremo nesta quarta, afirmou que as duas leis estaduais não podem ferir uma regra nacional sobre o tema.
As leis estaduais aqui afrontam diretamente a lei federal. [...] Mesmo assim me parece que seria estranho que o estado de São Paulo proibisse, Minas Gerais liberasse. [...] Os estados não têm competência para legislar sobre esse assunto, contrariando a lei federal. Não podem contrariar a lei federal, se for contrariar diretamente, revoga a lei federal, disse.
Os estados não têm competência para legislar sobre esse assunto, contrariando a lei federal. Não podem contrariar a lei federal, se for contrariar diretamente, revoga a lei federal" Marcelo Ribeiro, advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria
Ribeiro disse ainda que a convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) não proíbe o amianto, apenas pede que o produto seja utilizado com segurança.
A convenção da OIT entrou em vigor para o Brasil em 1991 e pede a observação de medidas de segurança para os países que mantiverem a atividade de exploração do amianto.
Com a devida vênia, a convenção 162 da OIT diz que os países signatários que puderem e quiserem banir o amianto podem fazer, aqueles que quiserem continuar, devem tomar cuidado para que a saúde do trabalhador seja mantida, completou o advogado da CNTI.
Para o advogado Marcelo Ribeiro, a proibição do amianto deve ser analisada na ADI sobre o uso do produto em todo o país.
Carlos Mário da Silva Velloso Filho, que falou em nome do Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC), citou que há outros produtos perigosos, como carvão e níquel, que não são proibidos. Ele também chamou de mito a informação de que os países desenvolvidos não usam o amianto crisotila.
O mito há que ser desfeito. Não é verdade que apenas países em desenvolvimento usam o amianto crisotila. Isso é um mito. O Canadá consome 16 mil toneladas de crisotila por ano, afirmou.
Velloso Filho citou que, com a proibição do amianto, o país perderia 170 mil empregos diretos, além do fato de que 52% dos telhados brasileiros é de amianto crisotila.
Os riscos do uso do amianto superam os custos de sua proibição. [...] Atualmente, cerca de 150 países do mundo baniram o amianto. Por essas razões, o estado de São Paulo, ao editar a lei, apenas observou as normas da OIT" Thiago Luís Sombra, procurador do Estado de São Paulo, que defendeu lei estadual contrária ao amianto
Contra amianto O procurador do Estado de Sçao Thiago Luís Sombra falou pelo governo do estado de São Paulo e fez a defesa da lei paulista que proíbe o amianto. Segundo ele, há absoluta segurança de que o amianto tem efeito nocivo.
A legislação do estado de São Paulo atende não só a precaução. É meio necessário porque não há outra forma de evitar riscos do uso do amianto. Os riscos do uso do amianto superam os custos de sua proibição. [...] Atualmente, cerca de 150 países do mundo baniram o amianto. Por essas razões, o estado de São Paulo, ao editar a lei, apenas observou as normas da OIT.
Segundo o defensor, a proibição do amianto em São Paulo não prejudicou a indústria local. Antes da lei paulista, 19 empresas funcionavam, depois da lei, 17 continuavam a funcionar. Qual foi o risco da atividade econômica, qual foi o risco para o emprego? As empresas se adequaram a outras atividades. Não há nenhum risco ao pleno emprego.
O advogado Mauro de Azevedo falou em nome da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) e disse que não há controle possível sobre o amianto. Não há controle possível, portanto, excelências. O uso controlado é uma falácia, não há como assegurar que o uso controlado não prejudica o trabalhador.
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