» PAULO LUIZ SCHMIDT Juiz do Trabalho, é presidente em exercício da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)
Mais de 7,2 milhões de brasileiros são trabalhadores domésticos, o que representa 17,7% da população feminina ocupada, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego.Desse montante, apenas 30% são trabalhadores formais, ou seja, possuem a carteira de trabalho assinada pelo patrão.Tal realidade soma-se ao cenário dos direitos trabalhistas desses cidadãos, que vivem à margem de uma legislação que para eles é altamente restritiva e que, portanto, está longe de garantir uma vida digna para essas famílias. A situação só se agrava se considerarmos que praticamente não há programas sociais especificamente voltados para esse contingente de brasileiros que, de alguma forma, compense a discriminação que a própria lei prevê.
Os juízes do Trabalho convivem diariamente com esse cenário, que é agravado pelo reiterado desrespeito a esses direitos minimamente assegurados. Considerar que menos de 1/3 tem o registro formalizado dá bem a medida dessa triste realidade. Não fosse bastante, os empregados domésticos não possuem, por exemplo, limite de jornada de trabalho estabelecida em lei, não recebem hora extra, salário-família, adicional noturno, tampouco têm garantido o recolhimento obrigatório do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) por parte do patrão.
Almejando mudar esse cenário, tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 478, de 2010, que aguarda votação na Comissão Especial da Câmara criada para discutir a matéria. Trata-se de uma proposta legislativa que representa grande passo para a cidadania e a igualdade social, tendo em vista que concede aos trabalhadores domésticos os mesmos direitos dos demais trabalhadores brasileiros. Tal desigualdade, vale ressaltar, jamais deveria existir.
Na seara internacional, vale lembrar que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou, em 2011, a Convenção 189, prevendo, por exemplo, direitos como o descanso semanal de pelo menos 24 horas consecutivas, um limite para pagamentos em espécie, bem como o respeito pelos princípios e direitos fundamentais no trabalho, incluindo a liberdade de associação e negociação coletiva. Convenção essa ainda não ratificada por nosso país; apenas pelo Uruguai e pelas Filipinas.
Por seu lado, é necessária uma mudança de paradigma na própria sociedade brasileira.
Isso porque estamos falando de 70% de trabalhadores domésticos que estão na informalidade, que, mesmo que a legislação seja alterada, não terão garantidos os direitos, ainda que mínimos. O Brasil precisa abandonar a cultura da economia em detrimento do respeito à vida de um ser humano, que deve ser tratado como tal.
Outro ponto merece atenção dentro do cenário do trabalho doméstico no nosso país: o trabalho doméstico infantil. Infelizmente, ainda é bastante comum vermos, principalmente, meninas saírem de cidades interioranas em busca de trabalho em "casas de família" nas capitais. E muitas vezes não têm oportunidade de ir à escola e recebem como remuneração apenas comida e lugar para dormir.
O trabalho doméstico, de acordo com o Decreto nº 6.481/2008, é considerado uma das piores formas de trabalho infantil, pois sujeita crianças e jovens a esforço físico intenso, isolamento, abuso (físico, psicológico e muitas vezes sexual), longas jornadas de trabalho, movimentos repetitivos e tantas outras características que podem comprometer o seu processo de formação psicológico, físico e social. Trata-se de uma realidade preocupante e de difícil fiscalização, quiçá mensuração, mas estima-se que mais 400 mil crianças encontram- se nessa situação no Brasil.
O momento, no que tange o trabalho doméstico em nosso país, é de urgente mudança.
E um primeiro passo, que faria bem para a nação, seria a contribuição do Congresso Nacional para a dignidade desses trabalhadores.
Outrossim, é a necessidade de a sociedade compreender que trabalho doméstico é atividade laboral como outra qualquer e deve receber o mesmo tratamento legal.
Que o ano de 2012 sirva para limpar de vez essa mancha que há 24 anos existe em nossa Constituição, que as relações entre empregados domésticos e patrões evoluam para um patamar aceitável e que o nosso país abandone a cultura residual da época da escravidão, à la casa grande e senzala.