Por juiz Paulo Ricardo Bruschi*
Manifestação do ministro Cezar Peluso, presidente eleito do STF, sinalizando que, ao enviar o projeto de Lei Orgânica da Magistratura ao Congresso, não vai se desgastar para defender 60 dias de férias aos magistrados, mostrou-se a um só tempo infeliz e inconsequente, causando à magistratura brasileira um misto de frustração e perplexidade.
A reação deve-se ao fato de que sua excelência, embora juiz de carreira, não demonstrou à sociedade as funções da magistratura e suas especiais peculiaridades. Ao contrário, fez emergir artigos na mídia nacional, pondo pá de cal no assunto, como se de matéria sedimentada se tratasse: como qualquer trabalhador, juízes teriam direito apenas a 30 dias de descanso. Verberou-se: “Mas, meretíssimos (sic): chega de tanta hipocrisia” quanto à nota externada em conjunto pela AMB, Ajufe e Anamatra, entidades nacionais representativas da magistratura, em defesa da prerrogativa.
Vista nos parâmetros simplistas colocados na mídia, efetivamente se tornaria praticamente indefensável. Porém, um lado oculto no debate precisa ser evidenciado: o juiz, agente público, exerce seu labor em muito mais horas do que um servidor, sem qualquer compensação. Em 2009, foram julgados 1.524 processos pelos juízes catarinenses: 5,77 processos diários, cálculo que abstrai apenas sábados e domingos. Consideradas, ao menos, duas horas por processo, mais de 11 horas diárias já terão sido consumidas, carga horária, então, muito acima da média do trabalhador brasileiro.
Hipocrisia, pois, é afirmar que juiz tem que reduzir período de descanso sem o natural pagamento de horas excedentes e compensação por plantões, regra aplicada a todo o trabalhador. A sociedade precisa estar ciente de que a magistratura do país lutará contra a extinção da prerrogativa sem a respectiva contraprestação pelas horas extras, plantões e outros direitos trabalhistas que não lhe são garantidos.
Se o debate visa a alcançar tratamento igualitário com os trabalhadores, que então seja pleno. Exigir que juízes trabalhem muito acima da média do trabalhador, sem compensação, não só é injusto do ponto de vista trabalhista, mas é uma causa absolutamente demagógica que, certamente, não contribuirá para tornar a Justiça mais célere.
(*) Presidente da Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC)