Os R$ 62,8 milhões que as centrais sindicais receberam de imposto sindical em 2008 foram gastos com compra de sede, pagamento de dívidas, viagens e também aplicados no mercado financeiro. Esse valor, que deve chegar a R$ 75 milhões neste ano e pode ser gasto como as centrais determinarem, deveria ser alvo de fiscalização, segundo o Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União).
O procurador Marinus Eduardo de Vries Marsico, que atua junto ao tribunal, vai encaminhar até o final deste mês representação ao ministro relator André Luís de Carvalho para pedir que o TCU investigue como as entidades sindicais gastam essa verba.
O imposto sindical é uma contribuição descontada de todos trabalhadores com carteira assinada de forma compulsória e equivale a um dia de salário. Também é recolhido pelas entidades patronais. Cada empresa paga de acordo com seu capital social. Em 2008, a arrecadação total desse imposto chegou a R$ 1,45 bilhão -cerca de R$ 1 bilhão foi para entidades de trabalhadores. As centrais receberam cerca de 10% do total.
"Essa é uma verba que chama a atenção e deve ser fiscalizada. O trabalhador é obrigado a pagar. Pela Constituição Federal, o TCU tem competência para fiscalizá-la", diz Marsico.
Os recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), repassados a centrais e entidades patronais, e do Sistema S, destinados aos empregadores, já são fiscalizados pelo TCU.
Na lei que reconheceu as centrais, o artigo que previa que o dinheiro do imposto sindical fosse fiscalizado pelo TCU foi vetado pelo presidente Lula. Isso porque esse artigo poderia caracterizar a interferência do Estado no movimento sindical.
"O veto do presidente Lula causou polêmica, mas não muda nada. Quem dá competência para o TCU fiscalizar é a Constituição", afirma o procurador.
Desde o segundo semestre de 2008, Marsico analisa e investiga entre 20 e 30 processos de suposta utilização irregular do imposto sindical, envolvendo ao menos dez entidades.
As seis centrais sindicais que receberam recursos do imposto sindical informaram que prestam contas a conselhos fiscais internos, a seus dirigentes e a entidades associadas. Essa prestação é feita de forma anual, em alguns casos.
"Não faz parte da cultura do trabalhador pedir informações sobre receitas e despesas de entidades sindicais. Quando isso ocorre, é um ato de oposição, não de cidadania", afirma o advogado Luis Carlos Moro. "Nas assembleias em que participam, trabalhadores e sindicalistas estão mais preocupados com reajustes de salário."
Para João Guilherme Vargas Netto, consultor sindical, começa a surgir nas centrais a preocupação em detalhar o orçamento. "As centrais atravessam um período de transição: eram mero somatório de entidades e agora foram reconhecidas legalmente. Há forte discussão nas centrais sobre o padrão orçamentário", afirma.
As aplicações dos recursos do imposto sindical devem ser transparentes, feitas em um portal que possa ser acessado por qualquer cidadão, com amplo conteúdo, atualização permanente e interatividade com o usuário, segundo Gil Castello Branco, consultor de economia da ONG Contas Abertas. "Tudo o que se aplica ao imposto sindical do lado das centrais deve ser aplicado ao patronato."
A Abrat (Associação Brasileira dos Advogados Trabalhadores) concorda. "Todas as entidades que recebem dinheiro de contribuições obrigatórias têm de ser transparentes na divulgação das contas", afirma Luiz Salvador, presidente da Abrat.
Para CUT, Força Sindical, UGT, Nova Central, CTB e CGTB, o Estado não pode interferir no meio sindical, como ocorria antes da Constituição de 1988, mas elas não são contrárias à transparência no uso do imposto sindical.
A Anamatra (associação dos juízes trabalhistas) avalia que as centrais não são obrigadas a prestar contas ao governo nem ao TCU do uso do dinheiro recebido porque são entidades privadas e essa verba deve ser usada para financiar suas atividades. "A fiscalização deve ser feita pelos trabalhadores, não pelo governo. Nem as empresas que recebem incentivos fiscais são fiscalizadas", diz Cláudio Montesso, presidente da Anamatra. Se o Brasil optar por fiscalizar as entidades sindicais, correrá o risco de ser denunciado à OIT (Organização Internacional do Trabalho) por prática antissindical, segundo diz
Centrais dizem que não temem fiscalização nas suas contas
As centrais sindicais informam que não temem fiscalizações e algumas estudam publicar seus balanços na internet.
Ricardo Patah, presidente da UGT, diz que, apesar de a lei não obrigar, a central avalia a publicação de informações de gastos na internet. "Prestamos contas de forma transparente nas assembleias. A cada três meses, fazemos plenária com 180 dirigentes para avaliar nossas contas", afirma.
José Calixto Ramos, presidente da Nova Central Sindical de Trabalhadores, afirma que não teme fiscalização do TCU na central. "Trabalho numa disciplina rígida e legal. Entendo que o TCU pode, sim, fiscalizar as centrais. Basta que alguém denuncie suspeita de alguma irregularidade nas contas. O TCU não vai sair investigando se não tiver denúncia."
Na Nova Central, segundo ele, o dinheiro é gasto de acordo com deliberação do colegiado. "No caso dos sindicatos, quem decide é a assembleia geral. Nas federações e nas confederações, os conselhos de representantes. No nosso caso, em reunião com as entidades filiadas. Temos um congresso marcado para o final de maio para aprovar as contas", diz Ramos.
A CTB informa que presta contas a cada três meses ao conselho fiscal. "Após essa análise, as contas ficam à disposição dos sindicatos associados", diz Wagner Gomes, presidente da central. "E se é para fiscalizar, o TCU deve fiscalizar todos: centrais e patrões."
Antônio Neto, presidente nacional da CGTB, informa que os R$ 2,9 milhões recebidos em 2008 já foram usados em pagamento de dívidas, manutenção do prédio e publicação de revista, entre outros.
"Imposto tem de acabar", diz Artur Henrique
A CUT deve utilizar parte dos R$ 23,6 milhões recebidos do imposto sindical em 2008 para fazer uma campanha para acabar com esse imposto. Artur Henrique, presidente da CUT, diz que esses recursos estão numa conta separada e devem ser usados para ampliar a base de representação da central. Leia a seguir os principais trechos da entrevista. (FF e CR)
FOLHA - A CUT quer o fim do imposto sindical?
ARTUR HENRIQUE - O que foi colocado no debate sobre o reconhecimento das centrais é que o imposto sindical valeria até que se desenvolvesse um projeto de sustentação financeira para o movimento sindical, que viria com o fim desse imposto e a criação de uma contribuição aprovada em assembleia de trabalhadores. Defendemos o fim do imposto sindical.
FOLHA - Como será utilizado o dinheiro do imposto?
HENRIQUE - Criamos uma conta separada para essa verba, que será utilizada em três áreas: formação sindical de dirigentes, comunicação entre as CUTs estaduais e a central e ampliação da nossa base de representação.
FOLHA - O TCU deveria fiscalizar o uso da verba desse imposto?
HENRIQUE - A prestação de contas deve ser feita aos associados que sustentam a central. Nós defendemos que não só os trabalhadores mas também os empresários