A opinião é de advogados trabalhistas e especialistas em direito constitucional consultados pela Folha para analisar as recentes decisões judiciais sobre demissões em massa feitas por empresas de vários setores.
No início deste mês, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) proibiu a Usiminas e outras seis empresas que prestam serviço à siderúrgica de demitir funcionários até o próximo dia 23. A decisão, dada em caráter liminar (provisório), levou em conta o fato de 1.500 dispensas feitas pela siderúrgica desde dezembro não terem sido negociadas com o sindicato dos trabalhadores.
Em fevereiro, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas) também havia suspendido a demissão de 4.200 funcionários da Embraer. Ao julgar o caso em março, o TRT manteve as dispensas, mas as considerou abusivas e determinou o pagamento de indenização aos demitidos (leia texto ao lado).
Na semana passada, representantes dos trabalhadores do frigorífico Independência entraram com mais uma ação no TRT de Campinas pedindo o cancelamento de 750 demissões feitas pela empresa, ao fechar unidade em Presidente Venceslau (SP). O grupo entrou com pedido de recuperação judicial em fevereiro e demitiu 6.600 nos Estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
"A Justiça do Trabalho tem julgado em desacordo com a legislação vigente porque não há lei no Brasil que estabeleça requisitos ou condição para dispensas coletivas", diz o advogado trabalhista Estêvão Mallet. "O que percebo é que há um desejo de modificar a lei, porque muitos [juízes] entendem que ela é inadequada. Mas cabe ao Congresso fazer essa modificação, e não ao Poder Judiciário."
A Anamatra (associação que reúne os juízes trabalhistas), advogados que atuam na defesa do trabalhador e sindicalistas que representam empregados das empresas envolvidas nessas recentes decisões contestam a opinião dos especialistas (leia texto nesta página).
As decisões judiciais concedidas "cerceiam a liberdade" das empresas nas dispensas coletivas e causam "enorme insegurança jurídica", avalia o advogado. "O que é uma dispensa coletiva? Demitir 5, 10, 20, 200 empregados ou 10% do quadro de pessoal? A lei brasileira não especifica procedimentos para demissões em massa."
Segundo Mallet, os tribunais do Trabalho "geram insegurança aos empregadores" ao decidirem de forma distinta sobre dispensas coletivas -no caso da Usiminas, a Justiça proibiu as demissões; no da Embraer, manteve as dispensas, mas determinou o pagamento de indenizações acima do que havia sido proposto pela empresa.
Direito da empresa
O advogado Ives Gandra da Silva Martins, professor emérito da Universidade Mackenzie, explica que o artigo 7º da Constituição, que em seu inciso 1º fala sobre relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, não foi regulamentado por lei complementar e não pode ser aplicado para proibir dispensas.
"O STF [Supremo Tribunal Federal] decidiu que ele só pode ser aplicado se houver lei complementar. Há evidências, portanto, de que as decisões dadas pelos tribunais [de proibir demissões] estão contra a decisão do STF. As empresas podem demitir. Só quando houver uma lei complementar essa matéria será regulada."
Para Gandra, quem deve definir o nível de emprego em uma empresa é "o mercado", e não a Justiça. "Se não há produto para vender, como a empresa vai manter os empregados? Nesse caso, a demissão não pode ser considerada arbitrária nem sem justa causa."
Cássio Mesquita de Barros, advogado especializado em direito do trabalho patronal, vê "exagero" da Justiça. "Não existe lei que force essa negociação [com os sindicatos]. E a empresa não pode ser punida por ter cometido abuso ao não discutir as demissões com os sindicalistas. Isso é absurdo."
Barros diz que o empregador tem o direito de demitir, desde que pague os direitos previstos em lei. "Se o empregador cumpre a lei tanto na demissão individual do trabalhador como na coletiva, está de acordo com a legislação. A Justiça do Trabalho tem de manter o equilíbrio em suas decisões -na proteção do trabalhador e na preservação da empresa."
Logo após a decisão da empresa, sindicatos que representam os trabalhadores da Embraer entraram com uma ação conjunta no TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 15ª Região, em Campinas (SP), pedindo a anulação das demissões.
A principal alegação foi que a direção da Embraer teria desrespeitado a legislação trabalhista ao realizar o corte em massa sem antes negociar uma alternativa com os sindicatos. No dia 27 de fevereiro, o TRT acatou o pedido dos sindicalistas e concedeu liminar que suspendia as demissões.
Especialistas em direito do trabalho apontaram que a decisão do TRT não tinha base legal e que a lei não especifica procedimentos para cortes em massa.
A Embraer, que afirmava ter seguido a legislação trabalhista, recorreu da decisão. Em 27 de março, o TRT voltou atrás e manteve as 4.200 demissões. Os desembargadores, no entanto, consideraram a demissão em massa "abusiva".
O tribunal determinou também que a empresa deve pagar aos demitidos uma indenização de dois salários, com teto de R$ 7.000, além das verbas indenizatórias já previstas em lei -solução que já havia sido proposta pela Embraer.
Ainda pela decisão, a empresa terá de arcar com o plano familiar de saúde dos dispensados por 12 meses. E as rescisões dos contratos devem ser feitas a partir de 13 de março, e não da data do anúncio dos cortes, o que obriga a Embraer a pagar os salários do período.
Tanto os sindicatos quanto a Embraer recorreram ao TST (Tribunal Superior do Trabalho). Os primeiros insistem na reintegração de todos os funcionários dispensados. A empresa tenta rever a decisão do TRT que considerou o corte abusivo e determinou a prorrogação dos contratos.
"Se uma empresa está em dificuldades financeiras, deve abrir discussão com o sindicato de representação da categoria, com a comunidade e o governo para reduzir o impacto social das demissões. Defendo até que abram seus livros contábeis, que sejam transparentes e justifiquem economicamente as demissões que alegam precisar fazer."
Segundo Montesso, nos casos recentes de demissões coletivas, a Justiça do Trabalho interpretou que a liberdade de demitir "não existe mais de forma absoluta". "Gerar empregos é uma função social da empresa; por isso, ela não pode, pura e simplesmente, reduzir o quadro de pessoal, mandando embora sem estabelecer no mínimo uma conversa com os representantes dos trabalhadores e com a sociedade. Até porque, às vezes, uma comunidade de uma determinada localidade depende inteiramente daquela atividade empresarial para se manter."
A Anamatra está elaborando um anteprojeto de lei para regular as dispensas coletivas. "A ideia é estabelecer um regulamento que determine o que é preciso fazer na hora de demitir de maneira coletiva, se é preciso ter negociação e como ela deve ser feita. Também estamos discutindo critérios para a escolha dos funcionários que serão demitidos, como considerar a situação da família do trabalhador (quando sua mulher está grávida, por exemplo) ou se ele está prestes a se aposentar", diz Montesso.
Trabalhar com o que há
Para o advogado trabalhista Luis Carlos Moro, é preciso evitar a "hipocrisia da crise". "Não dá para uma empresa como a Vale, por exemplo, pedir a flexibilização de direitos trabalhistas, mandar trabalhadores embora, colocar milhares de funcionários em férias coletivas, ganhar tempo e depois divulgar um balanço mostrando que, em 2008, lucrou R$ 21 bilhões."
A dispensa coletiva, segundo ele, é um fenômeno existente e claro. "Em muitos casos, como vimos, constitui abuso do direito de gestão da empresa. O abuso de direito que está consagrado como ilícito e que aqui melhor seria dito "abuso de poder". Se não há norma específica para lidar com o problema, há que trabalhar com o que há. E o que existe é bastante para impor aos processos de dispensa coletiva uma necessária humanização", diz Moro.
Ao avaliar a decisão da Justiça do Trabalho que manteve as demissões realizadas pela Embraer e determinou o pagamento de indenizações, José Maria de Almeida, coordenador da central sindical Conlutas, acredita que "não adianta negociar um pacote para os demitidos", mas sim "editar uma medida provisória que permita a estabilidade no emprego" e que crie regras na lei para evitar demissões em massa.