1- Introdução.
a) Breve histórico da Lei 11.276/2006:
A Lei 11.276 foi publicada em 8 de fevereiro de 2006, com vacatio legis de noventa dias, entrando em vigência, portanto, no dia 09 de maio de 2006, de acordo com o critério de contagem de prazos adotado pelo art. 8º, `PAR`1º, da Lei Complementar de 95/98, de inclusão do dia de publicação e de vigor no dia subseqüente ao último dia de prazo.
Essa lei foi gestada na Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça através do "Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano", endossado pelos representantes dos três Poderes da República, e faz parte do "pacote republicano" apresentado pelo Presidente da República em 15 de dezembro de 2004, como parte integrante da denominada Reforma do Judiciário, encabeçada pela Emenda Constitucional 45/2004.
O processo legislativo iniciou-se com o encaminhamento de Projeto de Lei à Câmara dos Deputados, onde recebeu o número 4724/04, da relatoria do Deputado Inaldo Leitão, e posteriormente ao Senado Federal, sob o número 90/05, cujo relator foi o Senador Aloízio Mercadante. O texto original foi mantido em sua essência, modificando-se, na Câmara dos Deputados, apenas a redação do art. 1º, que deu apresentação normativa ao conteúdo da ementa, e sancionado sem vetos em 07 de fevereiro de 2006.
A lei pretende dar continuidade à reforma processual em andamento, dentro do objetivo de assegurar o direito dos jurisdicionados a um processo judicial com "duração razoável", nos termos previstos no art. 5º, inciso LXXVIII, da CF.
b) Dispositivos alterados
A presente lei altera a redação dos artigos 504, 506, 515 e 518 do Código de Processo Civil, cujo fim manifesto do legislador é o demodificar a forma de interposição de recursos, o saneamento das nulidades processuais e o recebimento do recurso de apelação, de forma a restringir o uso de recursos protelatórios em nosso sistema judicial e aumentar a celeridade da prestação jurisdicional.
Malgrado não seja este o tema central deste artigo, apenas a título de informação, destaque-se o aspecto de que o novo texto do art. 504 troca o termo "despachos de mero expediente" por, simplesmente, "despachos". Pretendeu dessa forma unificar a terminologia adotada pelo Código para evitar a variedade de entendimentos em relação ao seu significado. Assim, superou de uma vez por todas uma velha celeuma doutrinária acerca da existência de duas espécies de despachos, quais sejam: despachos propriamente ditos e despachos de mero expediente. Doravante, fica ainda mais claro que dos despachos, assim entendidos como os atos do juiz desprovidos de conteúdo decisório, não cabe qualquer recurso. Por isso que a nova redação do art. 338 do CPC (alterada pela Lei 11.280/06) não se refere mais ao termo "despacho saneador", mas a "decisão de saneamento". Fecha-se, deste modo, mais uma porta para a entrada de recursos protelatórios no processo comum.
Por razão de apuro terminológico, também, alterou-se a redação do art. 506, inciso III, trocando-se a expressão "súmula" por "dispositivo", a fim de evitar-se a utilização de termo equívoco, já que súmula tanto pode ter conotação de suma, resumo de alguma coisa, inclusive uma decisão judicial, como também significar uniformização de jurisprudência. Logo, não se publicará mais um resumo das decisões dos acórdãos como requisito para início do prazo recursal, mas tão-somente a parte dispositiva do acórdão.
A nova redação do art. 506, parágrafo único, do CPC, corrige demais disso a anterior e assistemática remissão feita ao art. 524 do CPC, que não tratava da matéria remitida, direcionando-a agora para o art. 525, `PAR`2º, do CPC, que possibilita a adoção de peticionamento pelo correio ou por outros meios de transmissão de dados, tais como fac-símile, correio eletrônico etc, desde que haja previsão em lei local, assim entendida como aquela proveniente do Poder Legislativo estadual, de acordo com o previsto no art. 24, XI, da CF, para a jurisdição estadual, ou lei federal, em se tratando de jurisdição federal.
2- Saneamento das nulidades
A nova lei introduziu um parágrafo quarto ao art. 515 do CPC, sem precedente de conteúdo normativo similar na antiga redação do dispositivo, cujo teor é o seguinte:
`PAR` 4ºConstatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação." (NR)
A nova redação do dispositivo permite ao relator, na condição de condutor do recurso no tribunal, a realização de diligência para que as partes promovam a correção de nulidade sanável, para que o ato processual viciado seja repetido ou se proceda à sua retificação.
Pretende a reforma, com a abreviação do procedimento, evitar o retorno do processo ao órgão prolator e à declaração de nulidade de sentença, com a conseqüente necessidade do proferimento de outra em seu lugar, e da reiteração de recursos de apelação para o reexame do mérito. Atenua o legislador, por imperativos de celeridade e economia, a tese da negativa de supressão de instância, na senda aberta pela Lei 10.352/2001, que incluiu o `PAR`3º no art. 515 do CPC.
Visa, outrossim, impedir que os processos cheguem aos tribunais superiores somente para a análise de nulidades e que todo o consumo de tempo e dinheiro canalizado pelo Estado para o desempenho de sua função jurisdicional seja desperdiçado sem uma solução definitiva de mérito.
Não há a menor dúvida quanto à utilidade do novo preceito no tocante à perda de tempo e de dinheiro que ocorria quando da remessa dos autos ao primeiro grau. Indaga-se, contudo, quais as espécies de nulidades poderão ser sanadas, tendo em vista a classificação doutrinária em nulidade absoluta, nulidade relativa e anulabilidades.
Há de se notar ainda que o legislador não faz referência a quem pode suscitar a nulidade, se necessariamente a parte a quem prejudica ou se pode ser detectada de ofício pelo tribunal.
Para melhor identificarmos as imperfeições que contaminam o processo, devemos, antes, deixar patente que as nulidades se situam no plano de validade do ato jurídico processual. Não podem ser confundidas com os planos da existência ou da eficácia.
Nada obstante, inolvidável que o plano da validade pressupõe o plano anterior da existência. Não se pode cogitar do exame da validade ou de sua eficácia sem que se esteja certo da sua existência.
A inexistência consiste em uma categoria à parte, absolutamente distinta da nulidade e dos demais defeitos do ato processual, sendo anterior ao plano da validade e também superior em gravidade, o que fica bem claro quando se verifica que nenhuma aquiescência ou decurso de prazo sana a inexistência .
Disso decorre a conclusão de parte ponderável da doutrina quanto a não estar sujeito a prazo o pronunciamento acerca da inexistência[1]. Além de ser inconcebível qualquer limite temporal, incabível também exigir-se um remédio formal para a declaração desse fenômeno. Raciocínio que se impõe à luz daquela primeira premissa. Logo, em se tratando de um ato processual inexistente, inaplicável a nova regra de saneamento, seja porque não se trata de nulidade, mas também pela impossibilidade de repetição ou correção de um ato inexistente. Na verdade, o ato inexistente é um nada jurídico.
A validade muitas vezes é confundida com a eficácia de um instituto ou ato. Mas não é bem assim. A invalidade trata das nulidades por desrespeito às formas e às regras estabelecidas para a realização do ato. Na nulidade, o ato está sujeito a deixar de produzir efeitos ou a ter os já produzidos destruídos ou desconsiderados. Fala-se em possibilidade da privação de seus efeitos típicos e legais, ou seja, dos efeitos jurídicos normalmente esperados. Por isso, vozes altissonantes proclamam que, na nulidade, o direito visa restabelecer situação anterior à agressão da norma.
No terceiro patamar, temos a eficácia. O ato, mesmo nulo ou anulável, pode ser eficaz. A eficácia é a aptidão para produção de efeitos. Por isso, impróprio e equivocado o velho adági "o que é nulo não produz efeitos". Os atos que sofrem de invalidade podem gerarconseqüências até o reconhecimento da nulidade, mesmo se absoluta. Basta pensar em uma sentença de mérito sem motivação ou com fundamentação incompleta. Até que o defeito seja reconhecido, a decisão repercutirá amplamente no mundo jurídico.
Por conseguinte, um ato jurídico processual pode ser existente, válido e eficaz; existente, válido e ineficaz; existente, inválido e eficaz; existente, inválido e ineficaz. Com a possibilidade de saneamento pelo tribunal, abre-se uma via procedimental mais rápida para que o processo tenha um curso regular e livre de vícios, conseqüência de atos processuais existentes, válidos e eficazes.
As nulidades de direito processual seguem regras e princípios que as diferenciam do tratamento ministrado pelo direito material aos defeitos dos atos de direito privado e administrativo. As idéias do aproveitamento ou da conservação, da finalidade e da instrumentalidade das formas emprestam feições distintas aos vícios processuais, a partir do momento em que os atos do processo podem ser válidos, apesar de afrontarem o ordenamento jurídico, desde que alcancem o fim previsto pela norma violada.
Isso resulta da especificidade do direito processual, mantido por institutos, princípios, normas e métodos que compõem sua estrutura própria, garantindo sua autonomia e independência como ciência ou técnica jurídica. Saliente-se, ainda nessa linha de raciocínio, a natureza publicista do processo, tanto civil como do trabalho, em oposição ao caráter privado do direito material comum e trabalhista.
Destarte, ao contrário do que se dá no direito substancial, no processo os atos nulos estão sujeitos, ao menos em alguns casos, à ratificação, aproveitamento e à geração de efeitos. Os atos processuais admitem convalidação e a sanabilidade em amplitude desconhecida no direito material.
Múltiplos são os critérios empregados para distinguir as espécies de nulidades entre si. Vejamos os mais conhecidos: a) produção de efeitos; b) gravidade do defeito; c) sanabilidade ou não do ato; d) o escopo do ato; e ) possibilidade de ser conhecido de ofício ou por provocação da parte interessada; f) natureza da norma e do interesse protegido; g) as cominadas e as não cominadas; h) espécies de vícios (formais ou de rito e os de fundo).
Costuma-se diferenciar as nulidades pela aptidão para produção de efeitos. Da nulidade não adviriam conseqüências jurídicas. Já vimos a falsidade dessa premissa. Tanto os atos nulos quanto os relativamente nulos e os anuláveis, são ou podem ser eficazes. O plano da eficácia não guarda correspondência matemática e simétrica com o da validade.
Outra possível explicação residiria no grau do defeito ou da gravidade da violação da lei. Esse posicionamento é por demais subjetivo, pecando pela pouca clareza. Somente seria aceitável se absolutamente taxativa fosse a lei quanto às circunstâncias que conduzem às várias formas de invalidade.
Define certa corrente doutrinária[2] a nulidade segundo a sanabilidade ou não do ato. Os atos nulos seriam insanáveis e os demais sanáveis. Ledo engano. Todas as nulidades, quaisquer que sejam, são sanáveis. Nem a nulidade dita absoluta está a salvo (basta lembrar da sentença nula coberta pelo manto da coisa soberanamente julgada, quando não mais possível a rescisória).
Poder-se-ia, talvez, apontar a espécie do vício como marco divisor de águas: os vícios formais acarretariam apenas a nulidade relativa ou anulabilidade; os vícios de fundo a nulidade absoluta. Difícil, para não dizer impossível, é a adoção dessa orientação à luz do princípio da instrumentalidade. Ademais, ante o art. 243 do CPC, indiscutível é a possibilidade da tipificação do vício formal dentro das nulidades absolutas.
Juristas mencionam ainda o escopo do ato. Alcançado o seu objetivo, não obstante a omissão de um ou outro requisito, o ato seria válido[3]. Do contrário sofreria do vício da nulidade. Esse critério, todavia, não supera todas as perplexidades encontráveis no tormentoso estudo da invalidade. Por exemplo, qual a espécie de nulidade temos quando não respeitado o escopo da lei? Absoluta, relativa, anulabilidade ? Em que vão se diferenciar essas modalidades de imperfeição do ato processual?
Outro modo de ver as nulidades opera com a faculdade do juiz conhecer o vício ex officio ou somente por denúncia da parte. Aqui se explica menos ainda a essência de cada fenômeno compreendido na invalidade. Para uma respeitável visão, apenas a nulidade absoluta estaria sujeita ao reconhecimento de ofício. Contudo, opinião mais do que respeitável autoriza o conhecimento pelo juiz, dispensada a provocação da parte também nos casos de nulidade relativa[4].
Algumas nulidades classificam-se, ainda, em nulidades cominadas e não cominadas, sendo que só as primeiras impediriam a sanação do ato nulo. A verdade, contudo, é que diversas são as hipóteses de nulidade não-cominadas que trazem a nulidade absoluta (ex: ausência de tentativa de conciliação).
Por fim, apresenta-se o padrão mais aceito modernamente, qual seja, o de que a nulidade é vista sob o prisma da natureza da norma e do interesse resguardado por ela. De maneira que a nulidade absoluta acontecena agressão de norma tutelar de interesse público, sobre o qual as partes não têm poder de disposição. Em se tratando de interesse privado maculado, mesmo que imperativa a norma, a nulidade relativa resta configurada. Sendo interesse privado, mas dispositiva a regra jurídica, o ato sofreria apenas do vício de anulabilidade. A questão, portanto, consiste na identificação da natureza do preceito e do interesse desrespeitado.
Todavia, não será a natureza da nulidade que irá determinar essencial e terminantemente a sua sanabilidade, pois superada a tese que relaciona de forma direta a nulidade absoluta com a impossibilidade de saneamento, bem como, em sentido contrário, a nulidade relativa com o peremptório saneamento. É bem verdade, contudo, que na maioria dos casos a nulidade sanável será a relativa ou a anulabilidade.
Segundo entendimento sedimentado, as nulidades relativas e as anulabilidades têm como premissa o interesse privado das partes, não se sujeitando estas últimas à análisede ofício pelo julgador, que somente procederá ao seu saneamento se provocado pelas partes. Por outro lado, o silêncio das partes sobre as nulidades relativas ou as anulabilidades importa na convalidação do ato viciado pela preclusão.
Agora, pelo `PAR`4º do art. 515 do CPC, na redação dada pela Lei 11.276/06, essa premissa sofre atenuações quando se trata de recurso de apelação. Com efeito, poderá o tribunal valer-se da nova regra e sanar os defeitos dos atos processuais quando tal for possível.
É o caso, por exemplo, do cerceio do direito de defesa em função do julgamento baseado em provas juntadas após o encerramento da fase instrutória, em que a parte adversa não pôde exercer o contraditório. Aqui, sim, a nulidade pode ser sanada, dando-se vistas à parte das novas provas, bem como o direito de impugná-las. Retificado o ato, o tribunal poderá exercer plenamente seu juízo revisional sem a necessidade de anulação da sentença.
Não só as anulabilidades e as nulidades relativas podem ser sanadas, como já afirmado alhures. É, sim, possível a existência de nulidades absolutas passíveis de saneamento. Exemplifica-se com o caso de um menor que tenha demandado em face de um maior de idade e tenha obtido a procedência integral de seus pedidos, sem que se tivesse sido observada a intervenção obrigatória do Ministério Público, conforme a determinação do art. 82, I, do CPC, cuja conseqüência é a nulidade absoluta, de acordo com o art. 84 do CPC.
Nesse caso, pela regra anterior, dever-se-ia anular a sentença, remeter os autos ao primeiro grau e promover-se a intimação do Ministério Público, prejudicando a parte a quem a regra visava a tutelar. Doravante, mesmo em se tratando de nulidade absoluta, ou seja, regra jurídica cogente e de interesse público que refoge à disponibilidade das partes, pode o Parquet ser intimado na fase recursal, seja em função da argüição de uma das partes, seja pela iniciativa do tribunal, a quem cumpre a função de velar pelo desenvolvimento de um processo sem vícios. Corrigida a nulidade, pode se apreciar o mérito do recurso sem a eiva da ausência ministerial.
A possibilidade da regularização da representação processual, hipótese típica de nulidade relativa, pode ser agora cogitada, superando o argumento de que tal só ocorreria no primeiro grau por força do art. 13 do CPC. Com o `PAR`4º do art. 515 do CPC o tribunal encontra apoio expresso para sanar tal vício[5].
Outro exemplo neste sentido é o caso do litisconsórcio necessário não observado pela instância inferior, que poderá ser suprido em segundo grau, desde que não haja qualquer prejuízo para o litisconsorte. Se a citação superveniente do litisconsorte restringir o seu direito de defesa, não se poderá suprir-lhe a falta, sendo necessária a anulação da sentença e a reabertura da fase de defesa e instrutória para novo julgamento em primeiro grau.
Há, porém, situações de completa impossibilidade de suprimento do ato viciado. É o caso da constatação da nulidade de citação que desaguou num julgamento à revelia do réu. Não será suficiente a repetição do ato em primeiro grau. A superveniente angularização do processo com a integração do réu não afastará a necessidade de se repetir todos os atos posteriores à citação [6].
Não temos dúvida acerca da aplicabilidade do novo regramento ao processo do trabalho, no tocante ao recurso ordinário, sucedâneo da apelação na esfera laboral, tendo em vista a cláusula geral de supletividade do art. 769 da CLT, que consagra os critérios da omissão normativa na Consolidação e da compatibilidade com os princípios do direito material e processual.
Além disso, em se cuidando de regra que tenha por escopo a instrumentalização do princípio constitucional da razoável duração do processo e à celeridade de sua tramitação, todos os esforços de interpretação devem ser implementados para lhe dar a máximaeficácia, por se tratar de um direito fundamental do cidadão em qualquer jurisdição.
Ademais, se até adotada foi a supressão de instância através da "teoria da causa madura", na reforma anterior (Lei 10.352/01, que acresceu o `PAR`3º no art. 515 do CPC), rompendo com o dogma vigente então, o mero saneamento de nulidades na esfera do tribunal é bem mais fácil de "digerir", porquanto inteiramente de acordo com os princípiosda celeridade, informalidade e economia do processo do trabalho, tão proclamados pela doutrina e pela jurisprudência.
Cremos, por conseguinte, que a possibilidade da correção da nulidade pelo Tribunal do Trabalho tornará mais ágil o procedimento laboral, que não pode se dar ao luxo de desprezar as regras garantidoras de sua rapidez e eficiência, seriamente ameaçadas pelo excesso de recursos e de órgãos incumbidos de apreciá-los [7].
3- Inadmissibilidade da apelação e do recurso ordinário em razão da existência de súmulas
A nova lei alterou o texto do antigo parágrafo único do art. 518 do CPC e introduziu um novo parágrafo, cuja redação destacamos:
`PAR` 1o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
`PAR` 2o Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso." (NR).
O ideário reformista de celeridade processual e de segurança jurídica pela previsibilidade das decisões judiciais de mérito ganha aqui contorno bastante contundente, pois mitiga sobremaneira o princípio do duplo grau de jurisdição, ao passo que proporciona ao juízo primeiro de admissibilidade mais um pressuposto de recorribilidade.
Certamente vozes serão ouvidas sustentando a inconstitucionalidade do dispositivo por violação dos princípios do devido processo legal, do duplo grau de jurisdição e da inafastabilidade da jurisdição [8]. Porém, para nós, não procedem tais reservas à inovação legal.
Não se pode esquecer que as reformas infraconstitucionais agora em vigor são desdobramentos da Reforma do Judiciário, implementada em nível constitucional pela EC 45/04, cuja fonte inspiradora foi justamente a insatisfação da população com a falta de efetividade do processo e da ineficiência dos serviços judiciais. Demais disso, não se pode olvidar que o sistema recursal tal qual posto inviabiliza de fato a prestação jurisdicional, na medida em que abarrota os tribunais com serviços além de suas forças e por outro lado impede que se concretize os provimentos decisórios pelo perecimento do direito.
Acresce lembrar que o processo é garantia de acesso à justiça e à cidadania e, por isso, instrumento da realização da paz social e dos direitos consagrados pela lei. Não é um fim em si mesmo. Na medida em que não cumpre a sua missão, a sua função social, soa contraditório alegar-se violação ao devido processo legal pela tentativa de torná-lo efetivo. Na verdade, só haverá devido processo legal quando houver efetividade na entrega da tutela jurisdicional. Por enquanto é uma promessa não cumprida.
De resto, cumpre registrar que mesmo antes do advento da EC 45/04 o STF já vinha sistematicamente acolhendo a constitucionalidade do aumento de poderes do juiz relator previsto no art. 557 do CPC para restringir a admissibilidade de recursos. Não seria justamente agora, com a importância social da Reforma do Judiciário, que iria mudar de posição, para caso similar, em que há mero aumento de poder para o juízo de admissibilidade diferido de primeira instância. Nesse sentido, o seguinte arest
CONSTITUCIONAL - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PROVIMENTO DO RECURSO PELO RELATOR - QUESTÃO CONSTITUCIONAL NÃO DECIDIDA - I. Legitimidade constitucional da atribuição conferida ao Relator para arquivar, negar seguimento a pedido ou recurso e a dar provimento a este - RI/STF, art. 21, `PAR` 1º; Lei nº 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557, redação da Lei nº 9.756/98 - desde que, mediante recurso, possam as decisões ser submetidas ao controle do Colegiado. II. - Inocorrência do contencioso constitucional autorizador do recurso extraordinário. III. - Agravo não provido. (STF - AGRAG 375370 - CE - 2ª T. - Rel. Min. Carlos Velloso - DJU 23.08.2002 - p. 00100)
A inovação reside apenas na antecipação do juízo que poderia[9] ser feito pelo segundo grau, fortalecendo os juízes de primeiro grau, evitando a perda de tempo com o envio dos autos ao tribunal.
O Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, da lavra do Senador Aloízio Mercadante, ressalta que a alteração legislativa tem o "intuito de impedir a propositura de recurso de apelação contra decisão que esteja em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
Esta medida busca solucionar o problema decorrente da interposição excessiva e repetitiva do recurso de apelação em face de decisões que estejam em conformidade com o entendimento pacífico e majoritário dos tribunais superiores, caso em que o inconformismo do recorrente, muitas vezes, é motivado apenas pelas benesses oriundas de eventual efeito suspensivo atribuído ao mencionado recurso. De fato, o que faz o novo parágrafo é adiantar, o trâmite processual, algo já permitido pelo art. 557, do Código de Processo Civil..." (Diário do Senado, 26 de janeiro de 2006, p. 2000).
Muito embora a justificativa legislativa para a alteração do texto tenha partido da premissa de se conceder ao juízo de primeiro grau poderes similares ou idênticos ao do juiz relator, com o fim de obstar a consecução de efeito suspensivo da sentença a recursos sem a menor plausibilidade de êxito, os poderes consagrados àquele não são os mesmos de que este dispõe.
Primeiramente porque o juiz relator pode negar seguimento ao recurso baseado em jurisprudência dominante ou enunciado de súmula do próprio tribunal, do STF ou STJ, enquanto o juízo recorrido só poderá obstar o recurso tendo como paradigma a jurisprudência sumulada do STF ou do STJ. Além disso, o juízo recorrido não poderá adentrar ao mérito recursal para constatar a sua manifesta improcedência ou prejudicialidade, em contraposição a tal poder destinado pelo relator.
Assinale-se que a criação de limites ao processamento de recursos e o alinhamento das decisões dos juízes de primeira instância com as matérias sumuladas nos tribunais superiores não engessa o desenvolvimento da jurisprudência e nem obsta a criatividade da interpretação jurídica, pois não impede que os magistrados de primeiro grau decidam contrariamente ao entendimento sumulado ou tampouco inviabiliza a remessa dos recursos para os tribunais superiores.
Aliás, não faria sentido estender-se o procedimento a pretexto de se garantir ampla defesa e duplo grau de jurisdição se o destino do recurso será o insucesso posterior, seja pela ação do juiz relator ou pelo tribunal ou pelas instâncias superiores. Com isso se prestigia as decisões de primeira instância e se acelera a entrega da tutela jurisdicional àquele que possui uma posição jurídica de vantagem.
Assim, inegável é a contribuição do preceito no que concerne à economia e celeridade processuais. Por outro lado, não afronta qualquer garantia processual dos jurisdicionados. Ao contrário, cria um obstáculo significativo para aqueles que se servem do Judiciário com o único intuito de adiar o cumprimento de seus deveres e obrigações.
Como efeito secundário, mas não menos importante, incrementa-se no processo civil a execução definitiva ante a impossibilidade de se conseguir o efeito suspensivo pela mera interposição do recurso, efeito característico da apelação. Com a negativa de seguimento à apelação, a irresignação do recorrente só poderá ser veiculada por agravo de instrumento (art. 522, caput, do CPC), que, em regra, não possui efeito suspensivo, salvo em casos expressamente previstos na lei (art. 558 do CPC) ou em situações relevantes pela concessão de antecipação da tutela recursal (art. 527, III, do CPC), convencido o juiz relator do preenchimento dos requisitos genéricos previstos no art. 273 do CPC.
A súmula que obsta o seguimento da apelação não é necessariamente a vinculante, instituída pela EC 45/04, que acrescentou o art. 103-A no texto constitucional. Pode ser qualquer súmula do STF ou do STJ. Esta interpretação decorre da falta de exigência expressa pelo legislador nesse sentido, bem como pela impossibilidade atual de se ter súmula vinculante editada pelo STJ.
É preciso observar ainda que entendimentos sumulados, mas superados pela iterativa jurisprudência das referidas Cortes, não têm o condão de obstar o seguimento da apelação. Portanto, é recomendável a constante atualização acerca das matérias enunciadas, principalmente por parte dos advogados e dos juízes de primeiro grau, para que o fim de celeridade e previsibilidade colimado pela lei seja ultimado em bom termo.
Frise-se ainda que a súmula obstativa do seguimento da apelação não se confunde com a súmula impeditiva de recursos, que não foi aprovada na Reforma do Judiciário. O objetivo desta era bem mais amplo, porque impedia quaisquer recursos ou quaisquer outros meios de impugnação se contrários ao entendimento sumulado.
Pode-se questionar o cabimento da presente medida no âmbito do processo do trabalho sob o argumento de que a regra é própria da apelação e, portanto, do processo civil, razão pela qual o legislador teria mencionado apenas o STJ e o STF.
No entanto, deve ser ressaltado que o sucedâneo recursal da apelação no processo de conhecimento trabalhista é o recurso ordinário, guardando com aquele similaridade de características, conquanto haja a marcante diferença da ausência do efeito suspensivo. E, conforme já mencionado, de acordo com o art. 769 da CLT, o direito processual comum é fonte subsidiária do processo do trabalho, desde que a matéria a ser suplementada careça de regulamentação específica na legislação consolidada e que haja compatibilidade principiológica.
É inegável que as reformas no Código de Processo Civil iniciadas em 1994 vêm causando repercussão no processo do trabalho, notadamente em razão da escassez normativa do texto consolidado[10].
Cite-se, a propósito, a incorporação do procedimento monitório, as alterações promovidas na ação de consignação em pagamento ou o aumento dos poderes do juiz relator, com a redação que lhe deu a Lei 9756/98.
Não há dúvida que a nova regra é assimilável principiologicamente ao processo do trabalho, porquanto visa a tornar mais célere o procedimento e mais rápida a entrega da tutela jurisdicional.
Ademais, como a norma trabalhista não dota o juiz de primeiro grau deste peculiar poder de exame de mais um pressuposto recursal, fica configurada a omissão normativa ensejadora da supletividade.
Por outro lado, parece que num primeiro momento haverá questionamento a respeito da literalidade do dispositivo se referir somente ao STF e STJ e nada mencionar, como faz o art. 557 do CPC, a "Tribunal Superior".
Todavia, não vemos nesse argumento sustentáculo razoável a impedir a utilização do preceito comum no processo especializado. Primeiro porque é cediço que a interpretação literal é sempre a mais pobre das técnicas de hermenêutica. Logo, basta utilizar-se da interpretação histórica para verificar que o intuito do legislador foi de antecipar alguns dos poderes previstos no art. 557 do CPC ao juiz de primeiro grau. Se o art. 557 do CPC é amplamente adotado no processo do trabalho, inclusive sendo objeto das Súmulas 353 e 421, da OJ 293 da SDI-1 e da OJ 73 da SDI-2, não há razão para que o `PAR`1º, do art. 518, do CPC, desdobramento (no primeiro grau) do referido art. 557 do CPC, deixe ao largo as súmulas do TST.
Outrossim, não se pode perder de vista que o legislador quando reforma o processo civil não o faz para causar reflexos no processo do trabalho. Seu objetivo é de adequar a lei processual comum à realidade dos novos tempos. A compatibilidade dos textos e a interpretação cabe ao operador do direito.
Ainda que assim não se fosse, resta o fato de que há inúmeras súmulas do STF sobre matéria trabalhista, haja vista que existe um grande plexo de normas laborais trabalhistas na Constituição que podem ser objeto de questionamento, ao final, pela via do recurso extraordinário[11].
O efeito desse novo poder para o juiz do trabalho não será, porém, tão revolucionário quanto para o juiz de direito, tendo em vista que o efeito suspensivo da apelação, alvo do óbice criado pelo legislador, não tem lugar no recurso ordinário. Malgrado a ressalva, é sempre bem-vinda uma solução jurídica que acelere a tramitação do processo e assegure uma razoável duração para a entrega da tutela jurisdicional à pessoa que tenha este direito, sobretudo em se tratando de crédito trabalhista, de cunho alimentar e elevado pela Constituição ao status de direito fundamental.