Durante esta semana, ocorreram no Brasil inteiro diversas iniciativas de prestígio à conciliação, atendendo à campanha lançada pelo Conselho Nacional de Justiça, denominada CONCILIAR É LEGAL. Trata-se de saudável busca de pacificação social, incentivando a que as próprias partes resolvam suas demandas, se possível sem interferência do Poder Judiciário, o que geraria um ganho social nos seguintes aspectos: redução dos custos e do tempo de solução de uma disputa jurídica; democratização do acesso à justiça, com efetiva participação social; diminuição do número de processos, atenuando o grave problema da morosidade da justiça. No âmbito das questões trabalhistas, porém, é necessário que façamos algumas ponderações sobre as conciliações.
Em primeiro lugar, há que se dizer que a Justiça do Trabalho já é um modelo a ser seguido em termos de conciliação. O legislador moldou o processo do trabalho de modo a colocar o patrão cara a cara com o empregado nas audiências, o que, por si, já é um estímulo aos acordos - assim, se o trabalhador não comparece à audiência o seu processo é arquivado e ele terá que ajuizar nova ação, enquanto que se o empregador não comparece à mesma audiência, o feito será julgado à sua revelia. Não bastasse, a lei trabalhista determina que o juiz do trabalho aconselhe as partes e use os meios adequados de persuasão para a solução conciliatória do litígio, em qualquer fase da audiência. Por tal imposição legal de comportamento, os juízes do trabalho muitas vezes são incompreendidos, parecendo às partes que estão "forçando a barra" para um acordo que evite uma sentença a mais a ser elaborada: o trabalhador pensando que está sendo compelido a abrir mão de seus direitos, o empregador com a idéia de que está sendo obrigado a pagar o que não deve. Nada disso: a legislação é que determina este método de tentar resolver amigavelmente as demandas, o que vem, aliás, funcionando, já que boa parte dos processos trabalhistas são resolvidos de forma ligeira, através de conciliação.
Mesmo para processos dados como perdidos, ou como de difícil solução, como é o caso dos precatórios judiciais, a Justiça do Trabalho tem um relevante trabalho a mostrar para a comunidade. Nesta idéia, o caso de Goiás é exemplar: o TRT criou em 2002 um setor para conciliação de precatórios e foi chamando os devedores (Estado e Municípios) um por um, fazendo convênios de cooperação mútua pelos quais o ente público deposita um valor mensal em conta judicial administrada pelo Tribunal e após conferência das contas existentes nos autos são agendadas audiências de conciliação. Com tal iniciativa, foram resolvidos e pagos mais de 90% dos processos contra entes públicos no Estado, pagando direitos trabalhistas de litígios que tramitavam até há 20 ou 25 anos.
Cabe dizer, porém, que nem todo acordo é possível no âmbito trabalhista, não podendo tal solução servir de incentivo ao descumprimento de normas trabalhistas. Ocorre que no curso da relação de emprego o trabalhador é a parte mais frágil econômica e juridicamente e, assim, tal fraqueza não pode ser projetada para dentro do processo. Nesta perspectiva, a conciliação trabalhista deve buscar um mínimo de recomposição entre as situações jurídicas desiguais das partes.
Diante da existência de direitos trabalhistas fundamentais, assegurados, inclusive, na Constituição Federal, é preciso que se tenha muito cuidado ao se falar em conciliação, sobretudo no que diz respeito a acordos feitos fora do âmbito da Justiça do Trabalho. Exemplo disto é que desde o ano de 2000 funcionam pelo país afora milhares de comissões de conciliação prévia, cuja criação foi autorizada por lei para reduzir o número de demandas que chegam ao Judiciário, instrumento que hoje conta com denúncias em diversos locais, já que alguns destes órgãos tem sido utilizados apenas para fraudar direitos mínimos dos trabalhadores. É claro que não podemos generalizar, mas é inegável que quase sempre quem defende o prestígio às negociações extrajudiciais no âmbito das relações de trabalho são empresários com desejo de obter uma folgada quitação dos direitos de seus empregados longe dos cuidadosos olhos da Justiça Laboral.
Temos uma enorme preocupação, também, quando se defende um modelo de juízes leigos, ou seja, conciliadores judiciais que não sejam magistrados concursados, com todas as prerrogativas constitucionais para o exercício do cargo. No âmbito trabalhista, tivemos a cara, ultrapassada e frustrante experiência dos juízes classistas. Assim, qualquer tentativa de retorno a um sistema parecido com a representação classista, a pretexto de estimular o já altíssimo número de acordos na Justiça do Trabalho, deve ser rechaçada.
O ambiente de conciliação, de
pacificação social deve ser mesmo buscado. No entanto,
é um erro pensar que a prática conciliatória combine
com segurança nas relações jurídicas e com
desenvolvimento econômico. Se em países mais
desenvolvidos as relações trabalhistas tem seus
litígios resolvidos prioritariamente por acordos feitos
pelas próprias partes envolvidas, o fato se dá pelo
alcance de uma melhor cultura de cumprimento da
legislação trabalhista, sobrando para a negociação
fundadas dúvidas que as partes tenham sobre a
interpretação de uma norma, ou mesmo por conta de uma
pretensão de alguma das partes no sentido de mudar o
conteúdo do contrato. Podemos citar o exemplo da
Espanha, onde temos sindicatos fortes, salários
razoáveis e estabilidade no emprego, formando um
ambiente propício à livre negociação, não se podendo
dizer o mesmo de nosso país, sendo, portanto, injusto
se pretender negociar numa situação em que o
empregado, premido pela fome e pelo desemprego, se vê
obrigado a abrir mão de seus direitos básicos se
quiser aceitar receber alguns trocados do patrão.
Pelo visto, em geral a idéia de conciliar é boa, o
que já vem sendo praticado em larga escala na Justiça
do Trabalho. Porém, no âmbito das relações laborais,
temos antes que incentivar uma cultura de efetivo
respeito da legislação trabalhista e dos direitos
constitucionalmente assegurados aos tão sofridos
trabalhadores brasileiros.
______________________________________
(*) Juiz do Trabalho em Goiás.