Três fatos, aparentemente isolados,
ligam-se a um trágico evento recentemente ocorrido na
nossa sociedade: o assassinato de uma criança no Rio
de Janeiro.
Não são os protagonistas dos fatos em questão, por
óbvio, culpados do assassinato. A ligação não é direta.
O que se quer dizer é que alguns modos de pensar e
organizar a sociedade brasileira, de forma egoísta e
elitizada, constituem fatores decisivos para a
produção da injustiça social e daquilo que lhe é
conseqüente, a violência.
Poderia mencionar, aliás, vários fatos que demonstram
isso. Restrinjo-me a três porque são os mais recentes
e, portanto, os mais próximos do crime que acaba de
assombrar o país.
O primeiro, trata-se da recente aprovação do projeto
de lei (PCL n. 7.272/05), que cria a Super Receita,
trazendo consigo a Emenda aditiva (n. 3), de autoria
do Senador Ney Suassuna.
Por disposição da referida Emenda o `PAR` 4º., do art.
6º terá o seguinte teor: "No exercício das atribuições
da autoridade fiscal de que trata esta lei, a
desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que
implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou
sem vínculo empregatício, deverá ser sempre precedida
de decisão judicial."
E, para justificar a Emenda, observou o Senador:
"Esta emenda pretende tão-somente esclarecer um
pormenor, conquanto relevante, no campo das
atribuições das autoridades fiscais integrantes dos
quadros de servidores da Receita Federal do Brasil,
prevenindo situações que possam resultar em
lançamentos insubsistentes em virtude de exorbitação
(SIC) de atribuições, em prejuízo de um adequado
relacionamento entre o fisco e o contribuinte, além de
impor constrangimentos de toda ordem, inclusive de
natureza financeira, ao contribuinte. No caso
específico, cuida-se de explicitar que a atribuição
da autoridade administrativa no tocante à
desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico com
vistas a reconhecer relação de trabalho, com ou sem
vínculo empregatício, está condicionada à prévia
decisão judicial.
Esse entendimento tem por fundamento direitos e
garantias assegurados na Constituição e em normas
infraconstitucionais. Ainda que possa parecer
despiciendo, não é demais assinalar que:
. a liberdade de iniciativa é um princípio
constitucional que assegura a todos o poder para
organizar seus próprios negócios, conforme lhes sejam
convenientes, sem qualquer tipo de ingerência. (art.
170 da CF);
. a liberdade de contratar é exaustivamente
tratada no Código Civil (art. 421 e outros);
. a Constituição Federal, em seu artigo 114, VII,
atribui, expressamente, à Justiça do Trabalho
competência exclusiva para compor os conflitos
decorrentes da relação de trabalho, inclusive para
reconhecimento de vínculo empregatício;
. somente o Poder Judiciário, nos termos do
disposto no art. 50 do Código Civil, é competente
para proceder à desconsideração da personalidade
jurídica, e dentro dos limites da Lei. A instituição
da Receita Federal do Brasil, procedendo à integração
das Administrações Tributária e Previdenciária, é o
momento oportuno para a edição dessa norma, cujo
propósito é o de estabelecer regras de conduta claras e
alinhadas com o ordenamento jurídico, elidindo, por
via de conseqüência, a empreendedores que, de forma
legal e regular, prestam serviços intelectuais por
meio de pessoa jurídica regularmente constituída."
O segundo, que vai no embalo da
apresentação e discussão da Emenda, é a reportagem do
Jornal, O Estado de São Paulo, "O Brasil é campeão em
ações trabalhistas", publicada na edição de 12 de
fevereiro de 2007, cuja chamada, aliás, encontra-se na
primeira página do jornal.
Em tal reportagem, baseado na posição de
"especialistas" (na verdade, dois, o ex-ministro
Pazzianoto e o economista José Pastore) tenciona-se
dizer que existem muitas ações na Justiça do Trabalho e
que isto é culpa da legislação, que instiga ações e
causa desestímulo às contratações pelas empresas.
O terceiro, que corre também na vala aberta pela
discussão da Emenda aditiva em questão, foi a
entrevista dada pelo Ministro do TST, Ives Gandra da
Silva Martins Filho, à Globo News, na qual afirmou o
ilustre e respeitado jurista que a Justiça do Trabalho
é culpada pelo desemprego quando não diz que a
negociação coletiva pode prevalecer sobre o que está
previsto na lei.
Trata-se de manifestações muito graves, que põem em
risco toda a sociedade e que por isto não podem ficar
imunes a uma veemente contraposição, coisa que a
grande imprensa dominante parece não querer.
Neste sentido, aliás, deveria o Ministério Público
do Trabalho agir, de forma urgente, interpelando
judicialmente os autores das passagens supra,
requerendo expresso direito de resposta em defesa da
ordem jurídica, além de denunciar os autores pela
apologia ao desrespeito à lei e descrédito às
instituições públicas deste país.
Mas, enquanto isto não ocorre (se é
que vai ocorrer), é preciso, então, pelo menos, que se
ponham à mostra os equívocos das manifestações supra,
destacando os efeitos perversos que elas provocam em
nossa sociedade.
No que se refere à Emenda aditiva do Senador Ney
Suassuna, o que se pretende é que os mecanismos
utilizados para burlar a legislação trabalhista não
sejam alvo da fiscalização do Ministério do Trabalho,
mecanismos estes, aliás, muito utilizados pelos meios
de comunicação (jornais e canais de TV). Contrata-se um
trabalhador, com todas as características de um
empregado, conforme definido em lei, mas se o faz
obrigando o trabalhador a constituir uma pessoa
jurídica, para que assim ambos obtenham vantagens, com
relação aos tributos que incidem sobre o salário.
Esses tributos, no entanto, não são meros custos, são
o financiamento do Estado Social. Assim, quando não se
registra um empregado e não se contribui com a
Seguridade Social, deixa-se sem hospital um cidadão e
sem escola uma criança...
O que quer o Senador é que o
desrespeito à ordem jurídica seja inatingido pela ação
do Estado. Mas, esta ação é essencial, pois a
configuração da relação de emprego é de ordem pública e
o seu desrespeito, sobretudo nos casos em questão,
pode trazer um benefício imediato ao próprio
trabalhador, que só se dará conta do prejuízo muito
tempo depois, quando, por uma dessas contingências da
vida (que, infelizmente, acometem a todos) precisar de
um serviço público.
É por isto mesmo que a fiscalização do trabalho
integrou-se, expressamente, como atividade essencial
do Estado Social por meio do Tratado de Versalhes, que
pôs fim à 1ª. Guerra Mundial, Parte XIII, art. 427,
item 9: "cada Estado deverá organizar um serviço de
inspeção, dele participando as mulheres, a fim de
assegurar a aplicação das leis e regulamentos de
proteção aos trabalhadores".
Além disso, em suas justificativas, o Senador
desconhece ou finge desconhecer a ordem jurídica, a
qual não limita ao art. 50 do Código Civil a
possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica
(vide, por exemplo, o art. 28 do Código de Defesa do
Consumidor, assim como os artigos 16, 17 e 18, da
própria lei sobre infrações contra a ordem econômica,
Lei n. 8.884/94). Além disso, quando um fiscal autua
uma empresa pelo fato de estar ela se utilizando de
empregados sem efetivar o competente registro, estando
estes trabalhadores travestidos de pessoas jurídicas,
não se dá, propriamente, uma desconsideração da pessoa
jurídica, pois que isto ocorre quando se busca a
responsabilidade dos sócios com relação às dívidas
assumidas pela pessoa jurídica. O que se dá é pura e
simplesmente fazer incidir a regra básica legal de
proteção ao trabalho sobre a realidade verificada "in
loco", por exercício da função típica do Fiscal do
Trabalho, conforme compromisso assumido pelo Brasil
desde quando foi signatário do Tratado mencionado.
O que faz o ilustre Senador, portanto, é uma
tentativa torpe de enganar a sociedade brasileira e
seu objetivo é muito claro: beneficiar quem descumpre o
Direito do Trabalho.
Com relação à reportagem do "Estadão" não é
diferente. Trata-se de uma tentativa leviana de
conduzir a erro os leitores (um jornal, ademais,
deveria respeitar mais os seus leitores), pois diz que
consultou "especialistas" sobre o assunto, mas, na
verdade, expôs a posição de apenas duas pessoas, que
conhecidamente têm posição pré-disposta e tendenciosa
a respeito do tema.
A posição sustentada, ademais, é, como dito, uma
agressão ao Estado Social de Direito, pois faz um
ataque direto à legislação trabalhista de forma
generalizada, fazendo, ademais, com que os empregadores
que eventualmente leiam a reportagem considerem-se
legitimados a descumprir a lei. Quando lembram, então,
que nem o Fiscal do Trabalho poderá atribuir-lhe
alguma obrigação, ficam ainda mais à vontade para
desrespeitar os direitos dos trabalhadores.
Aliás, essa é uma questão da qual passou
propositalmente longe a reportagem: o número de
reclamações trabalhistas não é fruto do descalabro da
legislação e sim do ataque cultural constante do qual
é alvo a Justiça do Trabalho neste país que ainda
possui resquícios
escravagistas.
Ora, trocando em miúdos, o que a legislação
brasileira garante ao trabalhador são direitos
assegurados na própria Declaração Universal dos
Direitos do Homem e que são mencionados em praticamente
todas as legislações dos diversos países do mundo:
limitação de jornada; períodos de descanso (férias,
domingos, feriados, intervalo para almoço); salário
mínimo; regras de proteção ao salário (equiparação
salarial, formas de pagamento etc); proteção contra o
desemprego (FGTS, verbas rescisórias); proteção contra
acidentes do trabalho (insalubridade,
periculosidade)...
Além disso, ainda que se pudesse apontar algum
aspecto específico, de uma outra regra da CLT, que
pudesse estar até em desuso, o fato concreto, que esses
"especialistas" não sabem, ou fingem não saber, e que
o Estadão não procurou conhecer para melhor informar,
é que a enorme maioria das reclamações trabalhistas
versa sobre questões que nada envolvem uma eventual
"complexidade" da legislação. Os casos são muito
simples e referem-se, basicamente, a horas extras,
supressão de intervalo, verbas rescisórias não
pagas... Se fizermos um levantamento dos dispositivos
legais que embasam as reclamações, veríamos que a CLT
em prática é muito, mas muito mesmo, menor do que a do
papel.
Adite-se que do ponto de vista comparativo, a
legislação francesa, por exemplo, é infinitamente mais
minuciosa que a legislação brasileira. Aliás, por
falar em comparação, deveria a reportagem se dado ao
trabalho de pôr em contraste o valor do salário mínimo
no Brasil e nos países que citou.
Pois bem, se a causa do alto número de reclamações
não é a legislação (e não é mesmo - quem diz o
contrário não sabe o que está falando ou está mal
intencionado), então só pode ser outra. O alto número
de ações é provocado, primeiro por conta, exatamente,
desse tipo de ataque à legislação trabalhista que
incita ao seu descumprimento por parte dos
empregadores, forçando os trabalhadores a se socorrerem
do Judiciário (exercendo assim o seu mais lídimo
direito de cidadãos - aliás, a reportagem até mesmo
conduz a acreditar que quem se socorre da Justiça age
de forma "banal"); e, segundo, para parte do segmento
empresarial, um problema de ordem econômica, que os
força ao inadimplemento.
Mas, neste último caso é bom reparar também que:
a) quem causa maiores problemas para os
trabalhadores, e para a Justiça conseqüentemente, não
são os pequenos empresários, muito pelo contrário.
Quem motiva mais ações trabalhistas são grandes
conglomerados econômicos, sobretudo pela reiterada
adoção de táticas de burla à legislação, tais como a
utilização fraudulenta de contratos a prazo, de
terceirização, de sub-contratação, de utilização da
negociação coletiva como forma de reduzir direitos
assegurados em lei etc), sem falar, é claro, em seu
apetite, alimentado pelo poder econômico, de conduzir
o processo até as últimas instâncias, valendo-se da
demora como meio de obter vantagem econômica
(provisionam o custo do processo, aplicam o dinheiro
no mercado financeiro e quando, anos depois, se vêem
obrigadas a pagar, já extraíram das aplicações muito
mais do que pagam); e
b) o problema econômico das pequenas empresas não se
resolve com redução de direitos sociais, pois que isto,
do ponto de vista estritamente econômico, apenas
aumenta a lógica monopolista do capitalismo.
Neste sentido, aliás, se tivermos que pensar em
alguma alteração legislativa esta seria necessária no
sentido de conferir maior coação à norma trabalhista e
não o contrário. Assim, com o respeito aos direitos,
seriam diminuídas as reclamações. Mas não, o Estadão e
seus "especialistas" acham que para acabar com os
cupins justifica-se acabar com as florestas...
No que tange à manifestação do Ministro Ives Gandra
da Silva Martins Filho, em que pese o seu notório
conhecimento jurídico, o problema é que também acabou
fazendo uma apologia ao descumprimento da legislação
trabalhista, com o gravame de ser ele um respeitado
juiz da mais alta Corte trabalhista brasileira,
carregando consigo, portanto, o peso de sua autoridade
pessoal e institucional. Mesmo que apoiado no
pressuposto da vontade coletiva dos tais "atores
sociais", a sua manifestação é equivocada, primeiro
porque a Constituição não permite a solução que
preconiza, qual seja, que as Convenções Coletivas, que
representam o interesse privado, possam suplantar as
garantias legais de natureza cogente, fincadas, assim,
na lógica do interesse público, e, segundo, por
atribuir à Justiça do Trabalho a culpa pelo desemprego.
Esse ataque institucional à Justiça do Trabalho
interessa à sociedade? É evidente que não, afinal seu
dever é fazer valer a ordem jurídica e se deve ter por
pressuposto que o direito vale para todos, pois do
contrário a única lei que tem eficácia é a "lei do mais
forte". Além disso, de forma indireta, o Ministro
acusa, na mesma linha dos demais, a legislação de
causar desemprego. Ou seja, ter direitos no Brasil é
um mal para os trabalhadores. Não seria, então, o caso
de dizer que a lei que protege a propriedade é a
culpada pelas invasões de terra?
Levadas a efeito as considerações do Ministro, então,
para que o Brasil tivesse sucesso econômico,
deveríamos retirar todos os direitos dos
trabalhadores, reinventando o trabalho escravo, aliás,
um trabalho escravo pós-moderno, sem sequer os custos
de alimentação, vestuário e moradia, para que, pronto,
de um dia para o outro, todos tivessem "empregos" e o
Brasil passasse a ser uma potência econômica.
Ora, tudo isto é muito superficial e não resiste a
uma análise mais profunda. Mas, não há interesse da
grande mídia neste debate. O que lhe interessa é
difundir ataques (subliminares e frontais) ao direito
do trabalho e à Justiça do Trabalho, incitando ao
descumprimento da ordem jurídica.
O problema é que uma vez difundido o desrespeito ao
direito dos outros, os que têm seus direitos não
respeitados consideram-se legitimados para, também,
desrespeitar o seu próximo e segue-se assim em uma
roda que gira sem freio. Por exemplo, se o Estado usa
do dinheiro arrecadado em impostos para transferi-los,
em negócios obscuros, a apaniguados dos homens do
poder, os cidadãos sentem-se legitimados a não pagar
impostos; se o empregador não registra um empregado,
este sente-se à vontade para não trabalhar de forma
adequada; se não há recolhimento previdenciário, porque
o empregador não registra, porque o Estado não
fiscaliza as relações de trabalho, ou porque o
dinheiro público é desviado, o cidadão que precisa do
serviço público e não o tem, amaldiçoa o Estado e
quando vê que todos o acusam de ser o culpado da sua
própria miséria passa a ter ódio da sociedade . E,
enfim, diante de um crime, provocado pelo ódio ou pela
necessidade, diz esta mesma sociedade, em atitude
incoerente, que a ordem jurídica para punir o
criminoso deve ser observada pelas instituições
(falando-se até em diminuição da maioridade penal).
Vide, neste sentido, por exemplo, o Manifesto da
Associação Nacional de Jornais, publicado em 15 de
agosto de 2006:
"BASTA À VIOLÊNCIA
Nos últimos tempos o povo brasileiro assiste a uma escalada da violência contra a vida, contra o patrimônio e, nas últimas semanas, contra as instituições democráticas.
Vandalismo generalizado contra o patrimônio público e privado, seqüestros e assassinatos vêm colocando a população brasileira na condição de refém das organizações criminosas.
Sensíveis a este drama vivido pela população, os veículos de comunicação, unidos em suas entidades representativas, deliberaram tomar uma enfática posição comum. Isso porque o Brasil está pagando caro demais pela descoordenação das autoridades federais e estaduais na questão da segurança pública.
O que está ameaçado neste momento, com a escalada da violência e da desordem, não é apenas o cotidiano civilizado a que todos os cidadãos têm direito. É a própria sobrevivência da sociedade democrática, porque sua manutenção depende da autoridade, credibilidade e prestígio das suas instituições. Infelizmente, esses problemas estão colocando em xeque o estado democrático de direito porque a criminalidade está corroendo a certeza da aplicação da lei em função da impunidade.
É urgente e fundamental que aqueles que dirigem o governo e o Estado brasileiro em seus diferentes níveis tomem medidas responsáveis e eficazes contra o crime. Assim como os que pretendem dirigir expressem com clareza suas propostas. E que todos demonstrem inequivocamente o compromisso com o resgate da ordem pública e com a harmonização dos esforços dos Estados e União.
Propomos que o debate eleitoral que se inicia seja efetivamente também um espaço público de reflexão sobre estratégias e propostas concretas para a área de segurança com o objetivo de resgatar a confiança dos brasileiros nas suas autoridades. Propomos que este assunto esteja no centro do debate eleitoral, porque é o centro das preocupações de todos os brasileiros.
A imprensa, que sempre esteve alinhada às grandes causas da cidadania, está convicta de que o próximo passo para a consolidação da democracia em nosso país passa pelo restabelecimento imediato da ordem pública.
Os meios de comunicação, unidos, na sua sagrada missão de informar e garantir a liberdade de expressão, cobrarão veementemente, dos atuais e futuros governantes, soluções eficazes na defesa da sociedade brasileira.ASSINAM ESTE DOCUMENTO:
ANJ - Associação Nacional de Jornais
ANER - Associação Nacional dos Editores de Revistas
Entidades representativas das emissoras de rádio e televisão (ABERT/ABRA/ABRATEL)
Brasília, 15 de agosto de 2006"
Ora, essa hipocrisia de parte da
elite brasileira, que tenta impor a toda a sociedade
um modo de agir que fragiliza os Direitos Sociais,
acusando-o de todos os males de um capitalismo
sectário, segregador e preconceituoso, ao mesmo tempo
em que busca impor o respeito à ordem jurídica para a
defesa de seus interesses privados (liberdade de
contratar, direito de propriedade etc), serve apenas
para aprofundar as injustiças sociais e gerar um maior
ódio da enorme parcela da população brasileira que
está sendo cada vez mais afastada de uma possibilidade
concreta de viver com dignidade.
Se existe algum meio para conferir humanização ao
capitalismo este meio é a eficácia plena dos Direitos
Sociais. É de suma importância que a sociedade
brasileira, como um todo, sobretudo a sua elite, se dê
conta disso e não se deixe levar por análises
parciais, que negligenciam a relevância dos direitos
sociais e fragilizam as instituições públicas voltadas
à sua aplicação, pois que isto nos está conduzindo
cada vez mais fundo para uma situação de crise social.
A violência que toma ares de profunda desconsideração
pela vida, fruto de um ódio brutal, desmesurado, é
prova disso. Não há lugar para dúvida: não podemos mais
reproduzir um modo de pensar o capitalismo sem uma
verdadeira responsabilidade social, calcada no
respeito aos direitos sociais, sob pena de produzirmos
mais ódios.
É por estes motivos - e não por uma questão de ordem
pessoal - que me oponho, com veemência, aos ataques
realizados ao Direito do Trabalho e à Justiça do
Trabalho, até mesmo para que os jurisdicionados da
cidade onde atuo como juiz não venham sequer a
levantar a hipótese de que essa preconizada ineficácia
das normas trabalhistas terá alguma ressonância.
Pois bem, retomando o dado concreto da aprovação do
projeto de lei da Super Receita, diante de tantas
razões relevantes, o mínimo que se pode esperar, agora,
de um Presidente oriundo da classe trabalhadora é que
vete o texto que foi adicionado ao projeto pela Emenda
aludida. Afinal, já passou da hora de expressarmos em
voz alta e bom tom: "basta de violência aos Direitos
Sociais!".
São Paulo, 14 de fevereiro de 2007.
_______________________________
(*) Juiz do Trabalho desde abril de 1993 e
Professor livre-docente de Direito do Trabalho da
Faculdade de Direito da USP. Membro da Associação
Juízes para a Democracia.