A questão do tempo no processo
sempre foi fator de grande preocupação entre juristas
e aplicadores do direito em geral. Já dizia Carnelutti
que "o tempo é um inimigo do direito, contra o qual o
juiz deve travar uma guerra sem tréguas." (In LEITE,
2006, p.256)
O fator tempo no processo está intimamente
relacionado à efetividade da tutela jurisdicional,
que, por sua vez, ganha ênfase na terceira onda
renovatória na busca do acesso à justiça, de Mauro
Cappelletti, qual seja, a reforma interna processual e
a concretização da justiça plena.
Visto sob outro prisma, não é possível falar-se em
justiça plena se escapam às mãos dos destinatários da
norma instrumentos aptos de proteção ao direito
vindicado, cujo reclame é de urgência, sob pena da
perda do direito material ameaçado ou lesado se
concedido ao final de todo o trâmite processual
ordinário.
Nas palavras de Cruz e Tucci "quanto mais distante
da ocasião tecnicamente propícia for proferida a
sentença, a respectiva eficácia será proporcionalmente
mais fraca e ilusória." (In FREIRE PIMENTA, 2004,
p.350)
Observam Bielsa e Graña, in verbis:
Um julgamento tardio irá perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida em que se postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos; e, transcorrido o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável, injusta, por maior que seja o mérito científico do conteúdo da decisão [...]
Em suma, o resultado de um processo `não apenas deve outorgar uma satisfação jurídica às partes, como também, para que essa resposta seja a mais plena possível, a decisão final deve ser pronunciada em um lapso de tempo compatível com a natureza do objeto litigioso, visto que - caso contrário se tornaria utópica a tutela jurisdicional de qualquer direito. Como já se afirmou, com muita razão, para que a Justiça seja injusta não faz falta que contenha equívoco, basta que não julgue quando deve julgar. (In FREIRE PIMENTA, 2004, p.351)
As opiniões acima registradas
revelam em si a angústia dos estudiosos do direito em
ultrapassar o problema advindo com a quantidade de
ações que assolam os tribunais em geral, ocasionando a
demora no trâmite processual e penalizando duplamente a
parte que tem razão: penalizada, primeiro, por não ter
satisfeito o direito que deveria ser cumprido
espontaneamente; e, segundo, por ter que enfrentar o
desgaste tanto emocional quanto econômico para
demonstrar em juízo a sua razão, após um longo tempo
de espera, tempo esse que nem por isso trará a certeza
de vitória da demanda.
Nesta seara, a chamada "Reforma Judiciária",
implementada com a Emenda Constitucional 45, de 8 de
dezembro de 2004, encampou a mentalidade vanguardista
de instrumentalidade do processo e sua efetividade,
inserindo o inciso LXXVIII ao art. 5o da Constituição
para elevar à garantia fundamental de todos, "no
âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação".
É lamentável que certos direitos, não tutelados em
tempo hábil, percam sua razão de ser, desaparecendo no
tempo e no espaço. Se é assim no processo individual
ordinário, o que se dirá no processo relativo a
direitos de dimensão coletiva, de alto relevo na
sociedade? Para estes, as tutelas de urgência se
apresentam como vias processuais próprias a
garantir-lhes a existência. E é aí que entra o seu
papel na ação civil pública.
A Lei da Ação Civil Pública prevê dois dispositivos
sobre tutela cautelar. O primeiro se refere à
possibilidade do ajuizamento da ação cautelar
propriamente dita nos arts. 4º e 5º. O segundo dispõe
sobre a concessão de mandado liminar, "com ou sem
justificação prévia", no art. 12.
Reza o art. 12 da Lei 7.347/85: "Poderá o juiz
conceder mandado liminar, com ou sem justificação
prévia, em decisão sujeita a agravo."
Entendemos que o mandado liminar previsto no artigo
em comento possui natureza satisfativa, antecipatória
da tutela definitiva.
Quanto à natureza jurídica do ato concessivo da
liminar, não há dúvida de que se trata de decisão
interlocutória, mesmo porque o próprio dispositivo já
prevê como meio recursal o agravo, única via
instrumental cível apta a ensejar a recorribilidade
neste tipo de decisão.
Transladando a norma em comento para o processo do
trabalho, é essencial que se façam as adaptações do
processo civil ordinário para o processo trabalhista
diferenciado, no qual, contrariamente ao âmbito civil,
prevalece o princípio da irrecorribilidade imediata das
decisões interlocutórias. Neste particular, desponta o
`PAR` 1º do art. 893 celetista, in verbis: "Os incidentes
do processo serão resolvidos pelo próprio Juízo ou
Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das
decisões interlocutórias somente em recurso da decisão
definitiva."
Nesse espectro, a primeira conclusão que se retira é
que as matérias oriundas de decisão interlocutória
somente serão recorríveis em recurso de decisão
definitiva, como o recurso ordinário. A segunda
relaciona-se à prerrogativa da parte de poder impetrar
mandado de segurança caso sofra violação em seu
direito líquido e certo. (In LEITE, 2006,
p.256-257)
Quanto ao enquadramento do tipo de tutela prestado
na liminar, entendemos tratar-se de liminar do tipo
satisfativa, e não cautelar. A diferenciação é de
extrema importância, pois enquanto a segunda é dotada
de uma "instrumentalidade hipotética" , isto é,
assegura-se o resultado útil do processo principal, na
primeira há uma verdadeira antecipação provisória do
próprio bem da vida vindicado.
Na visão de Bezerra Leite, a liminar possui caráter
híbrido, pois, como tutela antecipada que é, encerra
um provimento jurisdicional com eficácia mandamental
ou executiva lato sensu. Híbrido, explica o autor,
porque
[...] a liminar é uma providência de cunho emergencial, expedida também (em convergência às medidas cautelares) com o fundamental propósito de salvaguardar a eficácia da futura decisão definitiva, mas possui um caráter executivo lato sensu e mandamental, na medida em que há a entrega, embora precária, do bem da vida vindicado no bojo dos próprios autos do processo a que se refere. (In BEZERRA LEITE, 2006, p.258)
Sobre o tema, observam Nery e Nery que a liminar prevista no art. 12 da Lei 7.347/85 trata de
[...] tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito, dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido com a ação de conhecimento. [...] Com a instituição da tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito no direito brasileiro, de forma ampla, não há mais razão para que seja utilizado o expediente das impropriamente denominadas `cautelares satisfativas, que constitui em si uma contradictio in terminis, pois as cautelares não satisfazem: se a medida é satisfativa é porque, ipso facto, não é cautelar. (NERY e NERY in MANCUSO, 2004, p.257)
No que tange ao preenchimento dos
requisitos para a concessão da liminar, acordam Celso
Antônio Pacheco Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues,
Nery e Nery e Bezerra Leite que, no âmbito da ação
civil pública, não é necessário para a concessão da
liminar o preenchimento de todos os requisitos
elencados no art. 273 do CPC, bastando a existência da
fumaça do bom direito e do perigo da demora do
provimento jurisdicional. Isso porque existe regra
expressa na LACP (art. 12) e no CDC (art. 84) no
sentido de que apenas supletivamente as normas sobre a
liminar serão complementadas pelas normas adjetivas do
Código de Processo Civil e, ainda assim, desde que não
se apresente em confronto com suas regras específicas.
Nesta linha, o preenchimento do inciso II do art. 273
do CPC (abuso do direito de defesa ou manifesto
propósito protelatório do réu) é suficiente para
ensejar a concessão da liminar antecipatória do
mérito. (NERY e NERY in MANCUSO, 2004, p.261-262)
Em outras palavras, ao juiz é vedado exigir como
condição de concessão da tutela: a) requerimento
expresso do autor (caput); b) prova inequívoca para
convencimento da verossimilhança da alegação do autor
(caput); c) fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação (inciso I); e d) comprovação de que
não haja perigo de irreversibilidade do provimento
antecipado (`PAR` 2º). (NERY e NERY in MANCUSO, 2004,
p.262)
Ainda sobre a concessão da liminar, ensinam Nery e
Nery que
[...] não há discricionariedade no ato do juiz, que deve ater-se ao comando emergencial da lei. Presentes os pressupostos não pode deixar de conceder a liminar; ausentes, deve denegá-la (Lara, Liminares, passim). A decisão, quer concessiva quer denegatória, tem de ser sempre fundamentada, sob pena de nulidade (CF, 93, IX). (NERY e NERY, 2003, p.1341)
Nos dizeres de Pontes de Miranda, a
probabilidade é elemento necessário à concessão da
tutela de emergência. O grau do provável é examinado
pelo juiz, mas se ele mesmo tem dúvida, deve deferir o
pedido de medida cautelar. (MANCUSO, 1998, p.253)
Em sendo o objeto da ação civil pública direitos
transcendentes ao indivíduo de relevante conotação e
repercussão social, não raro se confundindo com o
próprio interesse público, deve a tutela de urgência
prevista na Lei 7.347/85 primar pela obtenção da
tutela específica, pois, em se tratando de direitos
cuja eventual lesão é praticamente de impossível
reparação, como o meio ambiente, a saúde e a vida do
trabalhador, o ideal é que a atuação jurisdicional
incida antes mesmo da ocorrência do evento danoso.
Sobre o tema, reproduz Mancuso as palavras de José
Carlos Barbosa Moreira de que
[...] é chegada a hora de se outorgar tutela jurisdicional que supra as lacunas de uma visão puramente economicística do intercâmbio humano referindo-se ele expressamente aos "interesses coletivos ou difusos", para concluir: Se a Justiça civil tem aí um papel a desempenhar, ele será necessariamente o de prover no sentido de prevenir ofensas a tais interesses, ou pelo menos de fazê-las cessar o mais depressa possível e evitar-lhes a repetição; nunca o de simplesmente oferecer aos interessados o pífio consolo de uma indenização que de modo nenhum os compensaria adequadamente do prejuízo acaso sofrido, insuscetível de medir-se com o metro da pecúnia. (In MANCUSO, 2004, p.267-268)
Em razão da relevância dos
interesses de dimensão coletiva, observa Bezerra Leite
que a liminar prevista na Lei 7.347/85 pode ser
concedida de ofício pelo juiz da causa, pois se esta
pode ser concedida de ofício na Lei 1.533/51, que
regula tanto o mandado de segurança individual quanto
o coletivo, com muito mais razão o será na ação civil
pública, cujo objeto ultrapassa a barreira do
individual para atingir a esfera coletiva de proteção
do interesse. (BEZERRA LEITE, 2006, p.263-264)
Diz o `PAR` 1º do art. 12 da LACP:
A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.
Sobre a questão, nota-se a restrição
da regra para atingir somente as pessoas jurídicas de
direito público e o MP, devendo ser deferida a
suspensão da liminar somente nos casos em que se
demonstre que a concessão da liminar gerará grave
lesão aos bens pelos artigos enumerados, destacando
caber ao requerente o ônus da prova deste fato. (NERY
e NERY, 2003, p.1342)
Por último, complementa o `PAR` 2º do art. 12 da Lei
7.347/85 que a multa cominada liminarmente só será
exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão
favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que
se houver configurado o descumprimento.
A multa prevista na liminar não se confunde com a
multa fixada no art. 11 da LACP. A última é uma
astreinte atrelada à sentença e tem por base coagir o
réu a cumprir a obrigação específica cominada. A
primeira, em sendo somente exigível após o trânsito em
julgado da decisão favorável ao autor, computa-se desde
o desatendimento da liminar, iniciando-se a somatória
das multas diárias, cujo montante comporá, ao final, a
conta de liquidação. (MANCUSO, 2004, p.276-277)
Questão polêmica e que causa até mesmo certa
indignação entre alguns juristas está relacionada a um
privilégio estatal inserto no bojo da Medida
Provisória 1.570/97, convertida na Lei 9.494, de
10.09.1997.
Impõe a mencionada lei a restrição na concessão de
liminares contra atos do Poder Público em procedimentos
cautelares e demais ações de natureza cautelar ou
preventiva toda vez que providência semelhante não
puder ser prestada nos mandados de segurança.
Nery e Nery, enfatizando a duvidável
constitucionalidade da medida, comentam que a lei não
pode impor vedações ou restrições ao mandado de
segurança, cujos limites decorrem exclusivamente da
Constituição, acrescentando ser ela ineficaz e inócua,
porquanto se a situação de fato reclamar urgência na
prestação jurisdicional, o juiz tem de conceder a
liminar, sob pena de ferir de morte o princípio da
inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5o,
inciso XXXV, CF). (NERY e NERY, 2003, p.1341)
Ademais, não se justifica o tratamento processual
mais benéfico conferido à Fazenda Pública em casos que
tais, preferindo o interesse da Administração à
iminência de lesão aos interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos, em verdadeira afronta ao
"princípio da igualdade entre as partes (CPC, art.
125, I), corolário da garantia constitucional da
isonomia (CF, art. 5o, caput)". (MANCUSO, 2004,
p.259)
Dispõe ainda o art. 2o da Lei 9.494/97 que no
mandado de segurança coletivo e na ação civil pública
a liminar será concedida, quando cabível, após a
audiência do representante judicial da pessoa jurídica
de direito público, que deverá se pronunciar no prazo
de 72 horas.
Sobre o assunto, nota-se que se a espera de 72 horas
para a oitiva do representante do ente público se
fizer à custa de ameaça ou iminência de perecimento do
direito, deverá o juiz conceder a liminar inaudita
altera parte. (NERY e NERY, 2003, p.1341) E isso se dá
em razão do simples e notório fato de que, como
ressaltou Lúcia Valle Figueiredo:
[...] a irreparabilidade do dano na ação civil pública é manifesta, na hipótese de procedência da ação. A volta ao statu quo ante é praticamente impossível e o fluid recovery não será suficiente a elidir o dano. Mister também salientar que os valores envolvidos na ação civil pública têm abrigo constitucional. A lesão a ditos valores será sempre irreparável (danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valores histórico, turístico e paisagítico). (MANCUSO, 2004, p.258-259)
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(*) Mestre em Direito do Trabalho pela
Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais - PUC/MG e analista
judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª
região