O recesso forçoso de algumas atividades empresariais e, respectivamente, a redução do consumo, impôs a imediata redução de custo ao empreendimento e evidentemente tais medidas de acomodação empresarial nesse período de crise perpassam pela relação de trabalho.
Foi instaurada uma crise mundial de múltiplas faces (social, sanitária, econômica e etc.) em razão de um inimigo invisível a olho nu, fazendo com que a Organização Mundial de Saúde reconhecesse em 11 de março de 2020 a pandemia decorrente do novo coronavírus - covid-19.
Em razão disso o poder público adotou uma série de medidas para contenção do vírus, a fim de evitar/reduzir a contaminação comunitária, como, por exemplo, a imposição do isolamento social - lockdown - o que repercutiu nos mais diversos campos do direito, nos interessando, nesse momento, os impactos no Direito do Trabalho.
O recesso forçoso de algumas atividades empresariais e, respectivamente, a redução do consumo, impôs a imediata redução de custo ao empreendimento e evidentemente tais medidas de acomodação empresarial nesse período de crise perpassam pela relação de trabalho.
Não por outra razão que recentemente foram editadas a MP 927 de 22 de março de 2020, a qual dispôs sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública, e a MP 936 de 1º de abril de 2020, instituindo o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, dispondo também sobre algumas medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública.
A MP 927, cujo texto é de eficácia limitada temporária, limitada a vigência do decreto legislativo 6/20, que reconheceu o estado de calamidade pública, assentou em seu art. 3º algumas medidas que poderão ser adotadas pelos empregadores para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, como (i) o teletrabalho; (ii) a antecipação de férias individuais; (iii) a concessão de férias coletivas; (iv) o aproveitamento e a antecipação de feriados; (v) o banco de horas; (vi) a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; (vii) o direcionamento do trabalhador para qualificação; e (viii) o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS.
Vale registrar que no dia 23 de março de 2020 veio a lume a MP 928, que revogou o art. 18 da MP 927, que tratava da suspensão do contrato de trabalho e direcionamento do empregado para o programa de qualificação profissional. Tal dispositivo (art. 18 da MP 927) suprimia a necessidade de outorga em instrumento coletivo, já que a legislação trabalhista já contemplava essa possibilidade, mas dependendo de ajuste em convenção ou acordo coletivo de trabalho, conforme preconiza o art. 476-A da CLT1, observada, atualmente, a nova regra do art. 17, I, da MP 936.
O ponto mais polêmico da MP 927 se encontra em seu art. 2º2 que possibilita um leque de medidas que podem ser acordadas entre empregado e empregador permitindo uma maior flexibilização da legislação trabalhista nesse momento de crise, com o único objetivo de garantir a permanência da relação de emprego. Entendemos que deve ser prestigiada a autonomia da vontade das partes (ajuste escrito entre empregador e empregado), exceto naquilo que entre em rota de colisão com os preceitos estabelecidos na Carta Republicana.
A MP 936, de duvidosa constitucionalidade, e que já sofreu críticas da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA3, disciplinou em sua essência acerca da possibilidade de (i) redução proporcional da jornada de trabalho e de salário; e (ii) suspensão temporária do contrato de trabalho.
Durante o estado de calamidade pública o empregador, mediante ajuste individual escrito, que será encaminhado ao trabalhador com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos, poderá acordar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário com seus empregados nos percentuais de 25%, 50% ou 70%, por até noventa dias.
Na hipótese de acordo celebrado entre as partes para implementação da redução salarial o Governo Federal pagará a cada empregado um Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, que terá como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, conforme estatui o art. 6º da MP 936, aplicando-se sobre essa base de cálculo o percentual objeto da redução.
Os empregadores não poderão transacionar a redução de jornada e salário indistintamente com seus empregados, mas apenas com aqueles (i) que recebem salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais) ou (ii) portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (art. 12, I, II).
Para os empregados não enquadrados nas duas situações acima mencionadas somente poderá ser pactuada a redução de jornada de trabalho e de salário no importe de vinte e cinco por cento, conforme parágrafo único do art. 12, que poderá ser firmado por acordo individual.
Logo, para os empregados que recebem acima de R$ 3.135,00 até R$ 12.202,12 a redução salarial e de jornada está limitada a 25%, podendo ser ajustada de forma individual. Lembramos, contudo, que a redução de jornada e de salário podem ser pactuadas por instrumento coletivo sem qualquer limitação (art. 611-A, CLT), observada apenas a regra do §3º, do art. 611-A da CLT4.
A outra medida que visa garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais e, consequentemente, preservar o pleno emprego, é a suspensão temporária do contrato de trabalho, que terá o prazo máximo de 60 (sessenta dias).
Na hipótese de suspensão temporária do contrato de trabalho, o empregado receberá um valor mensal equivalente a cem por cento do valor do seguro-desemprego a que teria direito. No entanto, se o seu empregador tiver auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), o pagamento ficará limitado a setenta por cento do seguro-desemprego a que teria direito, devendo a empresa arcar com o pagamento de ajuda compensatória mensal no valor de trinta por cento do valor do seu salário, enquanto perdurar o período da suspensão contratual.
Para a hipótese em que o empregado receber cem por cento do valor do seguro-desemprego, a fim de melhorar a sua condição social, o empregador tem a faculdade de contribuir com uma ajuda compensatória, que terá natureza indenizatória (art. 9, §1º, II), não integrará a base de cálculo do imposto de renda, contribuição previdenciário e FGTS.
No período de suspensão contratual o empregado usufruirá de todos os benefícios concedidos pelo empregador, devendo ser mantidas as chamadas "cláusulas sociais", tais como plano de saúde, alimentação e demais benefícios previstos em instrumento coletivo (art. 8º, §2º, I).
O empregado que receber o benefício emergencial de preservação do emprego gozará de estabilidade provisória não podendo ser demitido durante o período acordado (seja de redução do salário ou suspensão do contrato) e, após o restabelecimento da jornada e salário ou do encerramento da suspensão do contrato de trabalho, pelo período equivalente ao acordado para suspensão do contrato de trabalho ou redução salarial.
Caso ocorra a dispensa imotivada no período da garantia provisória o empregador deverá pagar uma indenização, além das verbas rescisórias, conforme preconiza o art. 10, §1º, da MP 936/20.
Os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, pactuados nos termos da MP 936, deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração.
Aos empregados contratados pelo regime intermitente será concedido benefício emergencial mensal no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), pelo período de três meses.
Foi autorizada a utilização dos meios eletrônicos para atendimento dos requisitos formais do ajuste coletivo, inclusive para convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade de convenção ou de acordo coletivo de trabalho, de modo a facilitar os trâmites da negociação coletiva.
Conclusão
O Partido Democrático Trabalhista - PDT - ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6342) contra a MP 927, sendo distribuída a ação para relatoria do Min. Marco Aurélio, o qual indeferiu a medida liminar.
O Partido Rede Sustentabilidade também ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI6363) contra a MP 936, sendo a demanda distribuída para relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, estando o processo concluso para decisão, o que pode ser verificado até o término do presente trabalho.
Essas são algumas ideias iniciais acerca das medidas utilizadas pelo Poder Executivo para enfrentamento da crise econômica instaurada por conta da pandemia decorrente do novo coronavírus - covid-19.
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1 Art. 476-A. O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta Consolidação.
2 Art. 2º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.
3 https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/29583-nota-publica-5 Acessado em 02.04.2020
4 Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
§ 3o Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.