Compensações pagas pelo governo a trabalhadores que aceitarem reduzir os rendimentos em troca de preservação do emprego, nos termos definidos pela MP nº 936, não cobrirão as perdas. Especialistas preveem aumento de disputas judiciais
» Alessandra Azevedo
» Rosana Hessel
Trabalhadores que firmarem acordo com os patrões para reduzir jornadas podem perder mais da metade dos salários, mesmo com a compensação paga pelo governo. A Medida Provisória (MP) 936, assinada na quarta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, prevê um complemento por parte da União que não ultrapassa R$ 1.269,12 -- o equivalente a 70% da parcela do seguro-desemprego paga para quem recebe salários acima de R$ 2.666,29. O valor máximo, de R$ 1.813,03, só é garantido na suspensão dos contratos, não na redução de jornada.
Quem ganha R$ 10 mil, por exemplo, pode passar a receber R$ 4.269,12, uma perda de 57,31% dos ganhos. São R$ 5.730,88 mensais a menos na conta, por até três meses, se o patrão e o funcionário negociarem um corte de 70%, uma das opções possíveis. Nesse caso, a empresa manteria 30% do salário (R$ 3 mil), e o governo daria um auxílio de 70% da parcela que a pessoa receberia como seguro-desemprego, se fosse demitida: R$ 1.269,12.
A situação mencionada é uma das passíveis de acordo individual, sem necessidade de participação do sindicato da categoria. A negociação coletiva é dispensada se o funcionário tiver ensino superior e receber mais de R$ 12.202,12, o equivalente ao dobro do teto de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Quem ganha até três salários mínimos (R$ 3.135) também pode resolver o assunto direto com o patrão.
Uma pessoa que recebe R$ 2 mil por mês, por exemplo, pode ter perda de até R$ 364,08, ou 18,2% do salário, se o corte for de 70% na jornada. O governo compensaria com R$ 1.035,92, ou 70% da parcela devida de seguro-desemprego para quem recebe essa faixa salarial. A lógica é a mesma nas outras duas opções de redução, de 25%, com compensação de 25% da parcela do seguro, e de 50%, em que o governo arca com 50% do valor do seguro.
Além de quem recebe até três salários mínimos ou mais de R$ 12.202, com ensino superior, também pode negociar direto com o patrão qualquer pessoa que concordar com a redução mais baixa permitida, de 25% da jornada. Só precisam fazer acordo coletivo funcionários que estão na faixa intermediária -- recebem entre R$ 3.135 e R$ 12.202 por mês -- e se a redução for de 50% ou 70%. As suspensões de contrato também só exigem acordo coletivo nesses casos.
Judicialização
A possibilidade de acordo individual é criticada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), que consideram a medida inconstitucional. A economista Juliana Inhasz, do Insper, acredita que os processos trabalhistas tendem a aumentar daqui para frente por conta da judicialização que a medida deverá provocar. "Estou imaginando uma enxurrada de processos no Judiciário", disse.
Marcos Chehab, coordenador do Movimento da Advocacia Trabalhista Independente (Mati), diz que a MP é inconstitucional. "Uma MP nunca pode autorizar a supressão de convenções ou acordos coletivos mediante esses acordos ou ajustes individuais entre patrões e empregados", declarou. "A MP exclui qualquer participação de sindicatos no acordo", criticou.
O argumento foi o mesmo usado pela Rede Sustentabilidade, que protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida. Para o advogado Luiz Marcelo Gois, sócio da área trabalhista do BMA, a possibilidade de acordo individual, "por si só, desperta algum nível de insegurança jurídica".
O secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, explicou, ontem, que, "na totalidade das situações, o salário-hora será majorado", já que o funcionário trabalhará menos e receberá o complemento do governo. Segundo Gois, "de fato, as medidas adotadas não reduzem o salário-hora do empregado". Ele explica, no entanto, que "o problema é que o valor, no fim do mês, acaba vindo até zero".
O advogado trabalhista Lucas Santos, do escritório Mendonça & Santos, recomenda às empresas que, por garantia, procurem sindicatos para negociar o assunto, em qualquer caso. "Assim, empresas e trabalhadores ficam mais bem amparados", considerou. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) elogiou as medidas. "É importante evitarmos ao máximo a demissão. Com demissões, teremos consequências muito piores para o país", disse o presidente da entidade, Robson Andrade.